Toninho da Kombi viveu dos próprios sonhos
Antônio Aparecido de Lima fez quase tudo na vida. Foi taxista. Motorista de Kombi. Vendedor de frangos. Produziu doces. Corretor de imóveis. Fabricou mandioca pré cozida. Vendeu cerveja. Praticamente, não se deu bem em nada. Trabalhou muito. Morreu sem grana. Possivelmente, não acumulou dinheiro porque foi bom demais com os outros. Foi logrado. Enganado. Passado para trás. Em alguns casos, se deu mal mesmo porque entrou em furadas. Mas se tem uma coisa que ele jamais deixou de ter, foi o humor. Sempre semeou alegria. Foi amigo. Compartilhou segredos. Desfrutou de amizades. E foi com a Kombi, ainda na década de 70, que ganhou o apelido de “Toninho da Kombi”. Era o único taxista com uma Kombi. E amarela.
“Toninho” morreu em março deste ano. Tinha 63. Era casado e deixou dois filhos. Carlos, de 32 e Guilherme, de 18. Morava em Terra Boa. Segundo a família, teve um infarto fulminante. Sem tempo pra nada. Era um sujeito simples. Sem frescuras. Levava a vida como tinha que ser: muito humor e lutas diárias pro pão não faltar. Nasceu em Japurá, interior do Paraná. Veio de uma família de agricultores. Eram 10 irmãos. Sandra Lima, a caçula, ainda sente a ausência do irmão. Mesmo assim, uniu forças e contou a sua história. Conta ela que ele foi um colecionador de causos. Principalmente, com a sua Kombi amarela.
“Toninho da Kombi”, como ficou conhecido, foi um dos primeiros taxistas de Japurá. Ele decidiu comprar um fusca, a duras penas, para ajudar a família numerosa. Na década de 70, uma grande geada fulminou o cafezal da família. A renda tinha ido embora. Então, o jeito foi se virar. Com o Fusca, virou taxista. Piadista, ganhou amigos e muitos clientes. Pensando mais alto, vendeu o carro e comprou uma Kombi amarela. Agora, carregava famílias inteiras. A grana era maior.
“Toninho” levava famílias de uma só vez até casamentos na década de 70. Velórios também eram outro filão. Sandra lembra de um irmão engraçado. Sempre bem humorado. E contador de histórias. Com a Kombi, fez até o que não devia. Certa vez levou uma moça da cidade para fugir com o namorado.
A história de seo Geraldo
“Chicão” era um rapaz que trabalhava num posto. Ele namorava a filha do seo Geraldo. Mas este senhor era demais de bravo. Enciumado com a filha, não admitia namoricos. Mas o moço do posto e a menina se gostavam. O jeito então foi roubar a moça. “Chicão” buscou todos os taxistas da cidade para concretizar o “roubo”. Nenhum aceitou. Afinal, seo Geraldo era muito bravo. Ainda mais que mantinha uma espingarda. Quem aceitou, pelo triplo do valor, foi “Toninho”.
Os dois elaboraram o plano. “Toninho” estacionaria a Kombi numa esquina, próximo a casa da menina. Depois, o taxista a deixaria num local determinado, já com “Chicão” esperando. Tava tudo certo. Então, no dia programado, “Toninho” foi até a esquina. Parou o carro. Mas viu que ao invés da moça estar lá, quem estava era o seu pai. Geraldo, com o braço encostado no muro, já olhava para “Toninho”. Sem saber o que fazer, desceu da perua e foi até ele. “Oi seo Geraldo. Que tá fazendo aí com essa arma. Vai matar passarinho”? perguntou. O homem, furioso, respondeu: “Estou esperando um fio duma égua. Diz que vai vir aqui roubar minha filha. Vou passar fogo nele”, disse.
O taxista, na hora, engoliu a saliva. Gelou. O coração acelerou. Geraldo então perguntou: “E o que você tá fazendo aqui”? Pra despistá-lo, “Toninho” disse que estava fazendo uma caminhada. E foi durante esta prosa que a menina pulou o muro de tras da casa e se escondeu dentro da Kombi. Quando voltou ao carro a moça já estava abaixada. Escondida na Kombi. Então pisou fundo no acelerador. “Ele disse que despachou o produto algumas quadras à frente”, lembra Sandra.
Com a Kombi, “Toninho” fez de tudo. Levava homens “sérios” para casas de mulheres da vida. Levou gente para desbravar o Mato Grosso. Ganhou dinheiro. Perdeu dinheiro. Ajudou muitas pessoas. Foi enganado por outras. Onde chegava, a tristeza não reinava. Era exímio churrasqueiro. Mas adorava reclamar do churrasco dos outros. Implicava com a temperatura da cerveja. Do ponto da carne. Do sal. Da música. Fazia isso pra encher o saco. Queria mesmo era estar com a turma.
Vendedor de Cerveja
Em 1996, “Toninho” trouxe a família para morar em Campo Mourão. Com um sócio montou uma distribuidora de cerveja. Por motivos óbvios, não citaremos aqui a marca. Tratava-se, na época, de uma oportunidade. A cerveja, recém lançada, ainda não existia na cidade. Acontece que a bebida era muito ruim. Não vendia. Então, os dois sócios passaram a ficar do lado de fora de alguns botecos. Eles distribuíam dinheiro, escondido, a alguns frequentadores que chegavam. “Pega esse dinheiro e fala alto pra todo mundo escutar. Diz que você quer a cerveja tal”, lembra o filho Carlos. E assim eles faziam em vários bares de Campo Mourão. No fim da história, gastaram mais do que ganharam na distribuidora. O negócio quebrou.
Açougue
Em 1997, Toninho abriu uma casa de carnes em Campo Mourão. O nome era Parati. Junto, passou a representar uma empresa de frangos. Deu certo. Vendo um negócio promissor, mais tarde abriu outra, também na cidade. “Meu pai sempre foi uma pessoa muito boa. Acreditava nas pessoas”. Então passou a vender fiado. E pagou o preço sozinho. Não aguentou os calotes e acabou fechando as duas unidades. Uma empresa de Londrina, que vendia os galináceos, fez uma proposta. “Toninho” aceitou. E passou a vender pra eles.
Um ano no Ceará
No ano de 2001, “Toninho” colocou toda a família dentro de um Fiat Palio. Deixaram Campo Mourão rumo Quixeramobim, sertão do Ceará. Uma semana de viagem. O objetivo agora era abrir uma fábrica de polpas de frutas. Nunca abriu. Na terra de Antônio Conselheiro, da Guerra de Canudos, acabou abrindo uma distribuidora de frios. Vendia frango congelado. Mas como sempre acontecia, conheceu um sujeito. O cara tinha uma fábrica de doces. Eram quadradinhos, como os de doce de leite vendidos por aí. Eram de todos os sabores. Mas feitos de uma única fruta: banana. O que os diferenciavam eram as essências de outras frutas. “Toninho” passou ser sócio do sujeito. Ele comprava a banana. E o cara produzia os doces de frutas variadas. Mas de banana.
Bem no fim nada deu certo. Novamente. As coisas não andavam como tinham que ser. Carlos, ainda jovem, lembra que o pai cansou daquilo tudo. Um ano depois, já em 2002, fretou um caminhão. Colocou todos dentro. Apanhou as coisas da casa. E vazou ao Paraná. Mais uma vez, os sonhos deram errado. Mas o humor jamais acabou. Voltou rindo de tudo. Mais causos pra contar.
“Toninho” era um sonhador. Suas maiores qualidades eram seus maiores defeitos. “Hoje quem é bom, se ferra. O mundo não perdoa. A maldade estava nos outros, não nele”, disse o filho.
Corretagem no Mato Grosso
Depois que voltou do Ceará, “Toninho” morou com a família em Terra Boa. Ele começou a aventurar-se com a venda de terras no Mato Grosso. Levava fazendeiros para comprar propriedades. Oportunidades. Arrumou bons negócios pra gente da grana. Foi passado pra trás. Muitas vezes não recebeu sua parte. Então foi obrigado a fazer o CRECI -PR – um registro oficial para corretores – para ter credibilidade nos negócios que fechava.
Mas para ter o CRECI, teve que voltar a estudar. Tinha apenas o primário. Contava que um dia o ex-professor foi até o sítio pedir ao seu pai – avô de Carlos – para que “Toninho” voltasse a estudar. “Meu vô não deixou. Disse que meu pai tinha que trabalhar. Não estudar”, disse. Há poucos anos, “Toninho” voltou a estudar. Teve que subir alguns degraus para tirar o documento de corretagem.
“Toninho” tentou muitas coisas na vida. A maioria deu errado. Mas o que deu certo mesmo foi o amor que despejou sobre sua família. Amou a sua esposa e os dois filhos. Fez o que podia pelos três. Carlos, o mais velho, é engenheiro. Mora em Maringá e é casado. Tem um filho. A quem “Toninho” era completamente apaixonado. O mais novo faz Educação Física. No fim, tudo o que ganhou na vida, se transformou em quase nada. Mas deixou lições aos filhos. “Honestidade. Respeito. Educação. Bondade. Caráter. Esperança. Trabalho. Nos deixou a maior riqueza que um filho poderia ter”.

