Moyano, o atirador de elite ‘mourãoense’ que zelou da vida do Presidente Leopoldo Galtieri
Patagônia Argentina, agosto de 1981. Era madrugada de frio negativo quando militares acordaram o soldado Moyano. Tapando seus olhos, o levaram sob a neve e o forte vento até um dos escritórios da companhia. Sem saber o que acontecia, foi colocado em uma cadeira. E, em seguida, retirada sua venda. Frente a frente com o Capitão Cicala, era informado que, a partir daquele momento, teria uma nova função: zelar pela vida do então Comandante Chefe do Exército argentino, o General Leopoldo Fortunato Galtieri.
O argentino Ruben Orlando Moyano adentrou aos quadros militares em janeiro de 1981, aos 19 anos. Como soldado, tinha função de intendente. No frigir dos ovos, um oficial responsável por questões administrativas. Então, numa época em que não existiam computadores, fazia suas tarefas à base das memoráveis máquinas de escrever. “Minha função era catalogar materiais do Exército em fichas. Um grupo contava e me passava todos os itens e as suas quantidades. E eu os catalogava”, disse.
Os dias se passavam normais, apesar do frio extremo do Sul do país, pelo menos, até fechar o seu primeiro mês no batalhão. Foi quando iniciaram as provas de tiro com fuzil. Moyano ainda não sabia, mas detinha uma exímia pontaria. Mais do que isso: descobriu ser o melhor atirador das tropas sediadas no Sul do país. “Na minha companhia fiquei em primeiro lugar. Depois, diante de outras, também fiquei em primeiro. Eu não sabia que possuía um alvo tão certeiro”, revelou.
Depois de inúmeras provas de tiro, Moyano deixou a função administrativa e passou a fazer guardas noturnas de sua companhia. Enquanto isso, a Argentina vivia sob uma ditadura, iniciada em 1976. E ao mesmo tempo, com tensões junto ao vizinho Chile. Apesar de não existirem conflitos militares abertos entre os dois países em 1981, a região do Canal de Beagle era um ponto vulnerável constante entre eles, com disputas territoriais e marítimas que quase levaram à guerra anos antes. O limite de um conflito foi tão justo que a tensão teve que ser mediada pelo Papa João Paulo II, que propôs uma solução em 1980.

Mas na madrugada de agosto de 1981, a vida de Moyano se transformaria. Apontado pelo Capitão Cicala como um verdadeiro atirador de elite, passou a ser um dos responsáveis pela guarda pessoal do então Comandante Chefe do Exército argentino, o General Galtieri. “No Exército você não fala, só escuta. E obedece”, disse. Então, naquela noite de muita neve, foi apresentado ao Comandante argentino. Moyano era agora o seu homem de confiança. O homem que o protegeria.
“Eles tinham acabado de me acordar. Me levaram até um escritório. E me informaram sobre minha nova função. Em seguida adentra a sala um homem apenas com os olhos de fora. Estava com uma máscara de proteção contra o frio. Assim que a retirou pude observar que eu estava em frente ao General. Era ele quem eu tinha a missão de proteger. Jamais poderia deixá-lo sozinho, nem por um segundo”, explicou Moyano.
Então, já no outro dia pela manhã, a jornada de Moyano começava. A bordo de um Jipe, ele e Cicala iam no banco de trás. À frente, o motorista e Galtieri. Dois outros jipes seguiam à frente e outros dois atrás. Por 40 dias a missão rodou toda a região Sul do país. Atravessavam montanhas, com muito frio, neve e vento. Galtieri visitava todas as unidades militares. E eram lá as reuniões com a cúpula do Exército, Marinha e Aeronáutica. Moyano ainda não sabia, mas os encontros não eram sobre as Malvinas. Mas sim, para derrubar o atual Presidente da época, Roberto Viola.
Moyano explica que a guarda do General acontecia assim: quando ele entrava em algum lugar, Moyano e Cicala se revezavam. Um ia junto, e outro permanecia do lado de fora. Para outras pessoas adentrarem ao local existiam senhas verbais. Tudo muito controlado. Cuidados extremos.
Durante os dias de viagem com Galtieri, Moyano escrevia cartas toda semana à sua família. Nelas, contava sobre a vida no Exército. Que estava tudo bem. Além de expressar a enorme saudade de todos. Mas ao retornar daquela missão, em novembro de 1981, à sua surpresa, teve baixa na corporação. “Fui mandado pra casa por bom comportamento. Era tudo à base de pontos. Ponto por faxina. Pela roupa limpa e passada. Pelo cumprimento do horário. Pelo empenho nos exercícios”, lembrou. E um dos pontos mais relevantes que teve em seu curriculum: identificou e matou dois espiões.
“No ano de 1981, antes das Malvinas, existiam muitos espiões na Patagônia. Ao ficar de guarda numa noite, escutei ruídos. Então solicitei palavras chave. Como não me responderam e começaram a fugir, os persegui e disparei. Peguei as duas pessoas. Foi o que me ajudou também em ser dispensado do Exército meses depois”, lembrou ele.
Mas, antes de deixar a unidade, militares entregaram uma sacola. Além de seus pertences, lá estavam todas as cartas que havia escrito. Os militares não despacharam nenhuma delas. Principalmente, porque tinham receio de que alguém poderia ter acesso àquelas informações. Então, Moyano foi para casa, com a certeza da missão cumprida. Em tempo: Já em sua casa, em dezembro de 1981, Moyano soube através dos jornais que o mesmo General, que ajudou a proteger, era agora o novo Presidente da Argentina. As reuniões que lá esteve, eram para derrubar o então Presidente Roberto Viola.
“Ao retornar para minha casa, como não tinham notícias minhas, meus familiares não sabiam se eu estava vivo. Então, quando cheguei, vieram os vizinhos e amigos. Muita gente veio me ver. Todos eles diziam ter rezado por mim”, descreveu Moyano.
Vida fora do exército
Passada a guerra, Moyano já trabalhava num escritório de contabilidade em Buenos Aires, na Argentina. Por coincidência do destino, sob as ordens de um ex Tenente Coronel, dono da empresa. “Era muito bom trabalhar lá. Tudo na máquina de escrever”, lembrou. Depois, entrou na universidade, se tornando um engenheiro de sistemas. Também fez pós-graduação em Turismo, atuando como professor e guia de turismo e meio ambiente durante 21 anos na Argentina.
E foi durante este período quando veio a um casamento no Brasil. Na festa conheceu a esposa, a mourãoense Olzicleia Nogarolli, cunhada do amigo. Com a paixão, se casaram em 1993, em Campo Mourão, passando a morar na Argentina, principalmente, porque Moyano detinha um bom emprego. Mas, para tratar uma das três filhas, com problemas de saúde, recorreram ao Brasil. E nunca mais saíram. “Aqui cheguei numa sexta-feira. E já na segunda comecei dar aulas de guia de turismo no Senac, em Curitiba. Mais adiante, na Pastoral de Turismo do Brasil. Passei por Apucarana, Prudentópolis, Guarapuava, Farol e, finalmente, em Campo Mourão. Independente dos meus trabalhos, sempre coordenei a Rota da Fé, com 69 edições”, explicou.
Hoje, Moyano trabalha na Prefeitura de Campo Mourão. E paralelamente ao seu emprego, está à frente do Primeiro Caminho Iniciático de Santiago de Compostela, idealizado e consolidado em Campo Mourão, a terra natal da esposa. A bem da verdade, com tantas coincidências o envolvendo com a cidade, nada seria mais justo do que afirmar se tratar de um legítimo mourãoense. O primeiro “sniper” mourãoense.
Guerra das Malvinas
A Guerra das Malvinas, também conhecida como Guerra das Falklands, foi um conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido em 1982, pela posse das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul. A guerra, que durou 74 dias, terminou com a vitória britânica e a rendição argentina. O número total de mortos foi de aproximadamente 900 pessoas, com 649 mortos do lado argentino e 255 do lado britânico.
Ditadura Argentina
A Ditadura Argentina, também conhecida como Processo de Reorganização Nacional, aconteceu entre 1976 e 1983, iniciado com o golpe de estado que depôs Isabelita Perón. Este período foi marcado por violência, perseguições, torturas e desaparecimentos de milhares de pessoas. Um capítulo conhecido como “Guerra Suja”.
Leopoldo Fortunato Galtieri
Leopoldo Fortunato Galtieri Castelli foi general e presidente argentino de 1981 a 1982. Governou seu país como um ditador militar durante o período conhecido como Processo de Reorganização Nacional. Ele foi engenheiro de combate chefe do Exército argentino e apoiou o Golpe de Estado de 1976 que o lançaria a ser Comandante Chefe do Exército em 1980.
Em dezembro de 1981, Galtieri derrubou o presidente Roberto Viola, ocupando a sua cadeira. Tentando recuperar seu prestígio, ele ordenou uma invasão militar às Ilhas Malvinas em abril de 1982, acreditando que a comunidade internacional não reagiria. Contudo, o Reino Unido reuniu uma força-tarefa militar e os argentinos acabaram sofrendo uma retumbante derrota.
Quatro dias após o fracasso, Galtieri acabou renunciando à presidência. Um ano depois, a democracia na Argentina foi formalmente restaurada e ele acabou sendo indiciado por má conduta militar em 1986. Galtieri foi perdoado pelo presidente Carlos Menem em 1989. E viveu na obscuridade até sua prisão por novas acusações pouco antes de sua morte, em 2003.

