A bruxa solitária que combate o preconceito religioso

A chamaremos de ‘‘L’’ Ela é uma Bruxa. Solitária. Mas, diferentemente do estigma do cinema, não voa sobre uma vassoura. Não possui uma grande verruga no nariz. Não é feia. Ao contrário. E, definitivamente, segundo ela, não joga pragas no caminho de ninguém. Como bruxa, aprendeu sobre ervas, plantas e animais. De um modo geral, se utiliza da natureza, sem prejudicá-la, para fazer magia. Com conhecimento aguçado, vem travando uma batalha contra preconceitos religiosos. As chamadas intolerâncias. Mais especificamente, nos casos do Candomblé e Umbanda.

O tema voltou ao debate popular dias desses. Depois que um homem foi encontrado morto, em meio a oferendas espirituais numa esquina de Campo Mourão. Entre charutos, garrafas de aguardente e um tecido preto, um corpo estendido. Já sem vida. Diante da perplexidade do fato, ainda investigado pela polícia, notou-se a falta de conhecimento e, confusão pelas pessoas. Foi então que “L” decidiu fornecer informações, a fim de se evitar mais preconceito às religiões afros. Para ela, há muita desinformação. Mistura-se as religiões, Candomblé e Umbanda, a rituais de magia negra e satanismo. Sem contar, ainda, com o termo pejorativo “macumba”. 

“L” é ainda uma jovem sonhadora. Aos 20 anos, é casada e trabalha como social media, em Maringá. Acorda cedo todos os dias. Arregaça as mangas. Batalha como qualquer outra pessoa. Mas se diferencia pelo conhecimento e estudos sobre religiões. Começou estudando bruxaria. Mas acabou se adaptando melhor as crenças e práticas afros. “Não tenho regras ou dogmas fixos. Não tenho religião”, explica. A bruxa morou em Campo Mourão entre 2006 e 2020. Mas teve que deixar a cidade devido ao preconceito sofrido. De acordo com ela, em todas as entrevistas de emprego, era barrada quando dizia não ter religião. E mais, ao se dizer bruxa.  

O termo “macumba” surgiu ainda na África. Veio de um instrumento de percussão. Muito semelhante ao que é hoje o brasileiro reco reco. Com o tempo, “macumba” passou a se referir também as oferendas religiosas ligadas as religiões de matrizes africanas. No entanto, é importante ressaltar hoje que, unir “macumba” ao Candomblé e a Umbanda, tornou-se, de certa forma, um termo pejorativo. E deve ser evitado. “Esse termo é bastante negativo a estas religiões. Deveria até ser abolido do dicionário”, diz a moça.  

“Macumba”, na verdade, representa as chamadas oferendas aos espíritos. As mesmas colocadas em encruzilhadas. Os conhecidos “despachos”. No entanto, erroneamente, a “macumba” continua associada a rituais do mal. O que, literalmente, não é verdade. A ideia de estar atrelada contra as pessoas, vem ainda de 1920, em campanhas difamatórias de outras religiões e, até, da sociedade. Mesmo passados 100 anos, o preconceito continua.

Encruzilhadas ou encruzas, segundo a Umbanda, são locais onde são realizadas as oferendas a Exu e a Pombajira. Elas possuem as mais variadas funções, como proteção, prosperidade e descarrego. Popularmente, estas oferendas são conhecidas como despachos. Termo também, segundo “L”, pejorativo. O correto é chamar de Padê, Ebó, ou apenas, oferendas. “É uma prática comum a estas religiões. Assim como os católicos acendem velas em cemitérios”, explica. 

Umbandistas acreditam na existência de um Deus soberano chamado Olorum. Eles creem na imortalidade da alma. Na reencarnação e no carma. Além é claro, de reverenciar entidades, ou seja, espíritos mais experientes que guiam as pessoas. Segundo umbandistas, alguns espíritos preferem oferendas com comida. Outros, com bebidas alcoólicas.

De acordo com especialistas, nenhum centro de Umbanda ou Candomblé, de respeito, possuí bons olhos para realizar ações contra terceiros. “Se você chegar num deles e pedir isso, vai levar um corridão”, disse “L”. Mas, sabe-se que existem os que o fazem. Neste caso, a Quimbanda. Uma outra religião, com raízes também afros. Ali se utilizam entidades contra pessoas.

História

A história conta que o povo africano sofreu mais de três séculos com a escravidão. O Brasil, colaborou com isso. E não foi pouco. Obrigados, milhares de escravos aqui foram trazidos. Sem direitos. Sem dignidade. Sem nada, a única forma de manterem sua identidade, foi através da religião. E, numa sociedade preconceituosa, africanos eram considerados como a escória. Principalmente, onde a religião dominante era a cristã. Com isso, a consequência foi uma só: Tudo o que o povo, tido como “inferior”, cultuasse, era desagrado aos que se julgavam “superiores”.

‘‘L’’ conta que o preconceito começou a partir daí. “O Candomblé foi trazido pelos escravos ao Brasil. Aqui criou-se a Umbanda. Mas as duas religiões passaram a ser demonizadas por cristãos. E isso continua até hoje. A verdade é que nenhuma das duas, procura o mal às pessoas”, diz. Ela explica que, como os cristãos cultuam anjos e santos, as religiões afro cultuam Exu e Pombajira. “Todos são seres de luz”, disse. O problema, em sua visão, é que os dois primeiros tem o símbolo do tridente. Assim como o demônio, pelos cristãos. “As pessoas assimilaram as coisas. E não tem nada haver uma a outra”, explicou. A Umbanda, segundo ‘‘L’’, não cobra valores pelos serviços. O candomblé, sim. Já a Quimbanda, são cobrados em dinheiro.

‘‘L’’ conta que, em Campo Mourão, ficou desempregada por tempos. Passou dificuldades. Necessidades. Embora jamais tenha perdido a fé em seus guias. “Hoje eu sei que precisava passar por isso. Dou valor a muita coisa que não dava antes. Não foi algo que eu queria. Doeu. Mas foi necessário. Exu e Pombajira são guias que corrigem nossos caminhos”, revela.     

Bruxa

A jovem iniciou os estudos na bruxaria ainda aos 14 anos. Era cristã. Mas com as proibições do catolicismo, buscou conhecer cada uma delas. “Sempre tive muita atração pelo proibido da igreja”, disse. Começou pesquisando pela Wicca. Religião neopagã influenciada por crenças pré-cristãs. Mas não se adaptou muito, devido ao número de regras e dogmas impostas. Então, passou por outras vertentes da bruxaria Diânica, Nórdica e Egípcia. Chegando, enfim, as afros. Embora não pertença a Umbanda, continua uma bruxa pagã. E, a bem da verdade, uma bela bruxa pagã.