Andorinhas: do céu às calçadas, o voo simbólico de Campo Mourão

Foi no início da década de 1980 que elas chegaram discretas, em revoada. As andorinhas, aves migratórias que cruzam continentes em busca de clima favorável, escolheram os céus do centro-oeste paranaense para um espetáculo diário que logo se tornaria símbolo da cidade.

Amadas por uns, incômodas para outros, as andorinhas conquistaram Campo Mourão com seus voos coreografados ao entardecer e tornaram-se protagonistas de uma história que mistura natureza, arte, política e memória afetiva. “Elas vinham ao anoitecer, tomavam conta da praça Getúlio Vargas, faziam aquele barulho gostoso… e depois desapareciam. Era como mágica”, lembra um morador antigo da região central.

O espetáculo natural atraiu até a imprensa nacional: o Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem sobre o fenômeno. Foi o suficiente para que as aves ganhassem status de atração turística. A prefeitura chegou a imprimir cartões-postais com imagens das andorinhas — um gesto simbólico numa época em que ainda se enviavam notícias pelo correio.

Entre aplausos e reclamações

Nem tudo, porém, era encantamento. Os excrementos das aves incomodavam parte da população. “Tinha gente que só via o cheiro”, brincam moradores, mas autoridades ambientais da época saíram em defesa das visitantes. Edson Battilani, então chefe do escritório regional do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas (ITCF), ressaltava que elas contribuíam para o equilíbrio ecológico, consumindo insetos que afetam lavouras.

O vínculo com a cidade ficou tão forte que até um clube social, na região do Jardim Tropical, levou o nome das andorinhas. O espaço foi ponto de encontro na década de 1980, mas acabou fechado após episódios trágicos de afogamento.

Calçadão, deu a cidade novo aspecto urbano

Do céu para o chão: o calçadão e o símbolo

A relação de Campo Mourão com as andorinhas ganhou contornos ainda mais simbólicos em 1991, quando a gestão do então prefeito Augustinho Vecchi inaugurou o calçadão da Avenida Capitão Índio Bandeira, transformando a paisagem urbana do centro. Para dar um toque artístico ao projeto, liderado pelo arquiteto curitibano Alberto Folloni, foi realizado um concurso promovido pela Fundação Cultural.

O artista plástico Bernardo Matos foi o vencedor. Sem encontrar uma referência visual marcante como outras cidades, ele encontrou inspiração ao acaso, ao observar uma revoada ao entardecer do terraço de casa. “Pensei: vou usar as andorinhas, estavam meio na moda. Uns gostavam, outros não”, relembra. Matos criou uma andorinha estilizada em três variações — duas delas foram premiadas, uma virou marca registrada. No desenho vencedor, duas andorinhas escuras ladeiam uma clara, formando uma imagem subliminar que até hoje intriga e encanta.

As figuras foram inseridas no tradicional petit pavê do calçadão, inaugurado em 8 de outubro daquele ano. Por algum tempo, outras calçadas do centro também receberam os desenhos. Mas a terra vermelha da cidade logo passou a manchar as pedras, prejudicando o aspecto e a acessibilidade. Em 2014, o calçamento original foi retirado — junto com as andorinhas — por decisão da gestão da época. Restaram apenas alguns trechos preservados como testemunho daquele tempo.

Curiosamente, logo após a inauguração do calçadão, as andorinhas deixaram de visitar Campo Mourão com a mesma intensidade. O sumiço virou motivo de piada: “Não gostaram de ver a caricatura delas no chão”, diziam.

Bernardo Matos, vencedor do concurso realizado para a escolha do desenho. Suas duas propostas foram vencedores. Na foto, Bernardo é cumprimentado pelo prefeito Augustinho Vecchi, ao seu lado, o vice Elmo Linhares e a presidente da Fundação Cultural, Regina Gaertner

Símbolo que voa até na política

Nem a política escapou do simbolismo. Na campanha de 1988, Augustinho Vecchi usou uma paródia da música Andorinhas, do Trio Parada Dura, para anunciar seu retorno à prefeitura. Na voz da dupla Tajobá e Santina, a canção dizia que, assim como as aves, o ex-prefeito também estava voltando. A música virou jingle e até hoje é lembrada por eleitores mais antigos.

Durante seu mandato, as andorinhas se tornaram também o emblema da campanha “Sou Campo Mourão de Coração”. Uma identidade que marcou a história da cidade e que atravessou gerações.

Hoje, quatro décadas depois da chegada dessas ilustres visitantes, Campo Mourão ainda carrega o legado das andorinhas. Seja na memória, nas canções ou em pedaços do calçadão que resistiram ao tempo, o símbolo permanece. Um lembrete de que, às vezes, basta olhar para o céu — ou para o chão — para entender o que une uma cidade à sua história.

Único trecho que foi preservado na frente do Museu local

Colaboração Jair Elias