Valério precisava de um transplante. Mas acabou sendo o doador
No último dia 3, a Santa Casa de Campo Mourão realizou uma doação de múltiplos órgãos, fato considerado raro, segundo a instituição. O doador foi Valério Barreto, um trabalhador de 38 anos, morador local, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). A nobreza de seu gesto, ao mesmo tempo em que soprou esperanças a outras pessoas, foi de encontro ao que ele também necessitava: um transplante de rim e pâncreas. Valério tinha diabetes tipo 1 e era paciente renal crônico, dialisando desde 2020. Era o terceiro na fila de espera junto ao Cadastro Nacional de Órgãos. Doou fígado e pulmões. Uma contradição da vida: ele precisava de uma doação, mas acabou sendo o doador.
“A importância da doação de órgãos é imensurável, pois representa um ato de amor e solidariedade que pode salvar e melhorar drasticamente a qualidade de vida de muitas pessoas, oferecendo uma segunda chance para quem aguarda um transplante. Um único doador pode salvar até 10 vidas, dependendo dos órgãos e tecidos doados”, ressaltou Solange Satsue Nakagawa Prado, Gerente Assistencial da Santa Casa. Segundo ela, os pulmões foram transplantados em um paciente do Rio Grande do Sul. Já o fígado, a uma pessoa de Curitiba.
Solange conta que o hospital já foi referência na captação de órgãos na região e no estado. “Infelizmente hoje, doações ocorrem uma a cada semestre. E olhe lá”, disse. Ela explica que Valério adentrou à Santa Casa no dia 27 de junho, vítima de AVC, evoluiu mal, sendo identificado no cadastro como um doador.
Valério
Alexandre da Silva trabalhou ao lado de Valério num restaurante por seis anos. Segundo ele, o amigo sempre foi de uma prosa boa e trabalhava ultimamente para poder aumentar a renda. “Por vezes ele não se sentia bem. Então se sentava, tomava água e retornava ao trabalho. Ele precisava trabalhar”, disse. E mesmo abatido diante do diabetes e dos problemas do rim, buscava não demonstrar o que vinha enfrentando. “Era uma pessoa maravilhosa, fiel a Deus. Vai deixar saudades”, revelou.
Isabelly Barreto, sobrinha e amiga de Valério, disse ter crescido com o tio. A proximidade entre os dois os tornou companheiros de uma vida. “Devido à preocupação com a saúde dele, morávamos perto. Era uma pessoa muito legal. Corintiano roxo. Tinha uma cabeça jovem, com muito bom humor, fazendo piadas de tudo”, lembrou ela.
Para Isabelly, o tio era um guerreiro, um batalhador. Trabalhou a vida toda, até o seu limite, mesmo passando mal, por vezes, no serviço. “Era muito alto astral, positivo. Não reclamava de nada. Quando a sua vez avançava na fila de espera do transplante fazia prints e me mandava. Ele tinha esperança em receber o rim. Mas o tempo não o ajudou”, disse.

Thiago Barreto, irmão de Valério, conta que ele havia se divorciado há mais de dez anos. Do casamento teve uma filha, hoje com 17 anos. Trabalhava como freelancer de garçom e, devido à hemodiálise, estava “encostado” pelo INSS. “Fazia os free pra complementar a renda do que faltava a ele”, disse.
Sobre a doação, Thiago revelou que poder ajudar a salvar vidas foi o que motivou a família. “Assim como ele esperava por uma doação pra mudar a vida dele, eu, meu irmão mais novo e minha sobrinha, juntos, em acordo, decidimos fazer a doação. Acreditamos que se ele pudesse falar algo, diria que era a favor também”, explicou.
Thiago diz acreditar que a vida das pessoas que receberam os órgãos do irmão irá mudar totalmente. “Valério até na sua partida mudou muitas pessoas. Com todos os seus problemas de saúde, ninguém esperava que conseguisse ser doador. Mas, do improvável, saiu a vida”. De acordo com informações repassadas a Thiago, os transplantes foram bem-sucedidos. Os transplantados estão evoluindo bem.
Maria Eduarda, a filha
Maria Eduarda, filha de Valério, revela um pai sempre preocupado com as pessoas à sua volta. “Não é à toa que ele tinha tantos amigos. Ele sempre foi muito animado, conversador e carismático. Não tinha um dia que eu saía com ele que ele não cumprimentasse alguém a cada quadra”, lembra ela.
“Duda”, como é conhecida, acredita que o pai começou a pensar na doação a partir do momento que iniciou os tratamentos. “Querendo ou não é muito difícil você pensar na sua própria morte, ainda mais na doação dos seus órgãos”, explicou. Ela disse que os dois buscavam não falar sobre o assunto, porque querendo ou não, seriam sentimentos de dor.
“No caso do transplante que ele esperava, teria que ser de um doador morto. Então ele sabia que por trás da felicidade dele, de um órgão saudável, haveria uma pessoa que teria que doar. A gente sabia do risco da doença dele. Então como alguém precisava de um transplante, caso acontecesse algo antes, ele estava disposto a doar os órgãos dele”.
Segundo ela, pensar na doação que o pai fez tem a ajudado bastante nesses dias de luto. “Meu pai sempre foi um super pai. Foi um pai presente. Me ajudava em tudo e não passava um dia sem me ver. É difícil estar sem ele agora. Mas pensar que do outro lado da moeda tem uma filha, um filho, um marido ou uma esposa felizes, me enche de felicidade. Ou pelo menos me ajuda a consolar essa dor”.
Transplantados
Lucas Clanes Gasparoto nasceu no Hospital São Paulo, na capital paulista, com cinco meses e duas semanas, pesando 326 gramas. Veio ao mundo na mesma placenta com o irmão. Com um ano, foi diagnosticado com uma válvula do coração entupida, além da má formação do órgão. Sabendo disso, a família sempre buscou acompanhamento.
Mas dos 17 aos 18 anos, começou a ter problemas cardíacos sérios, sendo apontada a necessidade de um transplante. Em dezembro de 2018, recebeu válvulas e parte do músculo do coração.
Hoje, aos 22 anos, ele trabalha no setor de TI da Santa Casa de Campo Mourão. “Hoje em dia tenho uma vida normal. Só não posso pegar peso devido ao corte do osso. Mas graças a Deus hoje está tudo bem. Doar órgãos é um ato de coragem e solidariedade. Um único doador pode salvar até 8 vidas. É a chance de transformar a dor da perda em esperança pra quem está lutando pra viver. No fim, é deixar um legado de respeito, força e humanidade”, disse ele.
Roberto Bukowski mora em Farol. Apesar do sobrenome, não é escritor — como Charles Bukowski —, mas sim agricultor e avicultor. Paciente renal crônico, após infinitas sessões de diálise, em 2017 recebeu um rim. “É muito gratificante ter recebido de alguém um órgão tão importante. Para mim, a minha qualidade de vida mudou muito pra melhor. Eu digo que quem pode ser doador, que seja. Porque um doador de órgãos salva vidas”, disse.
Hoje o agricultor vive uma vida normal. Para isso, continua tomando remédios todos os dias para evitar a rejeição do órgão. “Sem o transplante pode ser que eu não estivesse mais aqui. Mas sem ele, certamente estaria vivendo através da hemodiálise. A doação de outra pessoa, definitivamente, salvou minha vida”.
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Doações de órgãos
No Brasil, o dia 27 de setembro marca a passagem do Dia Nacional de Doação de Órgãos. A data foi criada para conscientizar a população de todo o país sobre a importância de ser doador e o impacto que esse ato de amor e generosidade pode trazer para a vida de várias pessoas. Até 2024, cerca de 60 mil pessoas seguiam na fila de transplantes.
No Brasil, para ser doador de órgãos é fundamental que você converse com sua família e manifeste a sua vontade de se tornar doador. Essa conversa é essencial pois, para os brasileiros, a doação só acontece com autorização da família. Ou seja, mesmo que você seja doador, se sua família não souber da sua vontade, ela pode não autorizar a doação.
Converse, abra esse diálogo tão importante entre seus amigos e familiares para que a sua vontade seja respeitada.
É possível doar rim, fígado, coração, pâncreas, pulmão, córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical. Infelizmente, grande parte das famílias recusa a doação, o que aumenta ainda mais o tempo de espera por um transplante.
Tipos de doador:
Doador vivo: qualquer pessoa que concorde com a doação, desde que o ato não prejudique sua saúde. Pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Parentes até quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Pessoas que não são parentes podem doar somente com autorização judicial.
Doador falecido: paciente com morte encefálica, geralmente vítima de traumatismo craniano ou derrame cerebral. É necessária a autorização da família para que a doação seja realizada.

