Advogados pela primeira vez

 Todos somos iguais perante a lei, mas não perante

os encarregados de fazê-la cumprir”

Anônimo

            Pertences fazem parte da história, simbolizam acontecimentos. Ao se desfazer deles, o que fica é a memória dos fatos. Há poucas semanas vendi o veículo ômega, e, ao entregá-lo, veio à lembrança um episódio marcante. Antes de ser meu, o carro pertencia ao Ricardo Borges Botaro, conhecido apresentador de rádio e tevê na nossa cidade.

            Quando o carro ainda pertencia ao Ricardo, nós fomos à Curitiba prestarmos juramento devido à aprovação no temido Exame de Ordem. Na solenidade recebemos o número da nossa inscrição na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. Vale ressaltar, para aqueles que não saibam, ao se formar em Direito a pessoa de imediato tem somente o diploma do curso superior, bacharel. São indispensáveis a aprovação na mencionada prova e o juramento para exercer a profissão de advogado.

            Lá na capital, pouco antes do evento, a emoção tomava conta através das reminiscências, a nossa trajetória para concluir os estudos, anos de estrada, noites e madrugadas longas longe da família e muita convivência traduzida em amizades. Comento com o Ricardo, daqui a pouco seremos realmente advogados, enfatizei indagando: Como e quando será a primeira vez em que diremos para alguém que perguntará o que somos? E diremos: ‘eu sou advogado’.

            Terminada a solenidade, iniciamos a volta para Campo Mourão. A viagem é tranquila, vínhamos animadamente proseando diversos assuntos até que o Ricardo – que dirigia o ômega dele e que eu jamais imaginaria comprar – fica sério e preocupado. Embora não desenvolvesse alta velocidade, ele diminui bastante, quando eu lhe pergunto o motivo da grande preocupação, Ricardo me responde:

– Acho que tem uma viatura policial seguindo a gente! Por vários quilômetros eles acompanham nosso carro, já poderiam ter ultrapassado, chegam bem perto, mas continuam atrás!

            Cerca de 20 quilômetros antes de Guarapuava os policiais sinalizam  para que parássemos, o Ricardo estaciona o carro enquanto imediatamente à nossa frente a viatura encosta com sirene e giroflex ligados:

– Mãos para o alto, na cabeça, os dois!

            Quatro homens com armas em punho ordenam a abertura do porta-malas e exigem documentos, verificam tudo atentamente, sempre em posição belicosa, de combate.

            Mesmo com a nossa consciência tranquila, qualquer esboço de reação indevida seria pior para nós, apesar do abuso da autoridade policial. Pernas abertas, mãos na cabeça, o comandante da operação pergunta o que fazíamos da vida.

            Quase em coro, o Ricardo e eu respondemos: Somos advogados.

            Era a nossa primeira vez, inesquecível. Tínhamos combinado, iríamos contar um para o outro como seria a primeira vez em que alguém indagaria sobre a nossa profissão, sem imaginar que estaríamos juntos, numa mesma e delicada situação.

            Após tudo resolvido, procuramos saber naquela hora os motivos da abordagem. Eles disseram que a placa do ômega começa com a letra K, incomum naquela região e no Paraná, levando a suspeita de ser carro roubado e a caminho do Paraguai. Nós dois bem vestidos de terno, ainda que os paletós estivessem no porta-malas, tínhamos aparência bem apessoada para não levantar suspeita, o que não enganaria a esperta Polícia.

            Tanto o Ricardo quanto eu certamente responderemos muitas vezes -advogados – e esperamos jamais ter que estar com as mãos na cabeça.

 

Fases de Fazer Frases (I)

No concerto o homem conserta com acerto.

 

Fases de Fazer Frases (II)

Não posso desejar mais do que sou, se não sou nada do que desejo.

 

Olhos, Vistos do Cotidiano

            Nem sempre se percebe a cacofonia – encontro ou repetição de sons desagradáveis ao ouvido. Na tevê, jogo de vôlei entre Brasil e Cuba, o narrador disse Cuba lança a bola. Seria preciso informar o que balança?

 

Reminiscências em Preto e Branco

            Último 25 foi o dia do sapateiro, profissão praticamente extinta. Havia sapateiros que vendiam o que fabricavam. Hoje há poucos profissionais, ainda assim a fazer pequenos consertos, trabalho escasso e diluído dado ao predomínio dos calçados fabricados em série e em alta escala.