Guarda noturno, taciturno
Guardo um patrimônio que jamais terei. Arrisco a minha vida.
Ela que não vale nada, valerá menos ainda se for dada
para salvar o que tenho que vigiar e proteger.
Estive Nólocal (b.d.C.)
Tinha um robusto e pesado molho de chaves. Ele seguia uma sequência de verificação que consistia eu trancar ou constatar que todas as portas estariam devidamente trancadas. Fazia meticulosamente. O guarda era metódico, punha a mão na maçaneta e logo via se era necessário colocar a chave e girar. Jamais errou ao colocar a chave, era sempre a certa.
Escritório, instalações, equipamentos, documentos, tudo a ele fora dito tratar-se de grande valor, um imenso patrimônio. Durante os anos de trabalho, nada de anormal ocorrera. Nada.
Nada. O vazio em si, preenchido pelo tédio, levou o guarda a planejar a simulação de algum arrombamento e o confronto do meliante com o próprio guarda que, claro, venceria. Ele queria ser reconhecido, ser herói, pois supunha que ninguém dava valor a todos os cuidados que tinha, um trabalho de rotina, porém desempenhado com primor.
Arrombou uma porta, derrubou alguns produtos da prateleira e depois se feriu cortando um dos braços para parecer que tinha travado uma luta corporal e logicamente vencido, salvando todo o patrimônio, embora o assaltando tenha conseguido escapar.
Posto em prática o plano, acionou o alarme e avisou a Polícia. Ela veio, ele contou a história. Dias depois ele foi à delegacia para verificar se dos assaltantes e demais bandidos presos naqueles dias, seria algum deles o que ele enfrentou. Não reconheceu ninguém. Nem poderia.
Mandaram para o psiquiatra. Talvez fosse o cansaço, pois nada fora constatado que levasse a conclusão do caso. Quem sabe ele teria dormido e depois alguma outra coisa teria derrubado produtos da prateleira e o machucado fosse algum animal.
Temendo tudo que criara e sem querer confessar o que causara, toma a medida drástica. Numa outra madrugada, após verificar todas as chaves e portas e constatar que tudo estava correto, ele então comete o suicídio. Não deixa bilhete.
Foi enterrado com um simples funcionário. Pouca gente da própria empresa foi ao velório e enterro, pois todos tinham muito que fazer. Soube-se apenas que as portas viviam se abrindo ou trancando-se sozinho e era sempre difícil encontrar o molho de chaves.
Frases de Fazer Frases (I)
Não roube o tempo de alguém, pois jamais poderá devolvê-lo.
Frases de Fazer Frases (II)
Quando lhe roubarem o tempo, não perca tempo tentando reavê-lo, perceba que nem tudo lhe foi roubado.
Fases de Fazer Frases (III)
Pouco se dá valor para o tempo herdado. Já o tempo conquistado é valor por si só.
Fases de Fazer Frases (IV)
Tempo perdido pode não fazer falta, posto que se perdesse aquilo que sequer foi usado nem ao menos pela falta.
Olhos, Vistos do Cotidiano
Os espaços permitidos pela legislação já foram tomados por muitos candidatos em campanha, através dos seus cabos eleitorais. E, tão importante quanto o sorriso produzido como belíssima peça publicitária (algumas visivelmente retocadas, repaginadas) determinados candidatos estão tendo que sorrir ou serem lembrados que devem sorrir para serem simpáticos ao pedirem votos ou no contato com a população. E tem mudanças tentadas que não se resolvem apenas com um belo trabalho profissional de um excelente dentista. O eleitor é que pode ficar de boca aberta.
Reminiscências em Preto e Branco (I)
Mais do que respeitar a dor do luto, ela sabia ser solidária, ora com o silêncio aparador, noutros momentos com providências e gestos expressos correspondentes ao sentimento da maior tristeza, a perda definitiva. Ainda que fosse o seu ofício, o de Administrar o Cemitério São Judas Tadeu de Campo Mourão, que, aliás, desempenhava com desvelo e singular dedicação, realizava o seu ofício com o sentimento humano que se somava aos que ali traziam consigo entes queridos para a derradeira despedida.
Ao longo do tempo administrando o mencionado campo santo, tinha uma memória sobre quadras, túmulos, enfim localizações que processava rapidamente, indicando ou levando pessoas diretamente aos jazigos que procuravam. E pensar que, há mais de 25 anos designaram tal colocação como profissional servidora pública com o propósito de persegui-la funcionalmente, houve até que zombasse à época, que deveria sempre trabalhar de madrugada, pra ter medo e pedir as contas. Entretanto, correta e aplicada em tudo que realizava, encarou o desafio e passou a referência mais importante na condução dos serviços do cemitério.
Aposentada após longos serviços desempenhados exemplarmente, ela é agora saudade. Sônia Maria Silvestrin, 54 anos, desampara familiares, colegas de trabalho e um vastíssimo rol de amigos, e, entre tantas outras lembranças altamente positivas e notáveis, destacam-se a serenidade, o modo com tratava a todos com dignidade, devoção e cooperação.
Reminiscências em Preto e Branco (II)
Quando os rios secam somente a partir dessa constatação é que nos damos conta que tudo ao redor de há muito se exauriu, que sabe apenas a gota da esperança evaporada para alhures.
