Miolo de boi, pé de galinha…

A comida costuma faltar ou sobrar por motivos alheios ao apetite.

Carlos Drummond de Andrade

   Se o homem é o que ele come, então faz sentido supor que o homem não é quando não come? Conversar sobre comida é diálogo saboroso e dá mais água na boca quando é hora de uma refeição. Outro ditado, o melhor tempero é a fome, se refere a necessidade de comer, e o que tiver ao alcance será degustado.

            A culinária é parte das mais importantes da cultura de um país ou de determinado grupo étnico, símbolo dos mais destacados. Evidentemente será exótico e estranho e até mesmo causa repulsa ou nojo, quando se observa um prato sob a ótica não da cultura dele, mas de outrem.

            Até aqui o texto de hoje lembra o aperitivo, comes e bebes que vêm antes do prato principal, no caso o tema central propriamente dito, aliás, dito a partir do que segue, bem caseiro.

            O meu pai Eloy Maciel, de saudosa memória, apreciava pratos que jamais me causaram água na boca, sequer uma gotinha. Pelo contrário, eu disfarçava para não demonstrar o quanto me desagradava. Evidentemente por educação, que não poderia faltar, seria uma desfeita, então eu respeitava e pronto.

            Miolo de gado, o próprio aspecto daquela comida me fazia perder a fome, ao menos do chamado cérebro de algum boi. Tinha dias que a refeição era galinha, inteira! A referida ave, assada ou ao molho, não se dispensava os pés e a cabeça, duas partes que nem precisava o meu pai pedir, só ele mesmo iria comer. Outro detalhe, o olho da penosa era parte da iguaria. Bem se sabe atualmente ser raro os açougues venderem tais partes, ou seja o frango vem sem a cabeça, pés, moela. Encontra-se à venda separado. E tem gente que compra, não sendo comum, mas tem quem seja como foi o meu pai. Agora quando escrevo, vem à lembrança um convite que não aceitei, mesmo a pessoa tendo insistido, aleguei compromissos inadiáveis para não me fazer presente, se foi uma desfeita, desfeita maior seria comparecer e não apreciar o prato que seria servido: sopa de pé de galinha! Só de pensar, parece que a minha sensação é a de ter engolido um par de algemas, o meu estômago fica preso; ou papel com barbante, o mesmo estômago fica embrulhado.

            Cabeça de leitão, também com o olho sendo digerido, o meu pai se deliciava. Pela manhã, no café, adorava uma broa e colocava como recheio o que estivesse na geladeira, frio mesmo.

            Para tudo tem uma explicação, à época eu nem tinha algum senso crítico para compreender, mas o fato é que tem a ver com a origem do meu pai, da roça, dos tempos em que não existia luz elétrica, a geladeira era artigo de luxo e a comida no meio rural consistia em aproveitar tudo. O seu Eloy bem retratava a vida de menino e moço originário da paranaense Mallet.

            Da minha parte nem tudo era considerar estranho. Herdei dele gostar de rabada, com polenta e muito molho, prato que não chega a ser popular, ao menos nas cidades. Outro prato tido como exótico mas que tem uma legião de apreciadores é o bucho, também conhecido como dobradinha.

            Talvez o texto de hoje tenha causado mais uma vontade de NÃO comer do que apreciar algo parecido. As reminiscências de hoje, em pleno mês de outubro e mais precisamente o dia 25, é a data de nascimento do meu pai, e eu bem que gostaria de tê-lo à mesa, a apreciar tais pratos, no meu caso, a apreciar ele a comê-los e eu a olhá-los, somente.

 

Fases de Fazer Frases (I)

            Se hoje restar a espera do amanhã, veja se o ontem valeu a pena. 

 

Fases de Fazer Frases (II)

            Dado de graça, um conselho pode se tornar muito caro quando não levado em conta.

 

Olhos, Vistos do Cotidiano (I)

            Casas germinadas para alugar, informava um anúncio há tempos publicado na Tribuna.          Um descuido da revisão e, no caso de se ter digitado a palavra, a auto-correção não aponta o erro, posto que existem as palavras: geminadas e germinadas. Geminadas, sem o       vem de gêmeos, ou seja, se tratando de duas casas iguais. Portanto, germinadas está errada, pois as casas não estariam brotando ou preste a brotarem.  

 

Olhos, Vistos do Cotidiano (II)

            A professora Vilma Radke é leitora assídua da Coluna e escreveu recentemente para comentar sobre o texto intitulado O livro que jamais li. Ela informou que passou por situação semelhante a que foi relatada, ou seja, não compreender adequadamente o conteúdo. A professora sempre acompanha esta Coluna, e o escrevinhador registra o fato com enorme satisfação, agradecendo também.

 

Reminiscências em Preto e Branco

            Como o tema principal da Coluna hoje é os estranhos pratos apreciados pelo meu pai, tem uma situação que certamente hei de sempre me lembrar. Jamais gostei de fígado! Só de lembrar o fígado cru, a viva cor do sangue do bovino eu me mantinha longe dele. Mas acontece que o meu pai gostava e tal prato fazia parte do cardápio. No dia que tinha fígado eu não reclamava de nada, mas também não comia. E não estava sozinho naquela recusa, o meu irmão Eloy Filho, também de saudosa memória, nem queria ouvir falar (era surdo e mudo!). A minha mãe Elza, lá do céu há de se lembrar, ela dava um jeito e fritava outros bifes para nós dois irmãos. O meu pai falava ser capricho, frescura e que nós deveríamos comer igual a todo mundo. Ficávamos quietos e comíamos bisteca, mas nada de fígado. E, salvo melhor juízo, mesmo supondo que tenha muita gente que coma, posso supor que não seja o fígado tão popular assim. Mas quem discordar, pode me informar que faço a ressalva.