Tia Anna, cheia de graça

Não podemos escolher como vamos morrer. Ou quando. Podemos somente decidir como vamos viver

Joan Baez

 

            Viver intensamente os encontros e reencontros da vida a cada momento, talvez seja uma tentativa ou condição de indiretamente se preparar ante a definitiva despedida. Um  gesto simples é capaz de evidenciar afetos e será o somatório deles capaz de unir a todos na dolorosa partida, expressos o choro incontido a servir de acolhimento.   

            Miudinha, magra e esguia, em um primeiro lampejo poderia enganar a qualquer um com a aparência física. Na verdade foi sempre mulher de fibra, garra, fé, determinada, audaz. Era católica do terço em oração, de se fazer presente nos templos religiosos, sem deixar de agir em favor do próximo que necessitava, era permanentemente uma pessoa de braços e coração abertos para auxiliar os carecessem de auxílio, como era também a voz eloquente a enaltecer quem merecesse elogio.

            Embora nascida em Santa Catarina e tendo passado a infância em Água Clara e Ponta Grossa, um dia ela com o marido Dinô, (de saudosa memória, desde 2000) aportaram em Maringá, quando aquela cidade era apenas uma promessa de futuro, a década de cinquenta engatinhava. Se tornaram pioneiros, desbravaram, com os sonhos em mente, o trabalho árduo, incansável e honesto, criaram os filhos: Erácleo, Tessália, Isis, Eros, Eder e Celoy, que lhes presentearam netos e bisnetos.

            Ir para Maringá era uma aventura sempre agradável, o destino significava chegar na casa da tia Ani, ou tia Anna. Era uma festa só, a atenção, o humor, a tia das horas boas, apreciadora de causos, da boa música, a que sabia promover festa, sempre para celebrar algum fato importante ou mesmo para o encontro fraternal que ela soube bem cultivar e prestigiar, a celebração à vida. De meninos, os meus irmãos com os primos, crescemos convivendo num ambiente de irmandade, tão bem espelhado entre ela, irmã do meu saudoso pai, enfim éramos primos com tios que nos entrelaçavam com afeto.

            Crescidos, fomos lá para participar de uma grande festa a marcar os 80 anos de vida. Família reunida, fui um dos escalados a falar, o coração me fez dizer o quanto ela sempre fora a tia querida, maravilhosamente e que bem merecia aquela homenagem. Não foi a última vez que nos encontramos. Reunidos para o enterro de outra tia, a Albarina. Lá a tia Ani procurava consolar a todos, uma forma de ser conformar. Naquele momento fúnebre lembrei a ela que estávamos todos  por uma condição inelutável, e rememorei os momentos finais da morte do meu pai, depois a da minha mãe e entre eles a do irmão Eloyzinho, que tanto ela estimava. Naquela ocasião, a senhora compareceu com os seus filhos, solidária, com a fé, com o respaldo que tanto precisamos.

            A tristeza toma conta e busco abrigo na alegria entusiasmada a ponto de não ser contida daqueles tempos de congraçamento, da senhora a ser, com o semblante brincalhona, e, se fosse preciso, também sabia corrigir, puxar a orelha, mas sempre ao lado dos seus.

            O nome de Anna vem do hebraico e significa cheia de graça, a graça que perdemos no cotidiano que se torna inesquecível na graça que damos, graças por ela ter existido. Foram 83 anos de uma vida dedicada aos filhos, ao labor, a ser sempre fraternal. Transformada em saudade, a sua luz brilha na constelação de um universo que representa o infinito,  sensação que tínhamos quando sobrinhos e crianças, quando a considerar que a senhora, como nossos pais e outros tios, eram para sempre, infinitos quanto à presença terrena, e que, tornados adultos, a cronologia implacável dos ponteiros e o amadurecimento voltado para a realidade, mostram quanto é bela a vida, assim como quão ela é traz no seu bojo o fim inelutável, sem que desapareçam os grandes exemplos, guia a nos apontar nos caminhantes que devem prosseguir, de sejam bons ou sombrios os rumos.  

Fases de Fazer Frases

            Para ouvir bem um conselho é preciso acreditar que ele possa valer.       

Olhos, Vistos do Cotidiano

            Ao nos dirigirmos para o velório da tia Anna (tema principal da Coluna de hoje) o GPS não informava corretamente. Eu dirigia o carro na companhia do meu tio Neno (Brizola), o irmão Enio e o sobrinho Júlio. Enio pediu ao motorista de uma kombi orientação para chegarmos ao cemitério de Maringá. E só me seguir e eu indico o caminho.

            O que ele fez é digno de registro. Em determinado momento ao fechar o sinal da avenida ele saltou do carro e veio até nós para informar que é só seguir em frente. Quase nem deu tempo de agradecê-lo, o sinal abriria novamente. Grande camaradagem a dele!  

Reminiscências em Preto e Branco

            Lembrar, quando dói, só resta dizer: chega por hoje.