Transpareceres, Campo Mourão

[…]… você olha meu rosto se desfazendo do meu aceno a esta cidade, 

lance as linhas da correspondência, deixe as distâncias 

 da quilometragem do carro e esqueça qualquer tamanho 

 ou medida essas marcas – de quem serão? 

Anita Costa Malufe 

 

 

            Transparecer é o avistar de algo; é mostrar-se em parte; é também revelar-se.

            Os 64 anos de emancipação política e administrativa de Campo Mourão transparecem todos os anos, tempos e têmperas.

            Nossos campos extensos são verdes, pelas plantações transparecem o outro verde, das matas então densas, inóspitas.

            Construções de concreto armado, casas e edifícios transparecem a alvenaria de tijolos de cerâmica das olarias, assim como nas madeiras nobres e nas casas toscas.

            Vias longas pavimentadas de intenso tráfego de gente e de automóveis potentes, belos ou simples, humildes, transparecem jeep’s e aero-willys’s, carroças e carroções de bois, montarias e expedições desbravando a pé o chão, linhas e estradas vicinais inicialmente carreadores, estreitas passagens. Poucas e reduzidas vias, ruelas de chão batido, tudo se avistava num curto olhar.

            Buzina, sirenes, ronco de máquinas de transportes e fabris transparecem o coaxar dos sapos, canto dos pássaros, mugido do gado, relinchar dos cavalos, cacarejo das aves, todos eles habitantes próximos para não dizer juntos. Sons de assoalhos estralando, balanço dos ventos nas árvores.

            Trabalhadores, mulheres e homens de macacões, capacetes, proteção nos olhos, ouvidos, acionando máquinas movimentando engrenagens para o fabrico e distribuição de produtos, neles transparecem a enxada, martelo, botas, camisas grossas, a rusticidade e a indômita vontade para conquistar e vencer respectivamente sonhos realizados e desafios então descortinados nas agruras do sertão, onde o perto era sempre tão longe, léguas, meses.

            A elegância ou a simplicidade de vestir saias e calças, roupas de marcas, grife, logotipos, transparecem as roupas engomadas, sapatos de couro costurados pelo artesão, chapéus, camisetas e anáguas por debaixo de pesadas roupas.

            A água encanada de hoje nela transparece a água fria e límpida das fontes naturais dos primeiros pousos para o descanso, quando se agachava para bebê-la ao som do borbulhar do jorro. Mãos calejadas lavadas e que tiravam o suor a pingar do rosto, gotas arrefecidas pela brisa dos ares e das águas puras.

            Das modernas instituições de ensino hoje superiores, instaladas em amplas e modernas instalações, transparecem as carinhosamente chamadas escolinhas muiltiseriadas, uniformes, cartilha e grossos livros, cadernos de caligrafia, educandários de madeira tais como os antigos Marechal Rondon, Estadual e o Cristo Rei.

            O majestoso Teatro Municipal, os centros de eventos, locais de reunião e espetáculo a pulsarem a fabulosa cultura dos palcos e de todas as demais expressões, com luzes e cenários a transparecerem as quermesses, a roda de viola e sanfona, o baile na roça a reunir festivamente todas as comunidades.

            Nas praças esportivas presentes em todos os cantos da cidade, a prática do desporto a envolver todas as modalidades e idades, transparecem o campo de futebol, a corrida de cavalos nos descampados, atrações domingueiras de famílias inteiras.

            Nos sinos dos templos imensos transparecem as capelas no centro de tudo, postas no lugar mais alto, da fé humilde e rica de uma religiosidade a pautar costumes, cruzes para tanger a proximidade do céu, da fé a passar pelas ruelas em procissão, ou no cortejo fúnebre quando os mortos eram todos conhecidos e ainda se não o fossem se tirava o chapéu, baixavam-se as portas do comércio, se fazia silêncio, sinais de respeito e reverência, o luto era trajado pelo preto.

            Internet, parafernália de telefones móveis, fixos, emissoras de tevê e rádio, tudo ao alcance, instantâneo, nítido, transparecem o aviso do boca em boca, do alto-falante e nos microfones da nossa primeira emissora, a Colméia. Transparecem o menino a correr para chamar à parteira ou avisar que o filho da dona Sebastiana nasceu, passa bem, graças a Deus! Das cartas chegadas pelos Correios, dos rádios amadores, tudo era um chiado que dava vida aquele fim de mundo que não era mais o fim de tudo.

            Das autoridades governamentais, locais ou de outros níveis, a falar hoje na grande mídia, transparecem os comícios, o aperto de mão em mão, contato direto com o compadre ou o amigo dele, a prosa com a rogação de voto, o santinho entregue, cartaz na parede dos candidatos, nas promessas de outrora hoje apelidadas de compromissos de campanha.

            No rosto das crianças de agora, dos adolescentes e jovens, dos maduros e idosos, transparecem nas faces os semblantes de todas as gerações antepassadas sempre presentes pelos empreendedores primeiros passos que permitem o cuidar e o fazer brotar sonhos esperanças, projetos, desafios, conquistas maiúsculas advindas do labor do campo e da cidade, do Campo Mourão se edificando no espaço e no tempo, do modo de ser de todo o mourãoense, que antes de abrir os braços, abre o coração, antes de principiar o colher, acolhe pelo sentimento vívido da amizade fraternal pelas ideias, solidária pelas ações, 64 anos.

 

Fases de Fazer Frases 

            Quando o olhar não alcançar, o sonho vai alçar.

Olhos, Vistos do  Cotidiano

 

            Quantas bandeiras se via, na via de nome Bandeira?

Reminiscências em Preto e Branco

 

            Aonde vai nossa História? Ela passa, mas não fica no passado.