(Um) (a)abraço

“As maiores almas são tanto capazes dos maiores vícios como das maiores virtudes”.
René Descartes

Exausto por ter dirigido o dia todo e mais uma parte da noite, muitas horas enfrentado a poeira seca, o vendedor, ao avistar um antigo hotel à beira da estrada, não teve dúvidas, queria uma cama para descansar depois de um bom banho.

Lamento informar, senhor, todos os quartos estão ocupados, disse a mulher da recepção e proprietária do hotel, uma senhora idosa.

O vendedor insistiu, relatando como foi o dia dele. A senhora lamentou não poder hospedá-lo, foi quando o menino, ajudante geral do hotel, disse que o vendedor poderia ficar em um quarto que já tinha um hóspede, pois tinha uma cama vaga. Sensibilizada pelo cansaço, ela pede ao menino que vá indagar ao hóspede. O menino retorna e informa não ter conseguido acordar o homem, de jeito nenhum! Tocou, mexeu com ele, mas nada o despertava.

O vendedor foi conduzido ao o quarto. Ele só olhou o outro hóspede, desejando não acordá-lo. O vendedor, em silêncio, tomou banho e logo deitou, exausto, dormiu.

Ao acordar, o vendedor olhou para o hóspede, que, com certeza, seria surpreendido ao vê-lo, se acordasse. Mas não. Ele continuava no sono profundo. O vendedor foi tomar café e depois retornou ao quarto. Escovou os dentes, pegou a mala, pagou o hotel e começou a preparar o dia de trabalho.

Ao saber que o homem não acordava, o menino resolveu sacudi-lo, gritar. Mas  o homem parecia ter morrido, cogitou o funcionário do hotel. O menino saiu correndo  e falou para senhora que o homem não acordava e se assustou porque o homem não tinha o braço esquerdo.

A senhora chamou o delegado, ele veio imediata e velozmente, sirene ligada e tudo. Foi direto para o quarto. Constatou que o hóspede estava morto, rijo e não tinha o braço esquerdo. Enquanto isso o vendedor pagava a conta e já estava indo embora.

Alto lá, falou o delegado para o vendedor que já estava dentro do carro ligado e pronto para viajar. Muito desconfiado, o delegado disse, O senhor não pode ir embora, é o principal suspeito da morte do hóspede do mesmo quarto do senhor, e porque tanta pressa? O vendedor informou da situação de como chegou no quarto etc. Não adiantou. O delegado, após ouvir a senhora e o menino do hotel, verificar toda a cena do crime, pôs o vendedor na viatura e o levou para delegacia. Depois de  ouvir o depoimento do vendedor, resolveu o delegado prendê-lo, sob protestos do agora encarcerado.

O morto não portava documento algum. As delegacias foram avisadas. Passados três dias, o delegado não tinha uma informação sequer. O vendedor foi liberado, sob a condição de ter que comparecer na delegacia a qualquer momento.

Antes tiveram que enterrar o hóspede como indigente sem nome. E assim foi feito. Dias depois, uma mulher passou com frequência a levar flores no túmulo do hóspede sem nome. De tanto observar, o delegado resolveu indagá-la. Sem jeito, ela confessou que o homem tinha nome: Dubaldo Péricles Fernandes. Ela o conheceu quando ambos estiveram em uma unidade de saúde em outra cidade, aguardando atendimento, o que levou os dois a dialogarem enquanto aguardavam. Passaram a se corresponder por cartas. Ela aguardava a visita dele, que seria surpresa, ou seja, ele não avisaria. O delegado ouvia atentamente. Enfim, ela aguardava ansiosa a visita dele. Deve ter morrido do coração, ele me falou que tinha iniciado o tratamento devido a problemas coronários. E porque ele não tinha braço? Indaga o delegado. Foi um acidente de carro, disse ela.

Como trajava um paletó, no hotel ninguém tinha observado a falta do braço esquerdo, e ele dormia bem junto da parede, de tal maneira que não aparecia a falta do braço, o que também declarou o vendedor em outro momento.

O delegado avisou o vendedor que o caso estava encerrado.

Foi posto o nome do agora Ubaldo, no túmulo, pela mulher, que observou, o jazigo era bem estreito, parecendo que, por não ter um braço, a cova e o túmulo eram menores. Ele foi enterrado com os sapatos doados pelo vendedor, companheiro de quarto.

A moça, uma espécie de viúva do hóspede, não deixava de levar flores para o Dubaldo. Era um segredo dela, no sentido da expectativa sentimental e, a pedido da mulher, o delegado concordou em manter a situação em sigilo.

Fases de Fazer Frases (I)

Não confundamos: salada com cilada nem sê-lo com celo.

Fases de Fazer Frases (II)

Inimigos fazem parte da vida, mas eles não podem tê-la inteiramente.

Olhos, Vistos do Cotidiano

Jair Bolsonaro é o quarto presidente a ser preso, ele se junta a outros três, Lula, Michel Temer e Fernando Collor, no período de sete anos, considerando o tempo da redemocratização. Triste registro. Constatação.

Farpas e Ferpas (I)

Que diz ter visto de tudo, precisa usar óculos.

Farpas e Ferpas (II)

Quem compra a verdade a torna mentira.

Sinal Amarelo (I)

Encorajar não é deixar de temer, mas enfrentar o que for preciso.

Sinal Amarelo (II)

No advertir não é bom se divertir.

Trecho e trecho

“A obra de arte não tem ideias, ela é uma ideia”. [Konrad Fiedler].

“O que você viveu ninguém rouba”. [Gabriel García Márquez].

Reminiscências em Preto e Branco – Dirce Wanderbrook, a professora

“Ausência física, ausência da voz e do cheiro, das risadas e do piscar de olhos, saudade da amizade que ficará na lembrança e em algumas fotos”.[Martha Medeiros].

Exercer verdadeiramente o Magistério é vocação, mas é também competência, dedicação, ideal de vida. Dirce Wanderbrook contribuiu enormemente para a educação, tendo lecionado em diversos estabelecimentos de ensino estaduais, médio e universitário. Deu enorme contribuição quando exerceu a Chefia do Núcleo Regional de Educação. Foi minha professora no Ensino Médio, então chamado de Segundo Grau. Ensinou, com exemplos positivos, muitas gerações. Destacou-se por ser incentivadora do movimento estudantil mourãoense. É agora saudade, despediu-se da vida aos 80 anos, dia 21 de novembro.

José Eugênio Maciel | [email protected]

* As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal