A pandemia e a virtude
Passados quatro meses do início da quarentena, estamos vivendo o auge de duas pandemias que se opõe e se atraem: a verdadeira, produto do coronavírus que nos ameaça de morte a cada respiro. E a imaginária, subproduto da nossa imaginação capaz de causar danos a nós mesmos. Elas são palco de todos os enredos de conversas e desculpa de todos os erros.
Aristóteles nos deixou a definição de virtude como o conjunto de qualidades essenciais que constituem o homem de bem, o que ele chamou de homem virtuoso. Para ele, a virtude está no meio e o vício, nos extremos.
Pelo legado de Aristóteles, permitimos que a pandemia nos tirasse a virtude, abrimos mão do ponto de equilíbrio para nos escravizar aos extremos. Na premissa aristotélica trocamos a virtude pelo vício.
A pandemia, em vez de nos unir no propósito de vencer o vírus ameaçador, nos dispersou em incontáveis grupos, cada um com ideias distintas que propagam soluções opostas para problemas reais ou imaginários.
Os extremos dominam o debate no Brasil: a ciência passou a ser questionada por negacionistas, vemos economistas contra médicos, salvacionistas contra céticos. Estamos deixando passar uma valiosa oportunidade para mostrar que podemos ser melhores e que as dificuldades nos aperfeiçoam.
E, enquanto o país acompanha a ampliação desse infrutífero debate, vemos o desemprego entrar na casa de pais, mães, jovens e famílias brasileiras. Desemprego, que assim como o vírus, não respeita classe social, sexo, raça, religião ou ideologia política.
Por isso, há urgência de reencontrar o equilíbrio que permita ao Brasil superar a crise atual e iniciar o mais rápido possível o processo de recuperação, que será longo. Não temos mais tempo a perder – já perdemos muitas décadas no passado recente e estamos deixando a vida e o controle escaparem pelos nossos dedos, a cada suspiro e a cada piscada.
Chegamos ao momento em que cada deve assumir sua parcela de responsabilidade. Não podemos esperar por um milagre ou por um salvador da pátria. Embora a provisão divina possa-nos ajudar, e ter fé é uma marca forte do brasileiro, não podemos aguardar que os outros façam a nossa parte.
Vamos recuperar a essência dos seres humanos, a nossa principal característica: a disposição de fazer o bem. E nos esforçaremos nesse caminho, porque é da nossa índole a superação das dificuldades, fazer o que precisa ser feito e estender a mão solidária a quem mais precisa.
Cida Borghetti,
Embaixadora da Organização Mundial da Família
Ex-Governadora do Paraná