Os Pereira e as expedições que cruzaram o sertão em 1880 e 1902
Entre os fatos que marcaram a região de Campo Mourão antes e às vésperas da chegada dos irmãos Pereira, cabe destacar a célebre expedição de Norberto Mendes Cordeiro, em 1880, guiada pelo cacique Bandeira, que se estendeu até Sete Quedas, e a expedição do 1º Batalhão de Engenharia, do Rio de Janeiro, então capital federal, sob o comando do major engenheiro Caetano Manuel de Faria e Albuquerque, que partiu de Guarapuava em 1902 com destino ao rio Paraná, com mais de 300 homens.
Entre os civis recrutados na região para auxiliar o batalhão, estava Barnabé Pereira, filho do pioneiro José Luiz Pereira, que tinha por função carnear e esquartejar gado para alimentar a tropa. E observar o caminho e informar José Luiz. Uma estratégia para localizar Campo Mourão, que se revelou positiva.
Os oficiais engenheiros receberam a missão do Ministério da Guerra de abrir um picadão para a construção da Estrada Estratégica de Ferro Paraná-Mato Grosso, segundo o traçado do engenheiro André Rebouças, tendo por referências o rio Ivaí, o afluente Corumbataí e a Corredeira de Ferro. O batalhão rasgou o sertão pelo divisor de águas Piquiri-Ivaí, os contrafortes das regiões serranas Cantu-Pitanga, fez várias correções de rotas e atingiu o objetivo. Abriu 404 quilômetros de picada até o rio Paraná. Um árduo trabalho que levou 13 meses.
Frustração: obra paralisada
Em 1903, o governo federal suspendeu a obra e os oficiais retornaram à Capital Federal, frustrando as expectativas da população de Guarapuava. Mesmo que necessitasse de correções, o traçado serviria de referência à retomada do projeto até Mato Grosso. E além, unindo estados do sul e países vizinhos em uma estrada de ferro transcontinental entre o portos de Paranaguá e o porto peruano de Islay, no Pacífico, argumentou o jornalista Luiz Daniel Cleves no artigo, Estrada Estratégica Guarapuava-Matto Grosso, publicado em 1903 no jornal O Guarapuavano. O artigo foi reproduzido nesse mesmo ano pelo jornalista Domingos Nascimento, em seu livro Pela fronteira – Paraná 1903 (p. 191-204).
A obra ousada contribuiu, indiretamente, para a localização de Campo Mourão pelos irmãos Pereira, mesmo tendo a expedição passado ao largo, rumo aos rios Corumbataí e Ivaí. Barnabé Pereira cumpriu seu papel. Ao cruzar a Campina do Amoral, no hoje município de Luiziana, escreveu ao pai sugerindo que estaria próximo a Campo Mourão. José Luiz Pereira, o filho Pedro Ovídio Pereira e o irmão Antônio Luiz Pereira, seguiram pelo picadão com essa referência. Deixaram a trilha e, após vários dias, perceberam que estavam em uma região de transição. O pioneiro pediu ao filho para trepar em uma árvore e observar.
– Clareou tudo, meu pai! – disse Pedro Ovídio, referindo-se à enorme clareira. O pai pediu o rumo e ele sinalizou. Enfim, após tanto tempo, sacrifícios, persistência e tentativas frustradas, eles localizaram Campo Mourão. Assim informa o relato de Manoel Silvério Pereira, filho de José Luiz Pereira, reproduzido pela escritora Edina Simionato em seu livro Campo Mourão 50 anos: na espiral do tempo (1997, p. 43-48). O campo foi avistado da atual Vila Guarujá e a família povoou-o alguns meses depois, em 16 de setembro de 1903.
Norberto Mendes em Campo Mourão
A expedição de Norberto Mendes Cordeiro a Campo Mourão repercutiu na imprensa e entre autoridades da Província do Paraná e do Governo Federal, como se tivesse escancarado as portas do sertão. Os expedicionários foram recebidos pelos índios do toldo de Bandeira, na margem direita do rio do Campo, e do toldo do cacique Gembre, na margem direita do rio Dezenove.
O jornal O paranaense, de Curitiba, informou em 11 de dezembro que a expedição era composta de 14 pessoas e tomou 32 dias de viagem desde a cidade de Guarapuava. Sabia-se desses campos desde a província espanhola do Guairá (1553-1631) e das expedições luso-brasileiras da época de Dom Luís Antônio de Souza Botelho Mourão (1769-1771). Mas não se sabia com exatidão onde ficavam. Na época, esses campos eram denominados de Paiquerê. A matéria dá a entender que os campos estavam encantados nos confins dos sertões.
O evento gerou expectativas, como uma estrada entre a cidade de Guarapuava e o Salto Sete Quedas, a criação de um aldeamento indígena em Campo Mourão e outro no rio Piquiri, para catequização dos índios da região. E até mesmo a instalação de uma colônia militar perto do rio Paraná, na fronteira com o Paraguai e a Argentina. Muitos ofícios foram trocados entre representantes dos governos provincial e imperial. Mas nada de concreto aconteceu.
O prestígio do cacique Bandeira
Quanto ao capitão Bandeira já havia servido de guia à expedição de Telêmaco Borba pelo interior do Paraná em 1876. Angariou reconhecimento oficial por servir de guia, tradutor e informante de funcionários, ajudando o governo e os fazendeiros a aldear índios selvagens. Em reconhecimento, recebeu patente de capitão e soldo da Província do Paraná. Em 1881, o Ministério da Agricultura concedeu-lhe uma gratificação de 20.000 réis, e passou a receber soldo do governo imperial.
Com tanto prestígio, em 1883, Bandeira recebeu brindes requintados da corte, no Rio de Janeiro: poncho, cobertor, espingarda, lata de pólvora, dois quilos de chumbo, caixa com espoletas e três vestidos de chita. As roupas eram um mimo para sua mulher, Francisca. É o que consta da carta de José da Silva Oliveira, chefe da comissão de medição de lotes e instalação de imigrantes na Província, enviada a Ernesto de Moura Brito, secretário interino do governo da Província. Esses documentos fazem parte do acervo do Arquivo Público do Paraná.
Bandeira e seus índios, ao que tudo indica, frustrados pelo não atendimento das medidas anunciadas, mudaram-se para a Serra da Pitanga, instalando-se em terras do fazendeiro Manoel Joaquim Oliveira. Depois disso, o cacique teria seguido para o aldeamento indígena de Marrecas, na margem direita do rio Marrecas, cada vez mais perto da civilização, a julgar pelo convite feito em 1879 por Daniel Cleve, como registrou o historiador Lúcio Tadeu Mota.
Quando os Pereira povoaram Campo Mourão, em 1903, não havia mais índios nesse lugar. O agrimensor e sertanista Edmundo Alberto Mercer, que andou pela região e hospedou-se com a família, considerado o maior conhecedor do Paraná das primeiras décadas do século XX, afirmou: “No chapadão do Campo Mourão, antes dos paulistas que o habitam desde 1902, ninguém morou a não ser os caingangues que de lá saíram há mais de 30 anos”. A declaração consta do livro Edmundo Mercer (Toca): um livro só para nós, de Luiz Leopoldo Mercer. Os paulistas a que se refere o sertanista são os Pereira.
Silvestre Duarte é jornalista e escritor e neto do pioneiro Inácio Luiz Pereira

