Precisamos marcar aquele café…
A tecnologia nos libertou de tarefas repetitivas, mas talvez tenha nos aprisionado em uma nova rotina, a da distração permanente
Vivemos a era da eficiência. Criamos tecnologias para otimizar cada segundo do nosso dia. Pagamos contas com um toque no celular, abrimos empresas sem sair de casa, estudamos a distância, trabalhamos remotamente e até fazemos compras sem enfrentar filas. Em tese, conquistamos o bem mais precioso que existe: o tempo.
Mas aí vem o paradoxo, o que fazemos com o tempo que economizamos?
A resposta, infelizmente, revela um contraste inquietante. Apesar de toda a praticidade que a tecnologia nos oferece, seguimos dizendo as mesmas frases de antes: “não tenho tempo”, “a semana passou voando”, “precisamos marcar aquele café”, “quando vai sair nosso churrasco?”. O tempo que ganhamos, parece, tem escorrido pelos dedos de outra forma, mais sutil, mas igualmente implacável.
Transformamos horas que antes eram gastas em deslocamentos e burocracias em minutos de rolagem infinita nas redes sociais. Trocamos conversas à mesa por áudios apressados, encontros por chamadas de vídeo, e o prazer da pausa por notificações constantes. Economizamos tempo para desperdiçá-lo de um jeito novo.
Talvez estejamos presos a uma ideia equivocada de produtividade. Queremos fazer mais, em menos tempo, mas raramente paramos para pensar por que e para quê fazemos tanto. A obsessão por eficiência nos empurra para uma rotina em que o descanso parece culpa e a desconexão soa como preguiça. O relógio se tornou o novo chefe, e estamos sempre devendo algo a ele — um e-mail, uma tarefa, uma meta, uma entrega. O resultado é uma sociedade exausta, hiperconectada e, paradoxalmente, distante de si mesma.
O que a tecnologia nos devolveu em tempo, talvez tenha nos cobrado em atenção. Vivemos fragmentados entre telas, ansiosos por responder tudo, comentar tudo, consumir tudo, e esquecendo que tempo não é apenas uma questão de relógio, mas de presença. A pressa virou símbolo de importância, e o ócio, de inutilidade. No entanto, é no ócio que nasce a criatividade, a reflexão, o encontro com o outro e conosco mesmos.
O grande dilema contemporâneo não é mais como ganhar tempo, mas como usá-lo bem.
A tecnologia nos libertou de tarefas repetitivas, mas talvez tenha nos aprisionado em uma nova rotina, a da distração permanente. Ganhamos minutos, mas perdemos presença. Ganhamos autonomia, mas perdemos o encanto das relações humanas, dos silêncios compartilhados, das risadas fora de hora.
Economizar tempo, afinal, não tem valor algum se não soubermos investir esse tempo naquilo que realmente importa: pessoas, experiências, afeto, aprendizado e propósito.
O relógio continua o mesmo, quem precisa mudar somos nós.
Rosinaldo Nunes Cardoso é Administrador, Especialista em Gestão de Pessoas e Estratégias Competitivas, Mestre em Administração com foco em Empreendedorismo, Inovação e Mercado, e Diretor de Pesquisa e Gestão do IPPLAN – Instituto de Pesquisa e Planejamento de Campo Mourão.

