Tornozeleira em Bolsonaro é abuso: a exceção virou regra
Na última semana, o Brasil testemunhou mais um capítulo da escalada de medidas judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Por decisão do Ministro Alexandre de Moraes, o ex-mandatário passa a ser submetido ao uso de tornozeleira eletrônica, além de outras medidas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como proibição de se ausentar do país e obrigação de comparecimento periódico à Justiça.
A decisão causou perplexidade entre muitos operadores do Direito, inclusive este que vos escreve. O uso de medidas cautelares penais deve obedecer ao princípio da excepcionalidade. São restrições severas à liberdade de um cidadão que, por força constitucional, é presumido inocente até o trânsito em julgado de eventual condenação. Em outras palavras: não se pune por antecipação.
A imposição de tornozeleira eletrônica, instrumento comumente reservado a situações de real risco à instrução processual ou à ordem pública, carrega simbolismo grave. É, na prática, uma forma de rotular o monitorado como ameaça, como se estivesse prestes a fugir ou a cometer novos crimes. No caso de Bolsonaro, não há qualquer elemento concreto que justifique esse grau de restrição. Ele não descumpriu medidas anteriores, compareceu aos atos quando intimado e, mesmo diante de inúmeras acusações e inquéritos, permaneceu no país. O que se vê, portanto, é a aplicação de um remédio extremo em um paciente que não demonstrou urgência.
A Constituição Federal garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa — direitos que valem para todos, inclusive para ex-presidentes. Quando esses direitos são relativizados sob o pretexto de se combater o autoritarismo ou de “proteger a democracia”, o risco é se instaurar o arbítrio travestido de legalidade. A democracia não se defende com exceções ao Estado de Direito.
Aos poucos, Bolsonaro vai sendo colocado numa posição que, com tristeza, se aproxima do que se convencionou chamar de “preso político”. Ainda que tecnicamente não esteja preso, as medidas que lhe são impostas são tão restritivas que ofendem sua liberdade de maneira substancial, gerando uma espécie de pena antecipada sem sentença condenatória.
Se aceitarmos que o monitoramento eletrônico de um ex-presidente, sem flagrante descumprimento de ordem judicial, sem tentativa de fuga e sem risco processual evidente, é algo normal, abrimos um precedente perigoso. Hoje é ele. Amanhã, pode ser qualquer cidadão que se oponha ao poder vigente.
É hora de reafirmarmos o compromisso com os direitos fundamentais, com a imparcialidade da Justiça e com os limites do processo penal. Medidas cautelares são instrumentos sérios, para casos sérios — não podem ser banalizadas nem instrumentalizadas para fins políticos ou simbólicos.
A lei penal deve proteger, não punir seletivamente.
Por Gustavo Ferreira Dias, advogado criminalista
* As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

