Índice de acidentes de trânsito em Campo Mourão preocupa autoridades

Profissionais de diferentes áreas estão intrigados com o número de acidentes de trânsito em Campo Mourão. A cidade, com quase 100 mil habitantes, de ruas e avenidas retas e largas, registra acidentes todos os dias, a maior parte nos cruzamentos de avenidas e ruas. A maioria envolve motociclistas, geralmente atingidos por automóveis que não param nas vias preferenciais.

Números do Programa Vida no Trânsito (PVT) mostram que no ano passado a cidade registrou 24 mortes por acidentes. Como comparativo, o número de homicídios no ano foi 14 (quase metade). O trânsito brasileiro já é um dos mais letais do mundo e Campo Mourão está entre os índices altos para o seu porte, observa o tenente Duarte, da Polícia Militar.

Os números preocupam profissionais e autoridades e várias ações foram desenvolvidas nos últimos anos para tentar revertê-los. Mas o efeito prático ainda não apareceu. Este ano, o número de acidentes continua elevado. Dados da 11ª Regional de Saúde indicam que em 2019 já foram 18 mortes. A mais recente vítima fatal foi uma mulher de 40 anos, atropelada por um motociclista no sábado à noite. No domingo, cinco acidentes foram registrados, entre eles um atropelamento de duas mulheres, uma delas hospitalizada em estado gravíssimo.

Caminhamos para números semelhantes, mesmo com mais notificações, além de mais blitz e ações educativas. Este ano houve um bom progresso na sinalização das vias, mas os índices de acidentes não diminuem, lamenta o tenente Duarte. O PVT, que reúne representantes tanto do poder público quanto da sociedade, deverá realizar uma nova reunião nos próximos dias para tratar do assunto.

 

Tenente Duarte, da Polícia Militar, observa que o índice de acidentes está alto em CM pelo porte da cidade

 

Problema comportamental

O que estaria acontecendo com o trânsito da cidade? Para o tenente Duarte, o poder público tem feito sua parte. Esse ano posso afirmar com propriedade que não houve falta de empenho de todos do poder público em relação ao trânsito, afirma. Ele lembra que a PM e o Detran acompanharam várias turmas de primeira habilitação em motos, além de reciclagem de condutores. Também foram realizados simpósio do Maio Amarelo, audiência pública na Câmara de Vereadores, escola de trânsito e a Diretoria de Trânsito do município também iniciou trabalho de fiscalização.

Mesmo com muitas ações educativas, parcerias e fiscalização intensificada, o que se observou foi o aumento nos índices negativos cada vez mais fomentados por imprudência, desatenção e grandes mostras de egoísmo, pondera o tenente. Segundo ele, a negligência de condutores é tanta que teve casos da PM abordar alunos da reciclagem (portanto com CNH suspensa) dirigindo pelas ruas.

Condutores embriagados ou conversando pelo telefone celular, velocidade acima do limite e conduta arriscada de pedestres são alguns dos registros mais comuns de imprudência no trânsito. Acredito que os testes nas auto-escolas estão defasados e precisam de mudanças. Os testes deveriam analisar também situação de estresse e aí acredito que haveria muita reprovação, analisa o psicólogo e repórter cinematográfico Rafael Silvestrin.

O engenheiro de trânsito, André Casarin, que já foi diretor de trânsito da prefeitura, também considera o comportamento dos motoristas o principal motivo dos acidentes. É uma questão cultural, um desrespeito crônico que parece estar enraizado. Isso falando de regras básicas, porque se for levar em conta fatores como direção defensiva, então, é ainda pior, comenta.

Segundo ele, o porte e a engenharia de trânsito de Campo Mourão não justificam tantos acidentes. Claro que a cidade necessita de um replanejamento de trânsito em razão do aumento de veículos em circulação, mas nada justifica tantos acidentes, acrescenta. Ele não acredita na má formação de condutores. As leis são rígidas e os centros de condutores trabalham bem, mas por razões que a própria razão desconhece, parte desses condutores não coloca em prática o que aprende, conclui Casarin.

Acidentados ocupam a maior parte da estrutura de saúde

As vítimas de traumas têm prioridade no atendimento prestado pela Saúde pública e por isso mesmo é onde o poder público investe a maior parte dos recursos. Em Campo Mourão, a Santa Casa e a Central Hospitalar estão com os leitos de UTIs sempre lotados, a maioria por vítimas do trânsito. É montada uma estrutura caríssima para uma demanda que a gente não tem como prever, comenta a diretora administrativa da Santa Casa, Lucineia Scheffer.

Com as UTIs pagas pelo Sistema Único de Saúde sempre ocupadas por pessoas que se não fosse o acidente estariam sadias, muitos doentes que necessitam de cirurgias têm que esperar. Estou esperando uma vaga na UTI para fazer uma cirurgia, mas me disseram que só no fim do ano. Não posso ficar esperando e acho que terei que fazer em outra cidade, reclamou um paciente que preferiu não se identificar.

A diretora lembra que a Santa Casa, assim como a Central Hospitalar, são estruturados como porta de entrada de urgência e emergência de alta complexidade e não para demanda livre. Infelizmente algumas pessoas têm dificuldade de entender, lamenta, ao acrescentar que quem procura o hospital com problemas de média complexidade é encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), instalada pela prefeitura de Campo Mourão na asa leste da cidade.

O SAMU, também mantido com recursos públicos, funciona como uma espécie de hospital itinerante para atender vítimas de acidentes. A equipe multiprofissional é treinada para estabilizar o paciente e remover até o hospital em ambulâncias ou helicópteros equipados. O Corpo de Bombeiros é outra estrutura pública que também atende vítimas de acidentes diariamente nas ruas.

Além do custo hospitalar com cirurgias, internamentos e medicamentos, existe ainda um custo social dos acidentes, observa Lucineia. Isso porque muitas vítimas têm que ficar afastadas do trabalho, algumas necessitam de benefícios da Previdência Social, além de dependerem de fisioterapia, fonoaudiologia e outros serviços bancados pelo SUS para voltar a ter uma vida normal. Isso sem contar tantos casos de invalidez e despesas com consertos de veículos ou bens públicos danificados.

Se as pessoas levassem em conta todos os transtornos que um acidente acarreta para elas e para a sociedade tomariam muito mais cuidado ao conduzir veículos ou mesmo transitar a pé pela cidade, complementa a diretora do hospital.