A intensa vida de “Marquinhos” Silveira

Ele viveu intensamente. Enquanto jovem, aproveitou a vida. Já adulto, voltou-se apenas à família. E curtiu cada momento. Possivelmente, jamais se arrependeu, de nada. Antônio Marcos da Silva e Silveira, ou apenas, “Marquinhos”, teve todos os planos terrenos abreviados pela Covid. Internado por duas semanas, não resistiu. Morreu dia 19 de março. Aos 52 anos, deixou três filhos, Arthur, 30, Guilherme, 24, e Beatriz, 22. Além deles, Vera, a companheira inseparável. Sua ida ainda é bastante incompreendida, principalmente, por não completar o ciclo natural da existência humana. Foi cedo demais. 

Mesmo com 52, “Marquinhos” mantinha um espírito jovem. Era um sujeito de bem com a vida. Tinha amigos espalhados por todo canto. Era piadista, gozador, autêntico. Não media muito as palavras. Por vezes, falava na lata. Gostava de pescar, um dos prazeres terrenos. Uma vez ao ano, ia até Coxim, no Mato Grosso do Sul, em pescaria com amigos. E foi lá, numa destas aventuras, quando parou de fumar. 

“Ele sempre fumou. Mas numa das pescarias, conheceu um curandeiro local. O sujeito fez uma oferenda e ele nunca mais fumou”, disse o filho, Guilherme. Conta que o camarada apanhou pele de cobra, acendeu todos os cigarros de “Marquinhos” e jogou as cinzas numa cumbuca. Misturadas ainda, a outras ervas, despachou a material no rio. Assim como a cumbuca nas águas, a vontade em fumar, desapareceu. “Meu pai deixou de fumar há dez anos. Desde que voltou daquela viagem”, disse o filho.

Fanático torcedor do Atlético Mineiro, assistia aos jogos pela tv. Uma vez, visitando Belo Horizonte, trouxe todos os cacarecos do clube. Inclusive, uma toalha, a qual fazia como bandeira. “Marquinhos” também adorava política. Em 2008, aventurou-se como candidato a vereador. Mas deu tudo errado. Nunca mais quis saber. Também foi membro ativo da antiga Boca Maldita de Campo Mourão, lá, pelos anos 2000. Uma época em que se embrenhava nas mesas de bar com os camaradas. O assunto, sempre o mesmo: a política da cidade.

Arquiteto e Urbanista, “Marquinhos” sempre atuou em parceria com os municípios da região. Ele é quem desenvolvia projetos arquitetônicos às cidades. Ultimamente, estava em conversas com a Fundação de Esportes de Campo Mourão. Projetos a serem realizados. Mas sem tempo, a concretizá-los. Vera, a esposa, também é arquiteta. Embora professora, em casa, trocava figurinhas com o marido. “Ele sempre pedia uma opinião sobre os seus projetos. Éramos parceiros, até nisso”, lembra ela. 

Com o tempo, “Marquinhos” descobriu uma outra aptidão: o tesão em ser pai. Ciumento, sempre aconselhou os três, a tudo. Principalmente, quanto as suas formações. Na verdade, tinha o capricho em oferecer a melhor educação aos filhos. “Ele me disse, agora em janeiro, que eu não deveria ser apenas mais um médico. Eu deveria ser o melhor médico”, comentou Guilherme. Ele faz faculdade de medicina na Bahia. Passou numa universidade pública. Orgulho ao pai. O mais velho, Arthur, mora em Brusque. É licenciado em química e deu a “Marquinhos” a primeira neta. Até poucos dias, a menina rabiscava o papel ao seu lado. Já, Beatriz, cursa Ciências Sociais, na Universidade Estadual de Londrina. A caçula, além de ser o xodó, é também o espelho do pai. 

Preocupado com a pandemia, “Marquinhos” quase não saía de casa. Fazia home office e não recebia visitas. Suas saídas eram, necessariamente, ao mercado. “Tomávamos todos os cuidados. Máscara, álcool gel nas mãos. Ao chegar em casa, trocávamos a roupa, imediatamente”, disse Vera. Mas, mesmo tomando todos os cuidados, o casal foi contaminado. Ela passou três dias internada. Saiu ilesa. Após sair, foi a vez de “Marquinhos” chegar. Foram duas semanas na Santa Casa. 

Vera conta que o companheiro ficava revoltado com notícias sobre aglomerações. Não aceitava ouvir sobre festas clandestinas. “Ele também criticava o fato da política atrapalhar a cura à doença. Pedia vacinação em massa. Quando o Brasil atingiu os dois mil mortos, ele entrou em choque”, lembra. Antes de ser encaminhado para a UTI, “Marquinhos” pediu à esposa que não deixasse os filhos saírem de casa. Ele estava bastante preocupado. E não era à toa.

Com nome de cantor brega, Antônio Marcos tinha gosto refinado à música. Em seu repertório preferido, a francesa Edith Piaf. Também escutava blues e o bom rock and roll. Mas também era apaixonado pelo sertanejo “raiz”.  Deixou uma coleção de vinis. Sempre foi adepto a mesa de bar. Era lá onde as conversas e prosas reuniam amigos, próximos ou não. Comuns ou diferentes. Mas em todas elas, “Marquinhos” era bem recebido. Tinha a risada fácil. Gargalhava alto. Sua alegria, era também, a sua marca.  

Uma das alegrias que “Marquinhos” tinha, era ir para Abatiá, cidadezinha do Norte pioneiro do Paraná, pros lados de Bandeirantes. Lá, com tias e primos, viveu grandes momentos. A casa da tia Rute, era uma festa só quando ele chegava.

Vera era três anos mais velha. Os dois se conheceram na antiga Boatinha do Clube 10 de Outubro. Era final dos anos 80. Ela não o conhecia. Mas bastou olhar de lado e lá estava o sujeito, com cabelos longos e sorriso aberto, “Lembro que me apaixonei por ele. Ele parecia o Paulo Ricardo da banda RPM. Naquele dia nos conhecemos e começamos a namorar”, disse. Quatro anos depois, em 1990, os dois se casaram. 

“Marquinhos” tinha suas crenças. Em casa, mantinha um pequeno altar. Por vezes, sentia que necessitava acender uma vela ao santo. Parava por alguns instantes, fazia sua reflexão, e voltava ao trabalho. Sempre foi assim. Sua fé, em dias melhores, também se mostrava na maior de suas virtudes: a esperança. Mas o cara que rabiscou o próprio destino, agora se foi. Ele não conseguiu desenhar tudo o que planejava. De uma certa forma, teve os traços apagados. Deixou as folhas em branco. Certamente, agora, a família fará novos desenhos. Mas desta vez, utilizando-se da sua caneta.