Álvaro Massareto, o homem que guarda o passado

Eram 10 horas da manhã, do último sábado, quando este repórter chegou à entrevista com o engenheiro agrônomo Antônio Álvaro Massareto. Lá, numa sala do sexto andar, no centro de Campo Mourão, que ele a apresenta como escritório, mas que na verdade, mais se parece a um museu, iniciou a prosa. E perguntou: “Você sabe o que é isso”? Naquele momento, mostrava um pequeno equipamento vermelho, com uma corda passando no seu interior. E cuja caixinha, do tamanho de uma caixa de fósforos, remetia aos anos 40. Aquilo nada mais era do que um afiador de giletes, do seu pai, fabricado há cerca de 70 anos e, ainda, completamente preservado.

O objeto mostrado era apenas um sinal. O início de uma apresentação que viria a seguir, de tudo o que ali guardava. A bem da verdade, Massareto é uma espécie de acumulador. Um guardador de história. Um preservador do passado. Por três horas, a reportagem não viu nem a metade do seu acervo. É muita coisa. É muita vontade em manter a sua própria história. Definitivamente, Massareto não é um sujeito comum.

Conta ele que nasceu em 1943, em Apucarana, embora tenha sido registrado em Rolândia. Filho único, teve os pais, Pedro e Adelina, trabalhadores da roça, no interior de São Paulo. E se conheceram na indústria de tecidos. Mais adiante, migraram à Apucarana, onde montaram um secos e molhados, cujo nome era a “Casa do Povo”. Em 1953 optaram por vender a loja, comprando uma fazenda em Campo Mourão. Aos dez anos de idade, o pequeno Massareto, já em posse do seu óculos ultra super anti hipermetropia, viu os pais também montarem uma serraria. E a vida seguia.

Um ano depois, preocupados com a sua educação, os genitores o levaram até Londrina, passando a morar na casa de um padre. E foi ali quando pegou o gosto viciante pela leitura e a música clássica. Em seguida, migrou ao Colégio Marista, onde terminou o primeiro e parte do segundo graus. Tamanha foi a amizade naquela época que mantém os amigos hoje, num grupo de WhatsApp.

Sua jornada em Londrina terminou em 1961, quando decidiu, em 62, rumar a Piracicaba para o terceiro ano e, consequentemente, desafiar o vestibular à Agronomia. Levou “pau” na primeira tentativa. E adentrou à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em 1964.

Formado aos 25 anos, em 1968, começou a buscar emprego. E, para a tristeza dos pais, que o queriam por perto, conseguiu. Dos cinco concursos almejados, passou em quatro. E optou em atuar na região de Ourinhos, interior de São Paulo. “Num primeiro momento nem pensei em arrumar emprego em Campo Mourão. Lá só existiam três agrônomos. E não sabia aonde trabalhar”, disse.

Formado em 1968, Álvaro predestinou toda a sua vida em Campo Mourão

Destino

Antes de arrumar as malas, Massareto foi até Campo Mourão. Lá, deu a notícia aos pais. “Eles ficaram felizes comigo. Mas ao mesmo tempo, muito tristes com a distância que ficaria deles”, revelou. Mesmo assim colocou os trecos no Fusca e partiu. Mas chegando ao posto de combustíveis, na saída para Peabiru, enquanto abastecia, repensou a decisão. E decidiu chutar o emprego paulista. “Quer saber, vou tentar aqui mesmo”, disse. O destino era mesmo Campo Mourão. Mas o que fazer na cidade?

Como o mercado de trabalho local ainda não favorecia os agrônomos, Massareto foi até a agência do Banco do Brasil. E ali conversou com o gerente. “Pedi um emprego. E na mesma hora, ele me entregou um calhamaço de papéis. E disse, agora se vira. Vá trabalhar”. O jovem iniciante ainda não sabia, mas viria a ser um avaliador para créditos. Analisava documentos e fazia laudos, indicando se o produtor rural havia condições para receber crédito. No frigir dos ovos, a grana dependia dele.

Agora expert no assunto, ao lado de outros três amigos – José Aroldo Galassini, José Binotti e Walmor Barato, montou uma empresa voltada ao mesmo ramo, a Platec. Fundada em 1969, Massareto permaneceu na sociedade até 1980. Antes disso, Galassini e Barato também já haviam a deixado.

Família

No início dos anos 70, Massareto começou a paquerar uma moça muito bonita. Ela passava diariamente em frente ao local do seu trabalho. Então, quando dava a hora dela passar, o trabalho parava. Era o momento de vê-la desfilar. Tantos foram os flertes que, num baile no Clube 10 de Outubro, na maior cara de pau, se sentou ao seu lado. E foi lá que tudo começou. A moça bonita havia caído na lábia do sujeito. Não tinha mais volta.

E o casamento com Edorli Helena Trombini aconteceu em 1974. “Como eu não parava em Campo Mourão, ela dizia que achava que tinha se casado com um agrônomo. Mas na verdade, estava ao lado de um viajante”, lembrou ele, rindo. O casal tem dois filhos, Pedro e Uliana.

Com o nome cada vez mais forte na cidade, Massareto foi convidado pelo prefeito da época, Horácio Amaral, a ocupar um cargo como diretor de agricultura no município, ainda em 69. Mas o cargo durou poucos seis meses. Naquele ano, além de trabalhar o dia todo no paço municipal, ainda dava aulas à noite. E somente nos finais de semana, se dedicava ao trabalho de sua empresa. Com um ritmo acelerado, pediu pra sair da prefeitura.

O cara dos eventos

Em seus quase 81 anos de vida, Massareto fez muitas coisas. Entre elas foi diretor social do Clube 10 de Outubro, ainda na década de 70. Uma época de ouro da música brasileira. E lá estava ele, colaborando para levar à cidade os melhores cantores. “Quando trouxemos o Roberto Carlos, eu quem fui buscá-lo em Maringá. Veio comigo no carro. E ali, vi que se tratava de uma pessoa especial. Ele era muito sério. Centrado na sua profissão. Não é a toa aonde chegou”, disse.

Através de Massareto, o clube também recebeu Moacir Franco, Nelson Ned e Roberto Leal. “O Leal não precisei pegar em Maringá, não. Ele chegou a Campo Mourão dirigindo o próprio Fusca. Depois o levamos para um churrasco”, lembrou. Ele também se recorda da cantora Ângela Maria. Esta, inclusive, antes de adentrar ao show, jogou tranca no camarim com ele e a esposa.

Plantio direto

O sistema de plantio direto está diretamente relacionado a Massareto. Ainda em 1972, ele foi até Rolândia aprender a, até então novidade, com o estudioso Herbert Bartz. Um ano depois, trouxe a metodologia a ser aplicada em Campo Mourão. “Eu e mais quatro produtores da cidade trouxemos o plantio direto. Campo Mourão foi a segunda cidade no Brasil a fazer isso”, lembra. Segundo ele, na época não haviam máquinas específicas a isso. Então, o jeito era improvisar. “Peguei uma máquina usada para carpir. Adaptamos um recipiente com sementes. E quando vi, estava fazendo o plantio direto. Foi um avanço monumental. Sem precedentes”, afirmou.

Hoje, Massareto continua sendo lembrado pela façanha. E tem muito orgulho disso. Afinal, tem consciência da revolução, a qual colaborou a fazer na agricultura. Em agosto do último ano, ele recebeu da Câmara Legislativa de Campo Mourão um voto de louvor pela contribuição no desenvolvimento da técnica, que completava 50 anos. Além dele foram lembrados os produtores Ricardo Accioly Calderari, Joaquim Peres Montans, Gabriel Borsato e Henrique Salonski.

Pela Assembléia Legislativa do Paraná, Massareto também foi reconhecido. Em agosto do último ano, através do Deputado Douglas Fabrício, recebeu votos de congratulações. E dez anos antes, em 2013, também da mesma casa, foi agraciado com uma menção honrosa.

Massareto mantém um “museu” particular

Além do afiador de giletes, o mesmo que este repórter foi apresentado, no início da conversa, Antônio Álvaro Massareto possui outras infindáveis coleções. Em pastas armazenadas no cofre, uma vasta quantidade de cédulas de dinheiro, antigas. Em outras, moedas de todos os tamanhos, países e idades. Em dois grandes armários, pastas e mais pastas contendo selos. Milhares deles. E estão catalogados em diferentes espécies. Alguns, raríssimos, como o famoso Olho de Boi, de 1843.

Além das coleções, Massareto aprendeu a guardar sua vida. Homem deveras, sistemático e organizado, passou a armazenar tudo o que passava à sua frente. Um destemido sujeito que continua preservando o passado. Todo ele, sem exceções.

São recortes de jornais, cartas, convites, cartões de banco, tabelas da Copa do Mundo, panfletos políticos, santinhos de vereador, propagandas do Clube 10 de Outubro e Country Clube, textos, comprovantes eleitorais. Fotografias chegam a ser incontáveis.

Outros arquivos dispostos em pastas estão documentos pessoais dele, do pai, da mãe e dos filhos. Até de alguns amigos lá estão. São carteiras de identidade, habilitações, cpfs, porte de arma, reservista. Até um jornal de 64, com a aprovação do vestibular continua guardado. É tanta coisa que, fosse para ver tudo, uma semana seria pouco.

E, em meio a tudo isso, Massareto fez do local o seu escritório. A bem da verdade, escritório no modo de dizer. Ele está numa espécie de armazém. O seu próprio museu. Um resgate do passado.

Trata-se de um homem completamente organizado. Cheio de manias. Além de tudo o que preserva, muita coisa já foi entregue ao Museu Municipal. Fora os trecos colecionáveis, ele permanece ali, quase todos os dias, num ritual só seu. E entre lembrar de sua própria história e jogar pôker no computador – uma das manias -, administra o financeiro de toda a família no modo antigo.

Massareto mantém guardados 3 selos Olho de Boi, raríssimos, de 1843

Ele mantém um pequeno caderno com muitas anotações. Lá consta os gastos de cada filho. E os gastos que ele e a esposa possuem. Anota as entradas da fazenda e, consequentemente, para onde o dinheiro vai. “Aqui é a minha anotação da conta de luz. Aqui é do mercado. Aqui do telefone”, explicou. E tudo no estilo antigo. Não é exagero dizer que Massareto é um ser diferente.

Cristão e com uma fé inabalável, hoje ele está tranquilo. Já trabalhou demais. E por este motivo, acabou arrendando a fazenda, a mesma deixada pelo pai, desde 1953. Palmeirense, Massareto vive os dias calmamente, sem pressa. Como objetivo de vida, deseja somente a paz. Longe de problemas de qualquer tipo.

Mas, como um homem que não se cansa de observar o passado, algumas coisas ainda fogem ao seu controle. Principalmente, quando o assunto é sobre novas tecnologias. “Eu tenho dificuldade. Apanho muito disso”, revelou.

Dias desses, não conseguia abrir o celular. Nada funcionava. Parecia estar travado. Então, atormentado com o problema, foi até uma loja especializada em consertos. E lá, o profissional o mandou inserir a senha. E mesmo assim, nada acontecia. “Disse a ele que a senha era a mesma há quase dez anos. E não funcionava”.

Foi então que o celular tocou. E a sua surpresa, quem estava ligando era ele mesmo. “Eu estava ligando pra mim. Não entendi nada. Como aquilo era possível”? questionou. O mistério só foi resolvido ao atender a chamada. Era a sua esposa, Edorli, exigindo que ele devolvesse o celular dela.