Amarildo está condenado a uma prisão sem grades

Amarildo não tem ninguém no mundo. Perdeu o pai há 15 anos. E a mãe há dez. Ambos, por problemas cardíacos. Filho único, morava junto aos dois, numa casa de madeira, no Jardim Modelo, em Campo Mourão. Com o tempo, envolveu-se com o crack, e nunca mais conseguiu sair. Uma espécie de prisão, com portas abertas. Sem grades. Hoje, segue as placas, mas anda sem direção. A casa continua lá. É herança. Mas, com impostos atrasados, já está nas mãos da justiça. Se a perder, será mais um invisível pelas esquinas da cidade. Mais uma alma sem esperanças.

O sujeito está com 43 anos. É um cara normal. Esclarecido. Não fosse o vício pelo crack, os caminhos poderiam ser outros. Na rotina dos dias, passa o tempo a pedir. Ganha um sanduba aqui. Um salgado ali. Mas a droga mesmo, não tem como pedir. Ele a compra. Conta Amarildo que ainda não é morador de rua. Ele dorme todas as noites na casa deixada pelos pais. Embora com impostos em atraso, ela ainda não foi tomada.

No entanto, sem emprego, não tem grana para pagar luz e água. O jeito então foi improvisar. À noite, a luz é a base da vela. E o banho, com uma canequinha. Ele ganha a água de um vizinho. As madrugadas, segundo ele, são uma tortura. O imóvel está um caco. Enquanto ele sai pelas manhãs e tardes, os cupins permanecem. E não param de trabalhar. “Tenho até medo da casa desmoronar comigo”, disse.

Conhecido como “Dino” – menção ao personagem da Família Dinossauro, Amarildo estudou somente até a sétima série do fundamental. Época em que conheceu a maconha pela primeira vez. E foi parar em 2002, com o uso do crack. Consciente do vício e do mal adquirido, diz que a vontade é parar. Mas não consegue. Se sente condenado a uma doença, cuja cura, pode vir apenas da própria fé.

E ele diz acreditar no criador. Carrega um grande crucifixo no peito. Enquanto não para com a droga, uma espécie de cruz ao próprio drama. E sabe que a morte pode chegar. De prosa tranquila, Amarildo é um sujeito pacífico. Embora, no passado, conheceu as mãos da polícia. Conta que há sete anos, furtou alguns DVDs no centro. Foi pego em flagrante. Ganhou três dias de cana. Mas hoje, quer distância de problemas. A não ser, os seus. Na luta contra o vício.

Além de impostos atrasados, a velha casa de madeira é visitada quase todos os dias por ladrões. Portas e janelas estão arrebentadas. A pouca fiação, quase não existe mais. Sem estudos, Amarildo passou a trabalhar de servente de pedreiro. Pintor. E sorveteiro. Nos fins de semana ainda apanha um carrinho e vende os picolés pela cidade. “Queria mudar de vida. Ter um emprego. Deixar a droga. Mas, nos dias de hoje, é muito difícil mudar minha situação”, diz.  

Na solidão dos dias, Amarildo continua a caminhada sozinho. Nunca casou. Não tem filhos. Perambula as ruas sem um norte a seguir. Não existem muitas esperanças. Os passos são lentos. E as saídas, cada vez mais distantes. Mesmo assim, ainda é possível roubar um sorriso. Na luta pela vida, a sobrevivência acaba falando mais alto.