Anderson e Vanessa venderam um bem para fazer o bem

Anderson é casado com Vanessa. Juntos, possuem uma página de notícias, nas redes sociais, sobre Campo Mourão. De modo sereno, levam a vida calmamente, sem grandes saltos financeiros. Mas acontece que, voltados ao bem comum, uma força maior os atraiu. De certa forma, algo os chamou. E eles atenderam. Mesmo não dispondo de grana sobrando, venderam um Gol e reverteram o dinheiro à uma Kombi. Loucos? Definitivamente, não. A “kombosa” foi entregue hoje, digamos, de coração, a uma instituição caridosa: a Comunidade Salvando Vidas.

O velho amigo, um Gol bola, era a ferramenta de trabalho do casal. Antes, com ele, corriam em busca de notícias para alimentar a página. Agora, sem ele, até ficaram a pé por alguns dias. É que seu outro veículo estava estragado, no conserto. E, sem a grana suficiente aos estragos, o jeito foi se virar. Nada demais a quem já mantinha o propósito em se desfazer de um bem, para fazer o bem. Anderson e Vanessa estão felizes. Muito felizes.

“Nosso grande objetivo é ajudar o pastor Adão a continuar o projeto Refeição Solidária. Com a Kombi, seu trabalho será mais fácil”, ressalta Anderson. Ele explica que conhece a Comunidade Salvando Vidas já, há pelo menos cinco anos. E desde então, vinha buscando formas em colaborar. “Adão é um pastor que não distingue raças, credos ou religiões. Quem está na rua, passa a ser ajudado. Seja apenas por uma marmita ou pela palavra de Deus”, disse.

Anderson Domingos, 36, não se aproximou de Adão, à toa. Segundo ele, ainda adolescente em Santo Antônio da Platina, assistiu ao pai quase ser derrotado pelo álcool. Foram noites e dias, semanas e meses, numa decadência crescente. O pai, segundo ele, chegou a morar na rua. No limite, a mãe não aguentou. E pediu a separação. “Aos 15 anos eu tive que virar o homem da casa. Ajudei minha mãe a criar meus outros irmãos”, revelou.

Então, aos 18, Anderson decidiu controlar o próprio leme. Sozinho, rumou até Maringá. A ideia era ganhar a vida. Mas deu quase tudo errado. O único acerto foi encontrar Vanessa, a paixão avassaladora. Casados, viram o negócio montado desandar. Quebraram. Mas nada dura para sempre. Esforçado, Anderson buscou novas oportunidades. Quando se viu, estava vendendo um equipamento magnético voltado à água.

“Minha sogra já morava em Campo Mourão. Quando a visitávamos, eu aproveitava para vender o aparelho na cidade. E passei a vender mais ali do que em Paiçandu, onde morava. Quer saber, vou me embora pra lá”, disse. Sua chegada aconteceu em 2015. De lá pra cá, virou mourãoense. Um mourãoense apaixonado pelo que faz: notícias. “Nunca estudei pra isso. Mas tenho paixão pelo jornalismo”, disse. Ele abandonou os equipamentos que revendia e lançou a página “Serviços Campo Mourão”. Hoje, mantém mais de 226 mil seguidores.

Mas a chegada não foi tranquila, não. Conta que para não ver os filhos sem alimento, teve que pedir ajuda. Afinal de contas, havia chegado com uma mão na frente, e outra atrás. Tinha apenas a grana à gasolina e ao pedágio. Nada mais. “Vendo hoje tudo o que fizeram por mim, o mínimo que eu e minha esposa podemos fazer é retribuir. E estamos certos da decisão em doar a Kombi”, orientou.

Anderson revela sua admiração por Adão diante do que ele mesmo passou, anos antes. Primeiro com o pai. Depois, com ele próprio. “Me enveredei por um caminho quase sem volta. Estava bebendo muito. Entregue ao álcool, consegui ver os caminhos corretos. A igreja me salvou. Não bebo faz 13 anos”, disse. E por ver o trabalho do pastor, voltado às pessoas em situação de rua, a maioria delas, reféns das drogas e álcool, não pensou duas vezes em doar o pouco que tinha. Ele fez de coração.

Esta semana, Anderson deu um trato na “kombosa” antes de entregá-la. Colocou adesivos – “Refeição Solidária” -, fez polimento e ainda, emplacou uma película nos vidros. A entrega aconteceu hoje pela manhã, na própria entidade. Em tempo: o pai de Anderson se recuperou do alcoolismo. Parou de beber há muitos anos e passou a pregar a palavra de Deus, em Santo Antônio da Platina. Segundo ele, palavras de quem o salvou. O libertou.

Pastor Adão

Aos 47 anos de idade, Adão é um cara do bem. A simplicidade em pessoa. Com nobres atitudes, abriu as portas da própria casa, há 13 anos, para resgatar viciados do crack. Ele acolhe, ora e ensina que, o caminho do bem supera o do mal. Para ele, anjos são mais fortes que demônios. E vem funcionando. Com a ajuda apenas de doações, mantém um abrigo para até 16 pessoas. Todos são bem recebidos. “O primeiro passo é a mensagem de que alguém ama aquela pessoa. Depois começamos a orar. Pedimos a Deus sua libertação”, explicou.

Adão é um cidadão comum a tantos outros. A diferença é que ele decidiu colaborar com a comunidade. Não tem salário e, ainda, o que recebe, divide com os que nada tem. Natural de Iretama, chegou há quase 30 anos, em Campo Mourão, quando passou a trabalhar como encarregado do setor de tinturaria de uma confecção. Mas antes de conhecer Deus, os demônios atravessaram seu caminho.

Passou a morar com os dois irmãos mais novos. Um deles se perdeu nas drogas e o outro, acabou tornando-se um traficante. Uma combinação perfeita do mal. Vendo a família desunida e a constante presença da maldade, decidiu orar e pedir uma benção ao criador. O fardo das drogas estava tão pesado que um dos irmãos chegou a cravar uma faca em seu peito. Não morreu por pouco. Sentindo que podia ajudar, passou a pregar a palavra de Deus. Virou pastor e logo salvou os dois irmãos. Hoje, estão livres, trabalhando e ganhando o pão de cada dia. O bem prevaleceu.

“A resposta de Deus é a recuperação de cada uma das pessoas que por aqui andaram”, diz. Adão conta que já acolheu de tudo um pouco. Mendigos, travestis, jovens, velhos, homens e mulheres. São histórias tristes, quase inimagináveis. Mas um retrato fiel do país. Uma realidade pouco mostrada, escondida por governos que desejam revelar apenas o lado bom do Brasil: o samba e o futebol – se é que isso continua em evidência. Em 13 anos de trabalho resgatando vidas, Adão já recebeu na sua acolhida cerca de 600 pessoas. A maioria se recuperou.

Seu trabalho ainda é pouco divulgado, embora necessário. Vive de doações, apenas disso. Alimentos, dinheiro, colchões, roupas são sempre bem vindos. Mais recentemente, a prefeitura cedeu um terreno de utilidade pública, em sistema de comodato. Lá, construiu a edificação da Comunidade Salvando Vidas. Tudo muito simples. Um refeitório, o quarto com beliches, e um cantinho à sua rádio web. É através dela que suas mensagens e testemunhos rodam o Brasil. Além disso, em sua igreja desenvolve um trabalho com pessoas em situação de rua. Cerca de 120 marmitas são distribuídas durante as noites, semanalmente.

Ao contrário do que se possa imaginar, Adão não é um pastor convencional. Não anda com terno e gravata. Não coloca a Bíblia sob o braço. Trata-se de um sujeito normal. Gente como a gente. Barbudo e baixinho, tem admiração de todos ali. E o respeito, acima de tudo. Fazer o bem, ainda tem seus méritos. E ele sabe disso.