Ao povo o que é do povo

Provavelmente a população desconheça. Mas desde a implantação dos loteamentos urbanos da Usina Mourão, alguns lotes passaram a pertencer ao município. Seriam para favorecer o acesso da população ao reservatório da UHE/PCH Mourão. Mas, passadas décadas, quatro, dos seis lotes, conhecidos como “descedouros públicos”, jamais foram entregues ao povo.  Num resumo, áreas municipais abertas à “galera”. Com o tempo, parte dos lotes acabou sendo “cuidada” por proprietários locais. Uma espécie de empréstimo temporário. Hoje, apenas dois estão abertos. Mas sem infraestrutura adequada às exigências ambientais. E, a bem da verdade, entregues ao lixo.    

Os seis terrenos se localizam no Recreio Entre Lagos, um dos primeiros loteamentos da área. No descedouro número 02, a frente continua completamente à mercê do mato. Parece até abandonado. Mas, alguns passos à dentro, e uma cerca de arames interrompe a caminhada. Ali, embora não se tenha nada construído, passou a ser cuidado pelos moradores vizinhos. E bem cuidado. Mato somente na frente. Dentro, grama, sombra e água fresca.

Andando quase 20 lotes à frente, encontra-se o descedouro 3. Ali não existe mato. Nem dentro, nem fora. Mas uma cerca proíbe a entrada de pessoas. Também não existem construções. Mas é visível o empréstimo do terreno por um dos vizinhos. Até mesmo um veículo fica estacionado sobre ele. 

Mais alguns quilômetros, chega-se ao descedouro 4. Ali, dois muros altos, em alvenaria, impossibilitam a população a adentrar ao lote. Nem mesmo vista à represa, se tem. Um dos proprietários, que preferiu não ser identificado, revelou que comprou o seu lote ainda em 94. “Quando o comprei o muro já estava lá. Mas sabia que possuía um dos descedouros públicos”, disse. Segundo ele, uma vez a prefeitura reabra os demais lotes, não se oporá a ação. “O justo é que se abram todos os terrenos públicos. E não apenas alguns”, explicou.  

O descedouro 5 está intacto. Árvores cobrem toda a área. Pelo que se viu, é difícil até chegar ao lago. Principalmente, devido ao muro de blocos construído em toda a frente do terreno. A reportagem não conseguiu encontrar o autor do muro. 

Já os descedouros 6 e 7 estão abertos. O primeiro possuía uma cerca até dias atrás, impossibilitando o acesso. O município, frente a uma denúncia, retirou o obstáculo. Com isso, na última terça, alguns pescadores já utilizavam o local. E agradeceram. Marcelo Moretto era um deles. Pescando sob um calor de quase 40 graus, disse que a população tem o direito de acessar a represa. “Quem não tem condições em ter uma casa aqui, deve ter, pelo menos, o direito a vir”, disse. 

Para ele, além de facilitar o acesso às pessoas, o município deve cobrar disciplina também. “Aqui vemos muito lixo jogado. Faltam lixeiras e uma estrutura. As autoridades devem cobrar o respeito da população”, revelou. O descedouro 7, embora não pareça, existe. É o último lote da usina. Lá não existem cercas. Construções. Nada. Nem gente. Mas está aberto. 

MUNICÍPIO
Para o Secretário de Fiscalização do município, Cristiano Calixto, há cerca de 30 dias, após denúncia, a prefeitura retirou uma cerca de impedia a entrada da população a uma das áreas em questão. “Fomos lá e retiramos a cerca e uma placa que dizia propriedade particular. Mas se tratava de um lote público”, explicou. 

Segundo ele, onde houver uma denúncia específica, vão agir. Sobre os demais terrenos públicos da Usina, ele desconhece outras denúncias ou reclamações por parte da sociedade. Mas Calixto alerta. “Se houver indevida utilização ou ocupação de espaço público, competirá ao município, na defesa do patrimônio público, notificar, visando a desocupação”, disse. Ele também destaca que imóveis públicos não são passíveis de usucapião.   

INSTITUTO TERRA E ÁGUA (IAT)
Para o Instituto Água e Terra (IAT), os imóveis cedidos pelos loteamentos urbanos ao município, devem ser avaliados sob a ótica ambiental para atender as necessidades de “descedouro comunitário”, com viabilização de acesso ao reservatório da Usina Mourão. “Estas cessões ocorreram nos anos 70 e 80, devendo ser planejado ações para uso coletivo a partir de estudos técnicos de viabilidade. Além do seu respectivo planejamento ambiental, através de licença especifica, uma vez que se trata de imóvel com Concessão da União, Área de Preservação Permanente e de Unidade de Conservação da Natureza”, destacou Fabiano Viudes, Chefe do IAT da Seção Regional de Campo Mourão.

O órgão também explica que a Cota 612 é o limite da faixa sob domínio da União, estabelecida para a ENEL Green Power Mourão S/A, conforme o Contrato de Concessão nº. 004/2016 – Ministério de Minas e Energia – UHE Mourão I. “Também foi criado até esta faixa, somada mais uma área de remanescente florestal o Parque Estadual Lago Azul – PELA (Decreto Estadual n. 3256 de 30 de Junho de 1997).

Viudes ressalta que, ainda em 2005, o Plano de Manejo de Uso do Parque Estadual Lago Azul, foi apresentado a comunidade de Campo Mourão e Luiziana. “Naquela época foi observada a necessidade de se implantar uma área pública de lazer com acesso ao reservatório da PCH Mourão”, lembrou. Segundo ele, o município de Campo Mourão disciplina o regramento de uso do solo urbano, inclusive já possuí Plano Diretor para os ambientes urbanizados, contemplando ações para a Usina Mourão.

Segundo informações, uma vez desocupadas e, voltadas à população, as áreas devem passar por um planejamento pelo município, obedecendo sempre, as normas ambientais. O IAT também explicou que, atendendo as regras, o licenciamento dos lotes para fins públicos, é visto com bons olhos. Num resumo, cada lote deveria conter uma infraestrutura capaz de minimizar o impacto ambiental. A começar com a básica ideia de lixeiras.

De acordo com um levantamento, o município teria que garantir estrutura de apoio ao manejo de equipamentos náuticos, como barcos e jet skis, por exemplo. Além de manter um controle ambiental de resíduos nocivos na sua manipulação, como combustíveis e óleo. Se responsabilizar pela coleta de resíduos sólidos (lixo), além de controlar água pluvial. Fora isso, ainda criar rampas de acesso.      

Para o reservatório da PCH Mourão são observadas e 
consideradas as seguintes Cotas de Funcionamento:

* Cota de Segurança nº. 612,00. 

* Cota da Crista da Barragem nº. 611,00. 

* Cota Máxima Maximorum nº. 610,50.

* Cota Máxima Operacional nº. 610,00.

* Cota da Crista do Vertedor nº. 609,00.

* Cota Mínima Operacional nº. 601,00.

* Cota Mínima de Operação – Cota nº. 607,50 (Atual) conforme Sentença Judicial, Ação Civil Pública nº. 656, de 24 de Julho de 2008 – Justiça Estadual, Procedimento Administrativo nº. 001/2008 – Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente – MPPR, Comarca de Campo Mourão.

O Parque Estadual do Lago Azul foi criado em 1997, sobre as áreas e imóveis que pertenciam a época a COPEL. Seu limite na área de abrangência do reservatório é a Cota 612.