Campo Mourão e uma nova polêmica: a construção da CGH Saltinho

A construção de uma nova CGH – Central Geradora Hidrelétrica -, no Rio da Várzea, em Campo Mourão, está “gerando” apreensão por parte de estudiosos, do Ministério Público e, até mesmo, da aldeia indígena localizada na região do Barreiro das Frutas. Denominada Saltinho Energias Renováveis, a obra ainda não teve início. Mas já mantém, segundo a empresa, todas as licenças necessárias à sua instalação. Atento ao assunto, o vereador Paulo Pilatti, disse que pedirá ao legislativo audiência pública sobre o tema.

Com capacidade para gerar 4,5MW, a CGH será construída a 600 metros de uma aldeia Guarani, conhecida como Arandu Aty Ara. E esta proximidade, não é bem vista pelos indígenas. Uma das líderes, Nilza Maria Rodrigues, revela que os 22 indígenas do Barreiro das Frutas, dependem do equilíbrio da natureza para sobreviverem. E, com a obra, os impactos ambientais serão grandes. “A destruição da mata e o desvio do rio, desequilibrarão a fauna e flora da região”, explicou.

São quatro famílias residentes na aldeia. Estão ali já, há 11 anos, após iniciarem uma busca ao passado. “Indígenas mais velhos pediram para retornar à Campo Mourão. Lá, em meio ao Caminho do Peabiru, se encontram muitos ancestrais enterrados. Nosso povo viveu nesta região há muitos anos. E foi por isso que compramos a propriedade ali”, disse Nilza. Segundo ela, uma vez represada, a água poderá desaparecer com resquícios indígenas ali existentes. E como de fato, já foram identificados.

De acordo com Alex Bueno, engenheiro da CGH, uma das condicionantes para a licença era detectar possíveis artefatos indígenas ou não, enterrados na área. “Identificamos peças arqueológicas datadas entre 5 e 10 mil anos ali. Arcamos com a pesquisa. Arqueólogos fizeram um trabalho minucioso por 40 dias e resgataram todo o material. Ele foi entregue a Universidade Estadual de Maringá”, revelou.

Nilza é contra a construção da CGH, principalmente, por acreditar que as águas do rio da Várzea diminuirão ainda mais. “Muitos animais, como onças, também estarão condenados à morte. Sabemos que parte daquela mata desaparecerá”, disse. Segundo ela, a aldeia depende diretamente da flora ali existente, uma vez que a utilizam para colher ervas medicinais, assim como coletar matéria prima ao seu povo.

A apreensão dos indígenas está fazendo com que parte da sociedade debata o assunto. Esta semana o Conselho de Promoção da Igualdade Racial de Campo Mourão (Compir), promoveu uma conversa online. Um dos participantes foi o vereador e ex-presidente da Associação dos moradores do Barreiro das Frutas, Paulo Pilatti. “Sou a favor da construção da obra. Acredito que ela não irá afetar a aldeia”, disse.

De acordo com ele, não há como não ter impacto ambiental e social em uma obra deste porte. No entanto, acredita que os impactos positivos serão bem maiores que os impactos negativos. “O ganho da comunidade, da aldeia, e da cidade serão maiores que algumas ações consideradas danosas ao ambiente regional local e à sociedade local”, disse. “Não tem como fazer uma omelete sem quebrar os ovos”, resumiu.

Em visita recente, Pilatti observou que a aldeia está fazendo uso correto da terra. “É um povo pacífico. Jamais tivemos qualquer tipo de problemas com eles”, disse. Segundo ele, o município também vem contribuindo ao bem estar dos indígenas, como o envio de cestas básicas e as vacinas contra a Covid 19.

Um dos principais dramas da aldeia é quanto a falta de água. Há algum tempo, um poço foi perfurado. Mas água que é bom, não foi encontrada. Diante da situação, o jeito foi apelar a um vizinho, que vem garantindo água emprestada de seu poço.

Especialistas

Geógrafa e professora de mestrado da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Maristela Moresco Mezzomo, é enfática: ela é contra a construção, principalmente, porque o estado é mais que auto suficiente na produção de energia hídrica. “O Paraná produz muito mais energia do que utiliza. Exportamos energia. Não precisamos transformar nossos rios em represas de empresas privadas”, disse.

Estudiosa no assunto, ela revela que, atualmente, o estado mantém 62 usinas de geração de energia, divididas entre grandes, médias e pequenas. Para ela, não bastasse todo o impacto ambiental já sofrido pelos rios, outros 213 projetos seguem em análise. “A pergunta que faço é: que município queremos. Um município que defende a cultura e poderia potencializar isso por meio de geoturismo e turismo sustentável ou um município que tem 3 usinas”? “A questão que defendo é potencializar outras atividades sociais, culturais, ambientais e econômicas, sem precisar construir PCHs”, disse Maristela.

Professor da Universidade Estadual de Maringá, e promotor de justiça, atuando na comarca de Paranavaí, Robertson Fonseca de Azevedo diz que os complexos geradores de energia (CGH ou PCH) não precisariam ser construídos em rios e bacias paranaenses. “Geramos energia a outros estados. Temos energia sobrando”, disse.

De acordo com ele, as centrais também não têm qualquer tipo de compensação financeira aos municípios. “Elas não geram ICMS. Não dão dinheiro aos municípios”, explicou. Robertson diz que, ao contrário do que as empresas dizem, os impactos ambientais são grandes. Muito grandes. “Sempre tiveram impactos ambientais. E sempre terão”, disse.

Impactos

Atenta ao assunto, Maristela explica que, uma vez construída, a obra represaria as águas do rio da Várzea acima da cachoeira do Saltinho. A queda é uma das grandes atrações da população nos finais de semana. E é aberta às visitações, gratuitamente. Além de ser um cartão postal, com um cenário natural, descrito como deslumbrante por visitantes, ela pode acabar sendo afetada diretamente.

“Com a água represada acima do salto, certamente poderá ter seu volume afetado sim, principalmente, devido a vazão, que passará a ser controlada”, disse Maristela. Ela também explica que em períodos de estiagens deverá ficar com vazão ainda mais baixa. E isso não é só uma questão paisagística. É uma questão funcional de ecossistema, interferindo em toda a cadeia de relações ecossistêmicas, tanto dentro como fora do rio”.

O debate também aconteceu no último ano, através da Unespar, com o tema “Rios Vivos” – https://youtu.be/OBFeiQJ4wcY. Enquanto parte da sociedade fala sobre o assunto, o município ainda não convocou uma audiência pública. O vereador Paulo Pilatti afirmou que pedirá ao legislativo que se faça o debate com toda a sociedade civil organizada. “É importante abordar o assunto”, disse.

CGH terá investimentos de R$ 37 milhões

A Saltinho já detém todas as licenças e autorizações necessárias à implantação do empreendimento, informou Natali Angélica Kleinke, gerente administrativa da empresa. De acordo com ela, o investimento total na construção será de R$ 37 milhões. Somente à título de Imposto Sobre Serviços – ISS recolhido em favor do Município de Campo Mourão, durante o período da obra, entre 18 e 24 meses -, o valor aproximado é de R$ 400 mil.

“A economia local será beneficiada e serão gerados pela Saltinho cerca de 80 a 100 empregos diretos, com referência da utilização de mão de obra local”, destacou Natali. O município também será beneficiado com o aumento do seu coeficiente no Fundo de Participação dos Munícipios (FPM), em razão da receita gerada pelo empreendimento. “Estimamos algo em torno de R$ 4,5 milhões por ano de geração”, disse.

Com todas as licenças em mãos, Natali disse que o início das obras depende apenas da definição da conexão da linha de transmissão junto à Copel. Uma vez concluída, a CGH deverá gerar 4,5 MW de energia. Ou seja, uma potência instalada suficiente para abastecer uma cidade com aproximadamente 11 mil residências – considerando o consumo médio mensal do Paraná (167 kWh/Mês). Natali afirmou que toda a energia será utilizada apenas no Paraná, em especial na região de Campo Mourão.

Impactos ambientais

A obra suprimirá uma área de vegetação de 33 há, principalmente, à implantação do reservatório. “Ela será devidamente compensada mediante reposição florestal. A implantação da APP do lago, totalizando 63,76 ha, possibilitará uma faixa de mata ciliar de 55 metros em todo o entorno, propiciando a manutenção e recuperação da fauna e flora local”, disse a gerente. Segundo a empresa, durante a fase de supressão, uma equipe especializada no resgate de fauna e flora acompanhará todos os serviços, minimizando os impactos.

Além disso, também será realizada a compensação ambiental financeira nos termos da Licença de Instalação – estimada em R$110 mil. Ela enfatiza que ainda, serão rigorosamente seguidas as condicionantes dos demais programas ambientais estabelecidos na licença em benefício da comunidade local.

Reunião pública

Conforme a empresa, em dezembro de 2015, foi realizada uma reunião pública com moradores da região do Barreiro das Frutas. O convite foi realizado pessoalmente ou através de ligações, anúncios em rádios e jornais. Na ocasião o projeto foi esclarecido, assim como dúvidas, respondidas.

Ação civil pública é derrubada pela justiça federal

Em 2020, a comunidade indígena Arandu Aty Ara, entrou com uma ação civil pública para impedir a construção da CGH. Ela foi aceita pelo Ministério Público Federal, que se manifestou favorável à concessão de uma liminar a fim de suspender o início das obras. Assim como, retirar as licenças ambientais já concedidas.

“Favorável a suspensão total dos efeitos de licença de instalação, inclusive com total paralisação das obras em andamento, e das autorizações emitidas pelo IAP, a fim de evitar danos irreversíveis aos componentes sociais, culturais e ambientais vivenciados pelos indígenas”. O documento foi assinado pelo Procurador Maicon Fabricio Rocha, através da Procuradoria da República de Campo Mourão, em 28 de maio deste ano.

No entanto, em 13 de julho, o Juiz Federal José Carlos Fabri extinguiu a ação. Sem resolução de mérito. Ou seja, não julgou se a construção pode ou não ser empreendida. Ele entendeu que o MPF não pode defender através de ação coletiva, interesses privados.

“O pedido de impedimento da construção de PCH Saltinho a ser realizada em Campo Mourão, por falta de interesse processual, já que incabível ação coletiva para a proteção do interesse privado”.

Paraná conta hoje com 62 geradoras de energia.
Se construídas, pequenas, médias e grandes usinas chegarão a 213 no estado.