Denunciado duas vezes por cárcere e agressões a mulheres, Caio nunca foi preso

Na madrugada do dia 17 de fevereiro, uma jovem de 30 anos chega apavorada à Central Hospitalar de Campo Mourão. Sozinha, percorreu 200 metros em busca de ajuda. Com hematomas e sinais de mordidas no corpo, alegou ser vítima de cárcere privado. O local das “torturas”, estaria no centro da cidade, numa residência de alto padrão, próxima dali. Após receber cuidados médicos, foi levada até a delegacia da Mulher, onde relatou o drama vivido. Segundo ela, teria caído numa emboscada, sendo submetida a ameaças e torturas, físicas e psicológicas.

Ana – aqui daremos apenas o seu primeiro nome – é moradora de Florianópolis. E lá, teria conhecido o jovem Caio, de Campo Mourão, numa das noitadas do último dezembro. Se conheceram e tiveram um relacionamento. Nas conversas, teria explicitado sua vontade em parar com as drogas. Aos 25 anos, Caio ofereceu ajuda. Teria dito que, em Cascavel, existia uma entidade para reabilitação de dependentes químicos. E que a moça, poderia ficar em sua casa, até ser aceita na entidade.    

Surpresa com a notícia, ela aceitou a proposta. Em janeiro, deixou o filho com os pais e rumou até Campo Mourão, ao lado do, agora, namorado. Dias depois, Caio a levou até Cascavel. Lá, Ana permaneceu 15 dias. Mesmo distantes, continuavam a conversar pelo celular. Ela dizia que queria trazer o filho ao Paraná. A saudade só aumentava. Mas, Caio era rigorosamente contra. 

Dias depois, em 14 de fevereiro, Ana deixou Cascavel, chegou a rodoviária de Campo Mourão e ligou ao namorado. Caio saiu de casa e a apanhou de carro. Mas, segundo afirma Ana, a amizade entre os dois, acabou ali, no banco do veículo. No percurso até a residência, já teria sido vítima das primeiras agressões. O “namorado”, na verdade, acabara de se revelar como um inimigo. O seu pior inimigo. Mesmo ela, não sabendo ainda o porquê.

Sem entender os motivos da violência, foi levada até a casa, na área central da cidade. Era ali onde Caio morava, com a avó. Assustada e acuada, passou a ficar trancada. Por três dias seguidos, foi mordida, xingada e agredida. “Ela também afirmou que sofria ameaças. Caio ameaçava tirar o filho dela”, disse a escrivã da delegacia da Mulher,  ngela Colombo Cruz. “Aprisionada”, a jovem conseguiu fugir na madrugada do dia 17. Ela teria se aproveitado que Caio saiu, encontrando uma das chaves da porta. Ao tomar a rua, viu na liberdade, a chance em denunciá-lo. E assim o fez.

Na delegacia, a moça bonita, de cabelos bem tratados, estava desesperada. Tinha hematomas em um dos supercílios. Mordidas nos braços. E vermelhidões nos punhos. Contou que havia sido mantida em cárcere privado, passando por agressões. Após os relatos à polícia, Ana desapareceu de Campo Mourão, retornando a sua cidade.

Por telefone, ela falou sobre o caso. Disse que o conheceu em frente a uma boate de Florianópolis, no dia 23 de dezembro. Depois de conversarem, acabaram “ficando”. Lá, durante a permanência de Caio, viu no jovem, uma boa alma, um bom coração. “No começo ele era muito bom. Me levava pra igreja. Queria que eu parasse com as drogas. Mas depois, se revelou uma pessoa perturbada. Em segundos, deixava o lado bom, para ser mal”, afirmou.

Ana contou que, na residência, sofreu agressões. Ameaças com faca. E, por último, um enforcamento. Disse que o rapaz exigia que ela não visse mais o próprio filho. Que o esquecesse e o entregasse à adoção. “Quando disse que eu iria embora, tentou me enforcar no banheiro”, revelou. Ana, mesmo longe de Campo Mourão, continua assustada. Tem síndrome do pânico. Não sai de casa. Não dorme. E, quando pestaneja, ainda ouve a voz do “psicopata”, como o define.     

Caio

Caio possui 25 anos. Um rapaz boa pinta. Se assemelha a um galã da “Malhação”. Possui o corpo com muitas tatuagens. Elas vão das pernas, até o pescoço. Num dos braços, um enorme polvo. Não é muito de conversar. E, pelo que foi levantado, mantém uma boa vida de playboy. Atua fazendo músicas no computador, embora relatos indiquem nunca ter recebido grana por isso. Na adolescência tinha vários amigos. Todos do convívio de colégios particulares. Mas, pouco a pouco, foram se afastando, principalmente, por ser temperamental. Em sua ficha criminal, constam investigações sobre desacato, tráfico de drogas e embriaguez ao volante.  

De família tradicional da cidade – gente com posses e honrados -, também foi denunciado, em 2019, pelos mesmos motivos: cárcere privado e agressões a uma outra mulher. Na época, teve um relacionamento de quase nove meses com Jéssica. Nas duas últimas semanas do convívio, passaram a morar juntos, na mesma casa do centro da cidade: a residência da avó.

No inquérito policial, Jéssica narrou que era mantida aprisionada. Sofria agressões constantes, como socos, mordidas e tapas. Era xingada e humilhada. Por vezes, foi obrigada a tomar urina e comer as fezes do sujeito. Era ameaçada, sofrendo torturas físicas e psicológicas. “Quando ela chegou para dar o depoimento, havia uma grande mordida no couro cabeludo”, lembra a escrivã. A moça também estava com um dedo da mão quebrado. Segundo ela, Caio a torturava apertando o osso lesionado. 

Numa das sessões de tortura, Jéssica teria sido obrigada a tomar desodorante. Como Ana, Jéssica se aproveitou de um descuido, e conseguiu fugir em 24 de setembro de 2019. Assim como Ana, ela denunciou o rapaz.

Jéssica aceitou falar a este repórter. Contou que no início, Caio era um sujeito do bem. Se mostrava um bom rapaz. Sempre zeloso e cuidadoso. Mas bastou o tempo passar, pra mostrar a que veio. “Começou com um tapa. Quando vi, já estava aprisionada”, disse. Luzia, mãe de Jéssica, define Caio como um monstro. Um psicopata. “Se não o prenderem, ele vai matar alguém”, desabafa. Segundo ela, no início do namoro, ele se apresentava como um verdadeiro moço de família. Chegou a conquistar a todos. “Ele já vinha batendo na minha filha. Chegava com hematomas nas pernas. Escondia que apanhava dele. Eu quero que ele seja preso”, afirmou. Jéssica não se esquece das ameaças do ex-companheiro: “Eu tenho dinheiro. Sou rico. Nunca vou ser preso”.  

Mesmo pedindo a prisão preventiva de Caio, a polícia jamais obteve respostas da justiça. Sobrou a Jéssica, o consolo dos familiares e uma medida protetiva, concedida pelo judiciário. Ainda em 2019, Caio se apresentou para ser ouvido, somente dois dias depois das denúncias. Foi o suficiente para sair do flagrante, e não ser preso. Em seu depoimento – quase oito páginas -, negou todas as acusações. Disse que Jéssica fazia tratamento psiquiátrico. E que a moça queria apenas “destruí-lo”, pelo fim do relacionamento. Agora, como da outra vez, Caio dará seu depoimento nos próximos dias. Um novo pedido de prisão pode acontecer.

Defesas

Mesmo tendo o direito ao contraditório, Caio não foi localizado pela reportagem. O advogado, atrelado ao primeiro inquérito, revelou não ter mais contato com o cliente. Agora, um novo profissional apresentou-se à polícia, como seu defensor. Mas à TRIBUNA, revelou que irá atuar apenas na fase inquisitorial.

Esta semana, a TRIBUNA foi a casa da avó de Caio. O objetivo era, mais uma vez, tentar encontrá-lo e, consequentemente, ouví-lo. De acordo com a mãe dele, o rapaz não estava. E, mesmo que estivesse, não iria conversar sobre o caso. “Ele não quer falar”, disse. Mesmo preferindo não falar, o espaço neste jornal continua aberto à defesa.