Depois de 74 anos, Trenidade retorna à Campo Mourão
Trenidade Garcia Melo residiu em Campo Mourão entre os anos de 1951 e 1952. Sua permanência durou menos de um ano. Morava junto dos pais, Antônio e Joana. No “protótipo” de cidade, eram os novos donos do primeiro hotel – ela não se recorda o nome. Mas o que seriam os sonhos de um empreendimento de sucesso, se transformaram em angústia e frustração. A bem da verdade, uma tragédia que destruiu a família. “Meu pai descobriu que o sócio dele estava desviando o dinheiro. Falimos. Perdemos tudo. E ainda, ganhamos a separação dos meus pais”, lembrou ela. Desde então, o nome Campo Mourão havia virado uma espécie de mau presságio. Uma lembrança indesejável.
Mas acontece que o mundo não pára de girar. E num desses giros, Trenidade parou na terra da poeira vermelha, de novo. Recentemente, ela descobriu que o filho, Paulo, deixou São Paulo para investir em uma empresa de Campo Mourão. “Mas justo lá, onde minha família acabou?”, disse ela ao filho. Então, a convite, esteve essa semana na cidade. E de certa forma, após 74 anos, o “trauma” acabou.
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Trenidade hoje é uma senhora de 82 anos. Nascida em 1943, conta que os pais, eram “roceiros” em Uchoa, interior de São Paulo. Mais adiante se mudaram à capital paulista. E em seguida, Tupã. Lá, o pai tirou carteira para caminhão, se tornando motorista de fretes para o transporte de areia do Paranapanema. Então, ainda no final dos anos 40, se mudaram ao Paraná, na cidade de Primeiro de Maio. E depois, a Castelo Branco. No início de 1951, Antônio soube da oportunidade de um bom negócio em Campo Mourão: a compra de um hotel.
Em visita à cidade, gostou do negócio. E ali, visualizou o sonho de uma nova vida. Principalmente, em virtude da comercialização da madeira. “Na época havia muita gente de fora vindo pra cá pra retirar madeira. Então, o hotel vivia cheio de peões”, lembrou Trenidade. O pai fez o negócio. Mas pagaria em prestações. Martelo batido, Antônio trouxe esposa e as duas filhas.
“Campo Mourão tinha apenas uma rua de terra. Não tinha igreja nem escola. Mas tinha um bar e muito possivelmente, uma zona”, disse ela rindo. Mesmo não se recordando do nome do hotel – ele era todo em madeira, parecendo um galpão –, lembra que ao lado existia uma loja: Casas Buri. Lúcida, Trenidade se recorda do início da construção da cidade. “Nada existia aqui. Pra lavar a roupa minha mãe descia até o rio. Ela não nos levava junto. Pedia que ficássemos em casa”, disse.
E tudo ia bem. Pelo menos, até o final de 1951. Foi quando a mãe, Joana, levou as duas filhas para passarem alguns dias com o restante da família, em Castelo Branco. Prestes a retornar a Campo Mourão, souberam que haviam sido despejados do hotel. “Meu pai e o sócio dele compraram, mas não haviam pago o dono do hotel. E quando foi pagar, não havia dinheiro. Meu pai disse que o sócio havia sumido com tudo. O hotel faliu. E todas as nossas coisas ficaram com o proprietário. Ficamos com a roupa do corpo e das malas que havíamos levado. Aquilo foi a gota d’água pra minha mãe. Ela deixou meu pai”, afirmou.
Agora sozinha com as duas filhas, Joana voltou a São Paulo, em São Caetano. Lá, trabalhou de tudo um pouco. Vendeu o Carnê do Baú, trabalhou em casa de família e se transformou em fotógrafa. E criou as meninas sem a ajuda de ninguém. Trenidade ficou mocinha e começou a namorar um baiano bom de prosa, João. O namoro durou quatro anos. Em 1961, não conseguindo mais “enrolar” a moça, a pediu em casamento. Da união tiveram três filhos. Paulo é o mais velho.
A incrível Trenidade, que quase nada havia estudado – aprendeu a ler e a escrever apenas aos 12 anos –, retornou aos estudos em 1995. No Mobral, terminou o segundo grau. E deu exemplos à sua prole. Paulo se transformou em engenheiro eletrônico. Cleonice, em engenheira mecânica, e a mais nova, Roseli, em publicitária.
João, desde cedo trabalhou na rede paulista de estradas de ferro. Com o tempo virou servidor federal, na mesma função. Se aposentou em 1986. E, pra não ficar parado, virou taxista. Ao lado da esposa – que montou uma escola de costura –, trabalharam e sustentaram a turminha. Hoje, todos estão bem. João está com 90 anos. E a prosa continua boa. Dá prazer em escutá-lo. Não é à toa que enrolou a moça, Trenidade, há 65 anos.
Paulo
Filho mais velho e engenheiro eletrônico, Paulo de Tarso Garcia Melo começou a investir em uma empresa de Campo Mourão ainda em 2016. Somente um ano depois que a mãe, Trenidade, confidenciou sua história com a cidade. E, morando em São Paulo, capital, não vinha ao Paraná, agindo no início, apenas como conselheiro e investidor. Mas com o tempo, visualizando o crescimento, passou a visitar a empresa, vindo duas a três vezes por ano.
Em São Paulo, além de investidor no ramo de tecnologia, Paulo mantinha quatro restaurantes até a pandemia. Se desfez de todos. Agora, com tempo maior, acreditou no potencial da parceria firmada em Campo Mourão. Então em janeiro deste ano, alugou uma casa, trouxe a esposa e está morando na cidade. Esta semana, as duas irmãs, um cunhado e os pais vieram conhecer o seu “novo” mundo. E, aparentemente, gostaram do que viram.