Eroni e a busca incessante pelo fim da estrada

Eroni caminhava como a um nômade há 27 anos. De certa forma, acabou como a um invisível. De cidade em cidade, de sol a sol, já estava perdendo as forças e, porque não, a própria esperança. Ele não queria que a vida fosse assim. Lá atrás, anos antes, até tentou mudar. Mas não conseguiu. Então, o jeito foi viver sozinho, mesmo num mundo tão grande, que parecia não o incluir.

De cabelos grisalhos, olhos azuis, barba por fazer, bem vestido e de banho tomado, Eroni se apresentou a este repórter aos 61 anos de idade. O local escolhido foi num restaurante, no centro de Campo Mourão. Minutos antes da prosa, ganhou o rango de seus dois anjos da guarda: Larissa e Maria. Juntas, as duas trabalham na Câmara de Vereadores. Quis o destino que Eroni atravessasse o caminho delas. Desde então, passaram a ter um carinho especial pelo amigo.

Eroni estudou pouco, somente até o segundo ano do fundamental. Ainda na adolescência carpia terrenos baldios. Mais adiante, seguiu na construção civil. Somente nos anos 90 foi quando conseguiu o primeiro emprego, com registro em carteira. Na época, segundo ele, trabalhava na rotativa de um grande jornal de Curitiba. “Eu dobrava os jornais e colocava encartes de propaganda dentro”, revelou.

Nascido em Curitiba, Eroni é um sujeito extremamente pacífico. Fala baixinho e mede bem as palavras. Ele está cansado. Sua vida virou de cabeça para baixo em 1996. Época em que era amasiado com Sueli, moça de coração grande e mãe de sua única filha, Angélica. Juntos, os três residiam em Colombo, numa meia água, de propriedade da mulher. Uma única parede dividia sua casa, da casa da irmã de Sueli. Mas a convivência com a cunhada não era boa. E, para evitar maiores conflitos, pediu a companheira para irem embora. Sueli não aceitou. Então foi Eroni quem hasteou a bandeira da liberdade. E pôs os pés na estrada. Para sempre.

Sem emprego, sem renda e com uma imensidão de caminhos pela frente, trilhou o próprio destino. Passou fome, sede, vivenciando diversas situações de humilhação. Ele sabia que estava só. Então, o jeito foi se virar. E, de certo modo, conviver com as situações adversas.

Por volta de 2000, buscou um dos bancos da Praça Osório em Curitiba. A ideia era um local para dormir naquela noite. Já era madrugada quando ouviu sussurros se aproximando. Não eram boas palavras. “Escutei eles falando que iriam jogar gasolina em mim e depois colocar fogo”, disse. Então se levantou, não olhou para trás e saiu. Em seguida encontrou dois policiais e narrou o fato. “Eles pegaram os caras com um galão na mão. Foram presos”, lembrou.

Desde que deixou a família, a vida jamais foi gentil. Afinal, Eroni está a mercê das ruas, do mal. Conta ele que, há alguns anos, buscou um emprego de caseiro num sítio em Curitiba. Até conseguiu, mas não da forma almejada. A proposta era cuidar da propriedade. Pelo trabalho receberia um salário mínimo, uma casa para morar e uma cesta básica. O salário nunca veio. E as cestas, pararam no segundo mês. “Passei a me sentir como a um escravo. Estava passando fome naquele lugar e sem dinheiro para nada. Então sumi de lá”, explicou.

Eroni acredita em Deus e não aparenta estar na rua. A bem da verdade, seu lugar não é lá. Trata-se de um gentleman, um cavalheiro. Não fuma, não usa drogas e jamais bebeu. E o conhecendo, logo se vê um homem inocente demais para o mundo atual.
Hoje, o homem grisalho carrega duas mochilas. O pouco é o tudo que tem. São algumas roupas, um par de tênis e o kit de higiene. “O que tenho é o que carrego”. Eroni chorou. Ele não concorda com a maneira como vinha vivendo. Mas agora, as coisas mudaram. Mais uma vez, seus dois anjos da guarda agiram. E encontraram uma chácara onde ele pusesse tomar conta. “Vou começar no dia 12 de fevereiro. Estou muito feliz por sair das ruas”, disse Ironi.

Hoje

Eroni conta que a ex companheira, Sueli, morreu há pouco mais de seis meses. Ele sabe porque se mantém ligado à filha, através do celular. Não faz muito tempo Angélica o convidou para retornar à casa. Mas a cunhada, segundo ele, ainda continuava vizinha. “Prefiro não retornar. Não quero confusões”, disse.

A reportagem ligou a alguns familiares seus. Eles confirmaram sua história. Também informaram que o ajudaram muitas vezes. Mas ele insiste em continuar a jornada, sozinho. Até ontem, Eroni seguia de cidade em cidade. De albergue em albergue. Agora, com o novo emprego, não faz mais diferença pra onde o vento soprar. Tem algum tempo, ele conseguiu adentrar ao Bolsa Família. E era com o pouco dinheiro que conseguia comprar as passagens. Fora a ajuda de anjos, como as duas amigas que fez – elas o ajudam no almoço, sempre – ele sempre se virou, pelo menos, do jeito que pode.

Em Campo Mourão, ele entra no albergue às 17h. Lá ganha jantar, banho, uma cama limpa, além de palavras de conforto dos freis franciscanos. Mas, ao acordar, após o café da manhã, tem que ir para a rua. São as regras. Então vai até a Câmara encontrar as amigas. Para não as atrapalhar, segue até a biblioteca municipal. E lá, se encanta com a leitura. Esta semana leu sobre o racismo. E ficou feliz em aprender. A vida o ensinou assim. A cada dia, um novo aprendizado. Uma nova cama. Uma nova estrada.