História de superação de Mariceli e a luta das Pessoas com Deficiência

O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (PcD) é celebrado neste domingo (3). A data foi instituída em 1992, pela Resolução nº 47/3 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Campo Mourão, assim como todo o mundo, tem diversos exemplos de superação, mas ainda há desafios a serem vencidos na luta para conquista de direitos, respeito e acessibilidade a essas pessoas.

Em entrevista à TRIBUNA, Mariceli Bronoski, funcionária do Banco do Brasil em Campo Mourão e atual presidente da Santa Casa do município, falou sobre parte de sua trajetória. Apesar das dificuldades enfrentadas ao longo da vida por ser PcD, como a falta de oportunidades e acessibilidade, ela não foi impedida, pela deficiência física, de conquistar sonhos.

A luta por direitos, oportunidades e acessibilidade não é apenas da população com deficiência, mas de toda a sociedade. Thaís Serafim, psicóloga clínica e coordenadora do Núcleo de Inclusão e Acessibilidade do Centro Universitário Integrado, por exemplo, explicou um pouco sobre o trabalho que tem desenvolvido ao longo dos anos junto às PcD e famílias.

Mariceli enfatizou que é preciso fazer leis de acessibilidade e cotas serem efetivamente cumpridas. “As leis da acessibilidade são fundamentais, pois, precisamos delas mais do que as pessoas imaginam”, disse.

Mariceli: desafios e superação

Em meio a tantos exemplos de luta e superação em Campo Mourão e região está Mariceli Bronoski. Funcionária do Banco do Brasil há 17 anos e atual presidente da Santa Casa do município, Mariceli já enfrentou diversas barreiras por ser PcD, mas isso não a impediu de conquistar realizações pessoais e profissionais.

A servidora pública federal tem 49 anos, é graduada em Administração pela Universidade Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão, e tem mestrado em Inovação Tecnológica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) de Campo Mourão.

Adquiriu a deficiência física aos 10 meses de vida, quando teve poliomielite. “O vírus da pólio foi muito grave e acometeu em conjunto com pneumonia. Todos que me conheceram na época dizem que sobrevivi por milagre”, falou.
Desde então, a família de Mariceli enfrentou diversos momentos de aflição.

“Sobreviver à pólio em uma cidade pequena do interior na década de 70 já foi um grande desafio. O acesso à saúde era muito mais difícil. Minha mãe e avô tiveram muita agilidade para ir em estrada de chão 100 km à Cascavel para o hospital referência em que havia UTI”, contou, ressaltando que toda essa rápida ação foi fundamental para a sobrevivência dela.

A bancária destacou o quanto o apoio da família, sobretudo de sua mãe, Maria Luiza Ast, foi importante para a vida dela. Isso porque a deficiência que adquiriu logo nos primeiros meses de vida não foi considerada como uma limitação.

“Fui criada para ser forte, para lutar, para não desistir, que era preciso estudar, trabalhar, viver. Enquanto muitas famílias escondiam seus filhos com deficiência, fui criada diferente, aprendendo que era diferente, mas não pior nem melhor que ninguém. E foi isso que me fez conseguir cada conquista”, falou, com o orgulho.

Considerando os avanços em relação às leis de acessibilidade e cotas lembrados por Mariceli, ela enfatizou que é preciso fazer tais regulamentações serem efetivamente cumpridas. Ela mesma já sentiu ‘na pele’ o que é ter um direito negado.

Há 18 anos, Mariceli passou em 1º lugar em um concurso público, em vaga para PcD. “Mesmo assim, não fui contratada por minha deficiência ter sido considerada incompatível com a função”, disse, adicionando que, 3 meses depois, foi chamada no concurso do Banco do Brasil, onde atua até hoje.

Ela salientou, ainda, a importância de as pessoas terem mais empatia. “Se isso acontecer, vamos amar e respeitar a cada um da maneira que é, com suas forças e limitações”, reforçou.

Thaís (foto) é psicóloga clínica há mais de 10 anos, atendendo sobretudo Pessoas com Deficiência ou transtornos do neurodesenvolvimento, e coordenadora do Núcleo de Inclusão e Acessibilidade do Centro Universitário Integrado há 2 anos.

A luta das PcD e o trabalho realizado pela psicóloga Thaís

Desde que concluiu a graduação, na Unipar (Universidade Paranaense), a psicóloga clínica Thaís Serafim começou a atuar com avaliação psicológica. O maior público atendido por ela é formado por crianças e adolescentes com dificuldades específicas. Dentre delas, há algumas que se configuram como deficiências física, visual, auditiva, intelectual ou transtornos do neurodesenvolvimento, por exemplo.

Muitas vezes, pais e responsáveis ficam preocupados com os diagnósticos, conforme expôs a profissional. “A gente ainda enfrenta muitos desafios no que diz respeito à aceitação”, relatou. Mas ela chamou a atenção para um importante ponto que deve ser considerado: “As limitações fazem parte, mas, além delas, existe uma infinidade de potencialidades”.

Além de psicóloga clínica, Thaís está à frente do Núcleo de Inclusão e Acessibilidade do Centro Universitário Integrado há 2 anos, conforme explicou. “Dentro desse núcleo, eu criei, com o apoio da instituição, o que a gente chama de ‘atendimento educacional especializado’”.

O trabalho é direcionado ao acompanhamento de todos os estudantes do ensino superior do Integrado que apresentem alguma necessidade específica. Além disso, a psicóloga também faz orientações à equipe pedagógica e administrativa em relação às adaptações necessárias.

Quando se fala em acessibilidade, é comum as pessoas associarem ‘apenas’ a componentes físicos de infraestrutura. No entanto, Thaís chamou a atenção para a necessidade de também se considerar outras questões, sobretudo a ‘acessibilidade metodológica’. Isso envolve a viabilização das mesmas condições que outros estudantes sem deficiência ou sem transtorno têm.

Conforme Thaís, o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência deve ir além da celebração. “É uma data para a gente comemorar os avanços conquistados até aqui, mas para refletirmos, de forma bastante crítica, tudo que a gente ainda precisa alcançar e evoluir enquanto sociedade e seres humanos. Então, para mim, é um dia de luta”, enfatizou.

Dados

De acordo com dados do Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE) publicados no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a população com deficiência no Brasil foi estimada, em 2022, em 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais.

Thaís ressaltou que os índices de evasão no ensino superior são ‘muito’ maiores na parcela da população que tem alguma dificuldade específica. Para se ter ideia, conforme dados do IBGE, a proporção de pessoas com nível superior naquele ano foi de 7,0% para as pessoas com deficiência e 20,9% para quem não tem deficiência.

Além disso, desde 1991, por meio da Lei nº 8.213, empresas com 100 ou mais colaboradores devem, obrigatoriamente, preencher de 2% a 5% dos seus cargos com PcD (sejam elas físicas, visuais, auditivas, intelectuais, mentais ou múltiplas). “Embora a lei tenha aberto portas para este público, há de se questionar se ela garante, de fato, a inclusão das PCD”, refletiu Thaís

Ainda que a lei exista há pouco mais de 30 anos, segundo o IBGE, 26,6% das PcD encontram espaço no mercado de trabalho. O nível de ocupação para o resto da população é de 60,7%. A psicóloga vem estudando as possíveis motivações para isso e debatendo o assunto, inclusive em eventos acadêmicos/científicos.

“Dentre os aspectos que justificam esta realidade, posso mencionar a acessibilidade precária, permanência de estereótipos e preconceitos no contexto organizacional, superproteção familiar, passividade escolar e, na formação profissional, inadequação e insuficiência da legislação e questões culturais e próprias à temática da deficiência”, observou.