Joffre, o mourãoense no olho do furacão

Joffre De Aguiar Brunet Pereira deixou a poeira vermelha de Campo Mourão há 27 anos. Buscou uma jornada arriscada nas terras do 'Tio Sam'. Lá, montou empresa e vinha ganhando a vida com o turismo. Virou americano, embora o coração continue brasileiro. E a alma, mourãoense. Mas a vida mudou. Os tempos são bíblicos. Hoje, ele está no epicentro da grande pandemia global, em Nova York. Está no olho do furacão. Até ontem, somente na sua região, eram mais de 3,5 mil mortos pelo Covid. Joffre, aos 45 anos de idade, está com medo. 

Ele é casado com a enfermeira Amanda Brenes. Embora tenha pais nicaraguenses, ela é uma legítima nova iorquina. Nasceu num hospital da ilha de Manhattan, há 40 anos. Joffre tem duas filhas com ela, Victória, 15, e Sophia, 12. A última sentiu o baque. Mesmo não falando sobre o assunto com os pais, não consegue dormir a noite. Como criança, foi afetada como um adulto. Por causa disso, a mãe vem dormindo com ela. Psicologicamente, a família foi abalada. Joffre já fazia terapia. Com o problema da quarentena, parou. Mas retomou em seguida. Agora as sessões são pelo telefone. 

A família mora há 20 minutos do Central Park, em Nova York. Residem na cidade de Hastings-on-Hudson, cidadezinha de poucos habitantes, agora quase sem vida nas ruas. Ela faz parte do estado de Nova York, a região mais atingida pela doença, no mundo. Até ontem, respondia por um terço dos 315 mil infectados dos Estados Unidos. “É o verdadeiro caos. Nunca imaginei que viveria um momento como este”, conta Joffre. Ele sempre foi um cara alegre. Brincalhão. Com humor a mil por hora. Mas na entrevista, ele era outra pessoa. 

A família está num isolamento total há 20 dias. As crianças não vão às aulas. Tem tarefas via computador, em casa. Joffre parou de trabalhar. Turismo agora, sem chance. É como se as Torres Gêmeas tivessem caído sobre a própria cabeça. Amanda continua em casa. Ela é enfermeira, trabalha para o governo. Uma espécie de assistente social. Faz o trabalho pelo telefone, mas pode ser chamada aos hospitais a qualquer momento. E a família sabe o que isto representa. Juntos, permanecem na residência. Respeitam as regras. Saem apenas na garagem. A rotina se transformou num dilema. Quem bota o pé na rua, de vez em quando, é Joffre, para ir ao mercado, lá, o confinamento deve durar, pelo menos, até o final de abril. A ficha de Trump, finalmente caiu. 

Joffre relata que os hospitais trabalham com suas capacidades máximas. É uma avalanche de doentes. E eles não param de chegar. Locais de eventos viraram hospitais. Até dois navios americanos transformaram-se em hospital. Marinheiros o atracaram quase dentro de Manhattan. Sem leitos disponíveis, médicos estão escolhendo quem entra nas enfermarias. Quando alguém morre, não tem direito a um funeral digno, o corpo é levado a um caminhão refrigerado. “É sinistro o que estamos passando”. Joffre faz um apelo aos mourãoenses. Segundo ele, os Estados Unidos estão duas semanas à frente do Brasil no ritmo da epidemia. Ou seja, o que está acontecendo lá, hoje, acontecerá aqui em 14 dias. “Não saiam de casa. Se não existirem respiradores, não há o que fazer”, disse. 

A doença, ao contrário do que se fala, não atinge apenas idosos. Ele relatou dois casos de óbitos envolvendo jovens. Um homem de 42 anos e um enfermeiro de 32. Ambos não tinham nenhum problema de saúde. Ele conta que têm amigos com o Covid-19. Estão em casa, se recuperando. São sintomas leves, mas não deixam de ser preocupantes.

Joffre tem uma empresa de turismo sediada em Nova York. Foi afetada em 100% de suas atividades. O trabalho parou. Antes da pandemia, levava turistas à Philadélfia, Washington, além de Nova York. Com o baque, está pensando em voltar a área de finanças. Mais especificamente, seguros. Ele já trabalhou nisso quando chegou a América, não é sua paixão, mas é 'o que tem pra hoje'.  

Conta ele que o governo disponibilizou US$ 2 trilhões à economia. Para sua empresa, passará a receber US$ 850 por semana, durante 39 semanas. No caso de sua família, o 'Tio Sam' repassará US$ 3,4 mil. Além disso, segundo ele, os cofres públicos bancaram empréstimos as empresas de até US$ 100 mil. Os juros são “parecidos” com o do Brasil: 0,01%. Em tempo: na última semana um empresário de Campo Mourão obteve R$ 100 mil de um banco. Ele terá que pagar 2,1% ao mês. Ele não quis ter o nome revelado. Mas disse que precisou pegar o dinheiro para não demitir, uma vez que o governo demora em decretar as medidas econômicas.