Leonardo trocou as luvas pela estrada

Ao lado da estrada de asfalto, saindo do Parque do Lago, sentido anel viário, em Campo Mourão, um homem capinava sozinho uma horta. Quase meio dia, sol a pino. Calor de quase 40. Usava um chapéu marrom de couro. Camisa social surrada. Calça e botas. Com a enxada em punho, parou para conversar. Um sujeito vivido, 70 anos. Barba branca. Pele queimada. Mãos calejadas. Dedos tortos. De prosa fácil, lembrou do passado. Era jogador profissional de futebol. Goleiro do Londrina. Década de 60. 

Leonardo da Silva já fez um pouco de tudo na vida. O objetivo era ser jogador. Quis o destino que as coisas mudassem. Assim como o vento muda de direção, em segundos. Começou jogando no time da Venda Branca, em Araruna. E ía bem. Certo dia, olheiros do Londrina se aventuraram pras bandas de lá. E avistaram “Leo”. Foi levado. Permaneceu um ano e pouco no time profissional. Mas, prestes a completar 18 anos, foi obrigado a largar tudo. O Exército o chamava. Era 1968. Época de tempestades na política brasileira.

O goleiro então largou as luvas. E, agora, emprestou uma arma. Deixou o uniforme. Para vestir uma farda. E, ao invés de manter a jornada por um ano, ficou dois. Serviu a unidade de Foz do Iguaçu. Com a missão cumprida, retornou a Campo Mourão. Mas entre voltar aos campos de futebol e seguir as estradas, ficou com a segunda opção. Virou caminhoneiro.

No “trecho” da vida, perdurou por quase 20 anos nas estradas. E perdeu a mulher por isso. Conta ele que casou ainda jovem. Sempre viveu em Campo Mourão. Teve três filhos. Mas, como ficava muito tempo fora de casa, as cobranças chegaram. Cansada da distância, a esposa decretou: a estrada ou eu. “Leo” optou pela primeira. Foi o fim do casório. Desde então, passou a viver sozinho. Em sua casa. Em seu próprio mundo. 

Leonardo nasceu no Rio Grande do Sul, em 1950. Santa Maria. Ainda menino, ao lado de outros seis irmãos, os pais se mudaram para Santa Catarina. Depois a Guarapuava. Além de caminhoneiro, passou a mexer com máquinas agrícolas. Arrumava e também as pilotava. Veio daí a opção pelo campo. E já se vão 25 anos assim. 

Conta que não consegue ficar em casa. Aprendeu a gostar, desde cedo, da labuta. Mesmo já, aposentado, prefere trabalhar. E todos os seus três “consórcios” – filhos, já foram quitados. São adultos. Casados. E levam suas próprias vidas. “Leo” estudou somente até a sexta série do fundamental. Mas diz ser o suficiente para o que necessita. Acreditando em Deus, jamais caiu nas tentações mundanas. Afirma nunca ter bebido e fumado na vida. 

Anos atrás, diante da oferta de um emprego promissor, na região central do Paraná, Leonardo pegou carona e chegou até lá. Na conversa, descobriu que se tratava, na verdade, de uma furada. E largou o sujeito falando sozinho. Quando tentou pegar um ônibus de volta a Campo Mourão, não existia. Então, voltou a pé. Enfrentou a estrada à noite. Passou fome. Sede. Frio. Mesmo com grana no bolso. “Não tinha aonde comprar. Estava tudo fechado. Aquela noite pude sentir o que é fome e sede”, disse.

Como num sopro de vento, olhando ao passado, Leonardo bem poderia ter vingado na carreira dos gramados. Mas acabou sendo levado de volta às raízes: o campo. Não do futebol. Mas da lavoura. Um homem quieto, de pouca fala. Mas como ele mesmo lembra, falar o que se a paisagem rural diz por si só. “Prefiro evitar pessoas. Fico melhor sozinho”, garante. E, segurando a enxada, continua a fazer o que sempre gostou, trabalhar.