Loydi hotel sai de cena. Vira pó. Mas fica na história
Foram 41 anos de atividades. Mais de quatro décadas resumidas a um monte de entulhos e pó. Mas mesmo deixando de existir, nada consegue apagar a história do que foi um dia o Hotel Loydi. Ali, no número 1000 da Avenida Irmãos Pereira, ainda resta a memória viva do casal Martin e Ermelinda Loydi. Mesmo sob os escombros de uma demolição iniciada na última segunda-feira (14).
Tudo começou em 1976, depois que o casal comprou o terreno. Martin já era dono de uma serraria no Lar Paraná. Mas vendo uma oportunidade em ganhar dinheiro com um novo hotel, principalmente, com uma demanda a ser explorada, não pensou duas vezes. Foi então que arregaçou as mangas e iniciou a construção. O hotel foi inaugurado em 28 de outubro de 1979, na época, com 36 apartamentos.
Mas sempre desejando expandir os negócios adquiriu outro terreno. Então, em 1990, agora com 1750 metros quadrados, ampliou a edificação, fazendo outros 20 apartamentos. Ele também aumentou o refeitório e deu uma melhorada geral. Na gíria popular, deu um tapa no hotel. E o negócio era bastante atraente. “Martin construiu o hotel com banheiros dentro de cada quarto. Era inovador na época, já que os hotéis antigos compartilhavam os banheiros nos corredores”, lembrou João Batista de Lima, genro de Martin e casado com uma de suas filhas, Maria Inês Loydi.
João lembra de Martin como um homem acima de seu tempo. Era um sujeito perspicaz. Bom de matemática, fazendo contas de cabeça. Exímio negociador. E não perdia uma só oportunidade. “Além disso deixou uma herança que poucos conseguem deixar: credibilidade. A honestidade dele é um reflexo em nossas vidas até hoje”, afirma.

Martin e Ermelinda tiveram cinco filhas. São quatro marias – Maria Benedita (falecida), Maria Aparecida, Maria Inês, Maria Helena -, além de Elaine, a mais nova, que mora nos Estados Unidos desde os anos 80. Mas sempre pensando no futuro das meninas, enquanto estudavam fora de Campo Mourão, era o casal quem administrava o hotel. E foi muito trabalho.
O casal ficou à frente do Loydi, efetivamente, de 1979 a 1990, ano em que Martin optou por arrendá-lo. E o negócio perdurou até 1999, quando ele faleceu. Fumante até os seus 60, o pulmão decidiu cobrar a dívida quando ele tinha 81. Teve embolia pulmonar. Não resistiu. Mesma época em que os arrendatários decidiram deixar o negócio. Foi então que João e Inês retornaram de Londrina e peitaram a administração. “Eu e a esposa fizemos uma proposta às irmãs dela. E tomamos à frente do hotel”, explicou João.
Por 21 anos o casal – genro e filha de Martin – administrou o Loydi Hotel. O encerramento das atividades foi consolidado em março de 2020, quando a famigerada pandemia decretou o afastamento definitivo dos clientes. “Até 2018 tínhamos uma rotatividade mensal de 1200 apartamentos, o que fechava as contas. Mas em 2019, o número caiu para 800. E já em 2020, para 700. Quando vimos o que vinha pela frente decidimos fechar. Não queríamos ter mais déficits”, explicou João. De acordo com ele, enquanto o Loydi se mantinha antigo, outros hotéis da cidade estavam modernos, o que atraía mais os clientes. E mesmo sendo o “irmão mais velho” dos concorrentes, o Loydi foi o primeiro hotel a ter um site.
O Loydi era tão grande que o corredor dos apartamentos tinha 60 metros de comprimento. Ou seja, seu interior chegava ao meio do quarteirão. “Era tão grande que, certa vez, ao acomodarmos uma equipe de skate, escutamos barulhos no corredor. E à nossa surpresa, eram eles treinando ali”, lembrou Maria Inês.

Histórias de um passado
O Loydi ficou marcado na história de Campo Mourão por ser a parada dos maridos expulsos de casa. Sempre foi bastante comum a cena de maridos chegando com uma pequena mala após brigas conjugais. “Muitos homens da sociedade dormiram ali. Contavam que tinham sido expulsos de casa. Mas era só aquela noite. No outro dia vinham apanhar as coisas. Diziam que já haviam feito as pazes com a mulher”, lembrou rindo João.
Mas se o local abrigava viajantes, também acabou “adotado” por moradores da cidade. João se recorda de pelo menos 12 homens que ali moraram. Um deles, Oscar Venâncio, um vendedor de tapetes, residiu por 25 anos. Já Clóvis Daleffe, um cobrador da Auto Peças Cometa, por 20. E ambos só deixaram o hotel porque morreram. “Oscar, inclusive, quando estava à beira da morte no hospital, pediu pra nos chamar. Nós éramos a família dele”, disse Maria Inês.
O hotel também já registrou o suicídio de uma mulher. E um homem que ali morreu por causas naturais. “Por duas vezes tivemos a polícia prendendo dois hóspedes. Numa delas, um assassino que matou um pintor da cidade e se escondeu num dos apartamentos. Inclusive, nos pagou com o dinheiro roubado da vítima”, contou João.
Maria Inês também se recorda de famosos que ali se hospedaram, como a cantora Kelly Key, Banda Herança, Rio Negro e Solimões. E até os autores da música “Boate Azul”, Joaquim e Manoel. “Esses dois, inclusive, estavam brigados. Não conversavam. E dormiram em quartos separados”, lembrou.
Martin Loydi
Martin sempre foi um figurão. Dono de uma simpatia como poucos, tinha muitos amigos. Desde sempre desenvolvia engenhocas. Certa vez, com a porta da frente batendo com o vento, desenvolveu um pêndulo para que ela voltasse ao lugar. Sua criação continua guardada com Maria Inês. Possivelmente, um dos únicos objetos retirados antes da demolição. Ele também desenvolveu uma máquina de secar roupas, antes mesmo dela existir. Tinha um fogareiro embaixo, a gás. “Ele tentou sim, mas ela não funcionava direito”, recordou a filha.
Martin tinha uma pequena sala improvisada no porão do hotel. Era ali onde ele colocava discos de vinil em sua vitrola e dançava por horas. Aliás, a dança era algo marcante na vida dele, principalmente, após parar de fumar aos 60 anos. Com a respiração melhor, parecia ser movido a bateria. Então, nunca mais parou de dançar.
E esse novo comportamento, de alguma forma, mexeu com a família. Com ânimo de adolescente, e uma vontade de viver que aflorava o espírito, começou a frequentar os bailes da cidade. Ermelinda não ia. Simplesmente, porque não gostava daquilo. Então liberou o marido. E o “menino” não perdia um deles.
“Ele tinha uma turma que saía com ele. Dançava tanto que levava mudas de roupa. Quando molhava uma de suor, ia ao carro e pegava outra”, destacou João. Martin também ficou conhecido nos bailes de carnaval do antigo e extinto Clube Mourãoense. Ali era o rei. Dançava tanto que ganhou todos os prêmios possíveis como o melhor folião. Definitivamente, um homem que nasceu à dança. E sem beber.

Vídeo feito antes da demolição:
Hotel Loydi
O Loydi encerrou as atividades há cinco anos. Mas só agora foi demolido. Isso porque um investidor, Amauri Barbosa Leite, comprou o terreno recentemente. E ali, fará um novo edifício, voltado às lojas comerciais. De certo modo, como Maria Inês definiu, “o velho dando chance ao novo”.
Quando fechou as portas, em 2020, o hotel ainda mantinha dez funcionários. Dois deles com 42 anos de casa. “Tive os funcionários como minha família. Somos amigos até hoje. Honramos cada direito deles”, disse João.
Mas mesmo distante do empreendimento há cinco anos, o casal confessa que não foi fácil vê-lo ao chão. “Não me deu tristeza. Mas veio um filme na minha cabeça”, explicou João. Para Maria Inês, ao ver o monte de entulhos, uma cena invadiu a sua mente. “Fiquei ali parada e lembrando da imagem do meu pai, de chapéu, ensinando o pedreiro a colocar o tijolo. Doeu no coração”, disse. Hoje os dois estão aposentados. Receberam um belo valor pela venda. E continuarão vivendo com as memórias de uma vida inteira diante do hotel. História que não se apaga. Em tempo, Ermelinda morreu em 1997, vítima das consequências de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Meses antes de morrer, Martin havia confidenciado a um amigo: “Tenho 80 anos bem vividos”.