Marcelo, o garimpeiro do passado

Marcelo Ricciardi é um sujeito diferenciado. Se antes não gostava muito do “trampo” da antiga empresa – fazia cotação de alimentos -, agora, a parada é outra. Ele abriu o próprio negócio ainda em 2012. E, mais do que ninguém, desempenha a função com muito prazer. Uma satisfação vista no brilho dos olhos. No sorriso à cada cliente. Marcelo se tornou um garimpeiro. Mas não da terra. Um garimpeiro de antiguidades. Trabalha hoje com objetos do passado. Lembranças de coisas que, definitivamente, não voltam mais.

Nascido em Jandaia do Sul, interior do Paraná, Marcelo está com 47 anos. Mas embarcou rumo à Curitiba ainda aos quatro, ao lado dos pais. Lá, desde menino, tomou gosto por objetos antigos. E a coleção teve início sem uma explicação, não compreendida até hoje. “Não tem explicação. Desde pequeno 7, 8 anos, eu já gostava e guardava objetos antigos da família no meu quarto. Tenho até hoje vários objetos dessa época, nunca me desfiz”, disse.

Os objetos guardados até hoje compreendem uma licoreira em porcelana japonesa, esculturas chinesas em madeira da década de 40. E caixinhas antigas em marchetaria, em bronze. Na época ele nada comprou. Tudo veio da própria família. Fosse outra pessoa, certamente os objetos já teriam sido doados, vendidos. No entanto, no caso de Marcelo, as coisas do passado, eram o prenúncio do que o aguardaria no futuro.
Pragmático, Marcelo não terminou os estudos. Parou cedo. A determinação era encarar o mercado de trabalho. Grana no bolso. Foi então que adentrou a uma empresa da capital. Sua função era ficar o dia todo em busca de melhores preços a alguns alimentos. E ele já estava de saco cheio daquilo. “Ficava em busca, por exemplo, do melhor preço de bacon”, lembrou.

A ideia em deixar o trabalho veio somente em 2011, graças às próprias quinquilharias que guardava em casa. Como eram muitos objetos, eles acabaram sendo entulhados na garagem. E isso, culminou no desespero da própria esposa, Liliana. “Em 2011, a patroa me pediu pra fazer uma organização naquilo tudo. E, mais adiante, pensamos em nos desfazer de alguns objetos. Foi quando organizei uma feira de garagem, em agosto”, disse.

Embora angustiado em se desfazer das antiguidades, por outro lado, viu a entrada de muito dinheiro. Marcelo e Liliana venderam quase tudo. A feira havia sido um sucesso, de público e renda. Sem maiores pretensões, o que havia sido apenas uma maneira de arrumar a garagem de casa, o direcionou a abrir a própria loja. Uma empresa diferente. Um negócio capaz de atrair pessoas interessadas em retornar ao passado. E, agora, com o destino selado, Marcelo se transformou em um garimpeiro. Não havia mais voltas. Comprar bacon agora, era coisa do passado.

Empresa
Foi então que hasteou a bandeira da liberdade. Chutou o antigo emprego e alugou a sala comercial que havia emprestado à sua feira, no bairro do Bacacheri, em Curitiba. E foi ali onde tudo começou. Com a empresa inaugurada em abril de 2012, via em suas empreitadas – de comprar e vender antiguidades -, uma paixão única. “Cara, descobri que era aquilo que queria fazer pro resto da minha vida. Nunca mais parei”, revelou.

A satisfação no que passou a fazer rendeu, em 2014, um certificado do Sebrae de “Loja inovadora no seguimento”. “Minha esposa é designer. Então eu garimpava as antiguidades e ela arrumava a loja. Tudo é bem iluminado, limpo, e em composição. Ninguém na época fazia isso. O Sebrae levou 25 empresários de todo o Brasil para conhecer a loja e mostrar que é possível inovar em qualquer área”, disse Marcelo.

O garimpo
Marcelo explica que antiguidades não têm endereço certo. Então não adianta procurar por “tal” peça que não será encontrada. “Tem que ir juntando basicamente o que aparece. Eu faço muitas viagens, sempre com algum contato já estabelecido. E a partir disso, vou garimpando informações até chegar em algum lote maior de peças”, explicou. E as coisas antigas não estão longe, não. Podem estar no próprio bairro. No próprio quarteirão. Na casa do vizinho. Ou na família. “Basta conseguir essa abertura com as pessoas e pronto, já sai um garimpo. Um rádio aqui, uns discos de vinil ali”, lembrou.

No seu caso, ele dá preferência em sempre negociar lotes grandes. Isso porque a negociação com uma peça, apenas, o preço pode inviabilizar a revenda. “Junta tudo que a pessoa tem de antiguidades e faz uma proposta de valor maior. Aí distribui o preço nas peças em valores dentro do valor de mercado”, ressalta. No ramo de antiguidades, infelizmente, as pessoas dificilmente tem noção de valores. Muitas vezes querem vender pelo dobro do que realmente elas valem.

E nem tudo é fácil de ser negociado. Marcelo conta que há um ano vem tentando comprar um antigo fogão, de 1952, praticamente novo. “Ele é da própria pessoa, desde novo, quando saiu da loja. Está em um perfeito estado”. A loja também já teve dois projetores de cinema americanos, com dois metros de altura, e a carvão, da década de 30. Eles pertenceram ao Cine Hollywood. E foram vendidos em 2015, por R$70 mil. Atualmente, a Nova Garagem – empresa de Marcelo -, mantém desde carros antigos a peças pequenas como pins de políticos, como a vassourinha de Jânio Quadros, de 1960.

Tiro no pé
Às vezes, nem mesmo o empreendedor sabe ao certo o valor dos objetos que adquiri. Há alguns anos. Marcelo comercializou peças que, depois, descobriu que valiam muito mais. Isso aconteceu com um quadro de Helena Wong, de 1944. Na época ele o vendeu por míseros R$150. “Hoje o quadro está numa galeria em São Paulo por alguns milhares de reais”, lamentou.

Uma placa esmaltada da Shell, da década de 30, foi vendida por R$300. Hoje, está avaliada por R$16 mil. Outra placa dos cigarros Olga, de 1901, foi negociada por Marcelo por R$250. Agora, está num site italiano por quase três mil euros. “Mas isso não me afeta. Acho que essa é a graça das antiguidades. E gosto que tenham peças na minha loja com preço “errado”. Deixa as pessoas animadas pra sempre voltarem”, disse.

Serviço
A Nova Garagem está também no Instagram. Lá, estão fotografias e valores de muitos itens destinados à venda.