Marcos Cunha e as dores da crueldade

Às 8h da noite, de 28 de agosto de 2018, a mãe de José Marcos Cunha, Amélia, pediu ao filho mais cuidado com as amizades. Minutos antes do conselho, ele comunicou que sairia com alguns recém conhecidos. Então, sempre vaidoso, tomou um banho, arrumou o cabelo, passou perfume e colocou uma roupa impecavelmente bem passada. E saiu por volta das 22h. Nunca mais voltou. Ignorando o pedido da mãe, caiu numa emboscada. Foi covardemente golpeado com facas e, consequentemente, morto por três homens – um deles menor, na época. Como último ato da barbárie, os assassinos ainda enrolaram o corpo em um cobertor, e atearam fogo.

Possivelmente, os avisos da mãe já eram uma espécie de presságio. Isso porque, 28 anos antes de sua morte, Amélia teve um sonho jamais esquecido. “Sonhei que fui ao enterro do meu pai. Mas quando olhei para o caixão, era meu filho Marcos. Lembro das árvores se mexendo, dos muros do cemitério. Quando fui enterrar meu filho, como um déjà vu, tudo o que havia sonhado estava acontecendo. No sonho, ainda eu falava que aquilo não era verdade. Porque era o sentido oposto da vida. Eram os filhos que enterravam os pais. E não o contrário”, disse Amélia.

Marcos, como era mais conhecido, acabou pagando o preço de sua camaradagem. Jamais, em toda sua vida, rejeitou um só convite. Com bom coração, não media esforços em ajudar amigos, colegas e até, recém conhecidos. Por onde andou, deixou marcas. Marcas do bem. A família não se esquece de um bom filho. Um ótimo irmão. Era zeloso com os seus. Demonstrava carinho nas palavras. Nobreza nos atos. Definitivamente, um ser humano polido. Emoldurado por belos exemplos.

Conta a mãe que, dentre suas características, a mais notável, era sem dúvidas a vaidade. Ao contrário dos irmãos, que sempre se entregaram à lavoura, na labuta da terra, ele preferia os trabalhos distantes à sujeira. Não que evitasse o prazer em trabalhar. Mas, simplesmente, preferia ficar bem arrumado, limpo e com as roupas impecáveis. Anos antes da tragédia, foi com a mãe até Maringá. Lá, através de um cirurgião plástico, diminuiu queixo e nariz. Virou galã. Um sujeito, como se diz por aí, boa pinta.

Marcos era o mais velho de quatro irmãos. Uma família com origens na agricultura. Nasceu e foi criado na fazenda, em Boa Esperança. Aos 15 anos, mudou com o pai, a mãe e os irmãos a Campo Mourão. Era o ano de 1984. Na cidade, ele desfilava com um Escort XR3 amarelo. Um carro caro e provavelmente, único até então. E desde ali, com uma personalidade humilde, já colecionava um vasto rol de amigos.

A família ficou na cidade até 1994, morando a seguir no Mato Grosso, Santo Antônio do Leste. Nesta época, Marcos era dono de um Haras, na saída para Peabiru. Ele vendeu a propriedade e se mudou para Santa Catarina, indo na direção oposta à família. Foi nos anos 90, quando Marcos descobriu uma paixão que moveria sua vida: cavalos.

Em Santa Catarina Marcos permaneceu cerca de um ano. Mas sempre unido à família, acabou retornando ao Mato Grosso, onde morou na fazenda, junto aos irmãos. Passado mais um período, se mudou à Primavera e, depois, à Cuiabá, quando começou o curso de jornalismo, embora não tenha terminado.

Mas com a venda da fazenda, pelo pai, Marcos herdou parte da grana e retornou a Campo Mourão. Então, desde 2008, se aprimorou a criação de equinos. E era bom no que fazia. Adestrava os animais, passando a ficar famoso no estado. “Ele comprava um cavalo por R$ 10 mil e vendia mais tarde por R$ 300 mil. Eles se valorizavam na mão dele. A partir daí, começou a ganhar dinheiro com isso. E, se antes só tinha prejuízo como hobbie, agora o negócio era profissional”, disse Marcelo, o irmão caçula.

O equinocultor sempre tinha um sorriso fácil. Era um homem aberto às pessoas, pronto a ajudar. Segundo amigos, mais escutava do que falava. Era um homem honesto com seus negócios. E o respeito com outras pessoas, era uma de suas características, sempre presente a sua personalidade.

Amélia lembra do coração enorme do filho. Como da vez que cedeu um dos seus cavalos a uma rifa. O objetivo era simplesmente arrecadar grana para o tratamento de câncer de um amigo, de Araruna. E ele conseguiu. Mas mesmo com dinheiro aos procedimentos, o amigo não suportou a doença, e morreu dias depois.

Amigo de Marcos por 20 anos, Cezar Junior Basílio, 55, disse que a amizade foi um presente dado por Deus. “Era uma pessoa boa de coração. Não tinha maldade. Tinha muitos amigos em todo lugar. Ele faz muita falta”. Juntos, tinham o mesmo apreço por cavalos. Ele se recorda que Marcos ia até o seu rancho duas vezes por dia. E lá, além de lidar com os equinos, aproveitava para tomar um cafézinho e colocar o papo em dia.

“Depois que ele morreu eu me casei. E até hoje eu e minha esposa lembramos que, se ele estivesse vivo, seria um dos nossos padrinhos. Sempre falei pra ele esse meu desejo. Mas a tragédia veio antes”, disse Cezar.

Marcos jamais se casou. Mas teve um filho, hoje com 25 anos, fruto de uma relação com uma ex-funcionária do haras que comandava. Segundo a família, como pai, dava muitos conselhos ao menino, principalmente, por acreditar em Deus. “Ele ia bastante à igreja. Era religioso e com uma fé muito grande”, lembrou Marcelo.

Marcelo disse que Marcos não tinha defeitos. “Era muito querido. Muito bonzinho. Não fazia mal pra ninguém. O melhor irmão que eu podia ter. Era muito simples e com uma humildade difícil de se ver”, afirmou. Já Amélia, a mãe, disse que, após a sua morte, a vida perdeu o sentido. “Com a ida dele, 50% da minha vida foi junto. Eu não saio mais de casa e passei a ficar doente depois da tragédia. Não sou mais a mesma mulher de antes”, disse.

Amélia revela que todos os dias tenta se esquecer do acontecido. Mas as marcas da dor insistem em continuar. “Parece que ainda vejo ele chegar. Tirar as botas, conversar comigo. Era meu companheiro. Morava comigo. Meus Deus, é muita dor até hoje”, disse.

O crime

No dia 28 de agosto de 2018, Marcos saiu de casa, foi até um bar e comprou uma vodka e um guaraná. Em seguida, por volta das 23h, adentrou a uma quitinete. Lá estavam Luiz Fernando de Morais, 19, Paulo Henrique Morais Ribeiro, 17, e Carlos Daniel Javorski, 18, que mal o conheciam. Mas que haviam planejado o matar e depois, levar a sua camionete para vender no Paraguai.

Após ingerirem as doses etílicas, Marcos foi esfaqueado, morrendo no local. Em seguida levaram o corpo envolto a um cobertor até aos arredores da Usina Mourão. E como uma espécie de vingança, atearam fogo ao corpo. Eles foram presos um dia depois do crime e sem a camionete. Na tentativa de roubá-la, acabaram a destruindo num barranco da estrada.

Mesmo condenados, todos foragidos

Como consequência direta dos seus atos, Luiz e Carlos foram julgados e condenados a 22 anos de prisão, cada um, em regime inicial fechado. Já o menor ficou apreendido e depois de alguns meses foi posto em liberdade. As defesas dos dois sentenciados apelaram à justiça. Mas todos os recursos foram negados

Luiz até ficou preso, mas por apenas um ano. Ele estava jurado de morte na cadeia de Campo Mourão, segundo foi levantado. Por esta razão foi transferido à cadeia de Iretama. Lá, fugiu em 04 de outubro de 2019. E nunca mais foi preso.

Carlos seguiu os mesmos passos do comparsa. Ele foi preso em agosto de 2018, fugindo da cadeia de Campo Mourão em maio de 2022. De uma certa forma, a justiça não está sendo feita à família. “Essa é a justiça brasileira”, disse Marcelo, irmão da vítima.