Modelo de ressocialização na Penitenciária de Campo Mourão é retratado em documentário
“Re-Nascer: a jornada para a ressocialização” é o nome do documentário produzido na Penitenciária Estadual de Campo Mourão (PCM). O curta-metragem de aproximadamente 23 minutos de duração retrata todo o trabalho que vem sendo realizado na unidade prisional, pautado nos pilares da estrutura física e organizacional, família, assistência religiosa, educação, cultura, esporte, reinserção social e trabalho.
O projeto visa tanto assegurar os direitos das pessoas privadas de liberdade – pautados na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) – quanto proporcionar o retorno dos futuros egressos à sociedade, evitando a reincidência no crime, a fim de que eles possam se reintegrar à comunidade. Em entrevista à TRIBUNA, o diretor da Penitenciária de Campo Mourão, idealizador e roteirista do documentário, Fabiano Gustavo de Castro, falou sobre a iniciativa e adiantou o conteúdo abordado no material audiovisual, que, em breve, será disponibilizado para a sociedade.
Segundo o diretor, o trabalho iniciou com observações feitas por ele mesmo da realidade e das necessidades dos detentos na unidade desde que ele chegou a Campo Mourão, em 2020, na época, atuando como chefe de Segurança e Disciplina, diretamente na carceragem. Alguns anos depois, quando assumiu a diretoria da Penitenciária, Castro iniciou um projeto mais específico para atuar no trabalho de ressocialização dos presos. “Eu pude pôr em prática tudo aquilo que eu pensava e via, de forma mais direta”, disse.

Por isso, atualmente, os 505 homens que estão detidos no estabelecimento penal participam do projeto denominado “Ressocialização na Penitenciária Estadual de Campo Mourão (PCM)”, viabilizado pelo Governo do Paraná, por meio da Secretaria de Segurança Pública (Sesp), pelo Departamento de Polícia Penal (Deppen) e pela Coordenação Regional de Umuarama.
Castro explicou que o documentário – cuja produção foi dele próprio, com o apoio dos amigos Gabriel e Lugano – contou com a participação de cerca de dez pessoas, entre profissionais e voluntários que trabalham no local, empresários da cidade, familiares de detentos e os próprios presos. A produção aconteceu ao longo do ano de 2024, finalizando as gravações em dezembro daquele ano.
Segundo o responsável pela iniciativa, agora que está devidamente aprovado pela assessoria de comunicação do Deppen, a intenção é apresentar o curta-metragem à sociedade ainda neste mês, mas os detalhes estão sendo definidos e serão informados em breve. Também pretende-se disponibilizar o vídeo posteriormente em alguma plataforma de streaming, para que todos possam acessá-lo e conhecer o trabalho que vem sendo feito no local.
Castro descreveu com gratidão o modelo de ressocialização implantado na PCM, retratado no documentário. “É extremamente gratificante quando você vê um preso que está saindo em liberdade te abraçar, chorando e agradecendo; não tem preço”, afirmou, dizendo que essa é a maior demonstração de que o trabalho está gerando resultados positivos reais e que a equipe está no caminho certo.

O projeto
Com objetivos bem definidos – fomentar o engajamento social, comprovar que a ressocialização é viável, servir como modelo replicável para outras unidades e conquistar reconhecimento público e institucional – o projeto desenvolvido na PCM representa uma iniciativa essencial para a transformação do sistema penitenciário estadual.
Para Castro, a mudança no sistema penitenciário passa necessariamente pela reintegração social dos detentos. “O objetivo maior é mostrar para a sociedade que o futuro do sistema penitenciário só vai mudar através da ressocialização, não tem outro caminho”, expôs.
Por isso, o trabalho já inicia logo no que os apenados da região (sendo a grande maioria de Campo Mourão, conforme pontuou Castro) ingressam na unidade, passando por triagem. “Aqui, a gente analisa quem pertence à facção, quem não quer participar do projeto de ressocialização. Esse é o diferencial”, comentou.
Caso pertença a alguma organização criminosa ou cometa falta grave, como porte de celular ou drogas, o detento é transferido para outra penitenciária. Assim, a disciplina é exigida como em qualquer outra unidade prisional, mas o foco ali é na transformação.
Castro acredita que investir em pessoas é mais eficiente do que construir mais presídios. “Se colocar todos os presos juntos, faccionados, aqueles que são bandidos e não querem mudar de vida mesmo e os demais, no final, você vai só gerar mais pessoas para o crime, porque eles são influenciáveis facilmente”, argumentou.
Ele destacou que a manutenção de um detento custa cerca de R$ 4 mil por mês, enquanto a construção de uma penitenciária chega a R$ 20 milhões. “Esse dinheiro, ao invés de sustentar mais presos e construir mais penitenciárias, pode ser investido lá na educação”, afirmou. Além disso, ressaltou que para fazer o trabalho de ressocialização, não tem custo algum a mais, basta fazer um projeto, alinhar as necessidades e executá-lo.

Pilares
A PCM desenvolve o trabalho de forma estruturada e humanizada que abrange desde a limpeza e ordem do espaço até um atendimento digno aos detentos. No que se refere aos direitos básicos à saúde, por exemplo, com apoio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (Pnaisp), do Governo Federal, a unidade conta com médico, dentista, técnico de enfermagem e auxiliar de saúde bucal atuando permanentemente. “Com isso, a gente tira os presos de circulação na sociedade, para serem atendidos nas UPAs ou nos hospitais, só em caso de urgência e emergência”, informou.
No campo jurídico, há parceria com a advocacia do Estado, com atendimento individualizado. “A Defensoria é bem atuante aqui”, comentou Castro, afirmando que os detentos têm clareza sobre seus processos, penas e direitos.
A família também é vista como peça fundamental. “Se você ressocializa o pai, o pai vai dar exemplo para o filho que o crime não compensa, consequentemente, ele não vai querer entrar no crime também”, analisou o diretor. Por isso, há cuidado desde a estrutura das visitas até o ambiente de permanência. “A visita aqui tem uma revista humanizada, não precisa se despir nem passar por constrangimento nenhum”, destacou, citando o uso do sistema “body scan” para esse processo.
📊 Em números
- 505 presos participam do projeto de ressocialização na PCM.
- 23 minutos é a duração do documentário “Re-Nascer”.
- Desde 2020, o diretor Fabiano Castro atua na penitenciária.
- Mais de 20 cursos profissionalizantes foram ofertados em 2024.
- 5 presos foram aprovados no vestibular da UEM (EaD).
- 12 apenados estão escrevendo autobiografias.
- 8 religiões estão ativas dentro da unidade prisional.
- R$ 4 mil/mês é o custo médio por preso no sistema.
- R$ 20 milhões é o custo estimado para construir uma penitenciária.
- 0 custo extra para desenvolver o projeto: é feito com organização e parcerias.
No âmbito da educação, a unidade já alfabetizou todos os detentos por meio do projeto “Alfabetiza Zero” e da atuação voluntária de uma professora aposentada. Há incentivo em todas as etapas da escolarização, da educação básica ao ensino superior, com participação no Encceja, Enem e vestibulares.
Cinco presos foram aprovados em vestibular na modalidade de Educação a Distância (EaD) da UEM e já iniciaram a graduação. “A gente não quer parar por aí”, revelou Castro, que pretende ampliar o acesso à pós-graduação. Em 2024, mais de 20 cursos profissionalizantes também foram ofertados, e 12 apenados estão escrevendo autobiografias com o apoio de voluntários para futura publicação.
A cultura também é incentivada com banda, escola e estúdio de música próprios. A banda da PCM já se apresentou em espaços como OAB, Unespar e até no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. “A gente participa desses eventos como forma de tentar aproximar a penitenciária da sociedade”, pontuou. A penitenciária conta, ainda, com uma rádio gospel e um podcast semanal com convidados escolhidos a partir de temas de interesse dos próprios detentos.
A prática esportiva é incentivada com campeonatos internos semanais, e a reinserção social é promovida por meio de visitas técnicas e participação em projetos sociais. Na dimensão espiritual, oito religiões estão ativas na unidade, promovendo retiros, batismos, casamentos e ações que contribuem para remissão de pena, como leitura bíblica e cursos religiosos.
O trabalho, outro pilar considerado fundamental nesse processo, envolve a especialização de mão de obra dentro e fora da unidade. Presos ensinam e aprendem atividades como barbearia, cozinha e estamparia, além de atuarem em hortas, obras e serviços de manutenção. Parcerias com a Santa Casa, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e convênios com empresas viabilizam essas oportunidades.
Para Castro, muitos apenados nunca tiveram uma chance real. “Tem pessoas que não tiveram nenhuma chance. Eles falam segunda chance, mas eu falo a primeira, às vezes, para alguns, que nunca tiveram uma chance quando estavam em liberdade”, ponderou. Agora, ele planeja aprofundar a análise dos resultados para formalizar o modelo de ressocialização que é aplicado no local, em forma, por exemplo, de artigo científico, para, inclusive, inspirar outras unidades prisionais do estado e, até mesmo, do país.