O dia em que Darci renasceu

Pantanal Mato-Grossense, 15 de novembro de 2023. Eram 15h quando um avião Cessna, modelo Skyline, avista a pista de pouso de uma fazenda conhecida como “Riozinho”. Tempo bastante seco e de intensa falta de visibilidade, principalmente, em decorrência da fumaça. A aeronave, de Campo Mourão, levava o piloto e empresário mourãoense, Darci Legnani, outros dois médicos – um também da cidade -, e um empresário, de Coxim. Mas o que seria um voo tranquilo, com um final de semana reunindo quatro amigos numa pescaria, por pouco não terminou em tragédia.

Após se alinhar à pista, o avião flapeou, diminuindo a velocidade. Então iniciou o pouso e, quase que imediatamente, uma forte batida aconteceu. E consequentemente, um capotamento. Sem quase nenhuma visão, não se sabia, até aquele momento, que a pista estava obstruída com montes de terra. Colocados ali para afugentar possíveis aviões destinados ao tráfico de drogas. O impacto foi iminente e o trem de pouso parou na terra. Depois disso, o avião tombou a uma velocidade de 120 Km por hora.

Desesperados, assustados e com medo de um possível incêndio, os quatro não levaram nem cinco minutos para deixarem a aeronave. Os dois médicos nada sofreram. O empresário teve fraturas em uma das pernas. Já Darci bateu com o rosto no painel, lesionando o olho direito. Ele também fraturou um dos tornozelos.

Agora, longe do avião, a comemoração pela vida foi de intensa emoção. Mesmo vendo arranhões, escoriações, hematomas e até ferimentos graves, estavam vivos. Um grande e enorme susto, como ressaltou Darci. Piloto há pelo menos 45 anos, ele detinha mais de cinco mil horas de voo, somente com aquela aeronave. “Foi um susto e tanto. Mas não tínhamos velocidade para morrer. Foi como uma batida de automóvel”, disse ele. Darci ainda enfatizou que, mesmo à frente da pista, a fumaça não permitiu que os montes de terra fossem visualizados.

Com a pancada, um dispositivo do avião, conhecido como ELT – Transmissor Localizador de Emergência, foi acionado. Ele é emitido após avarias de grande impacto. Quase sempre, com quedas. Então, o sinal apareceu em Curitiba. E lá, comunicaram ao aeroporto de Campo Mourão. Imediatamente, a informação foi repassada ao genro de Darci, João, que também é piloto.

Hoje, três meses após o trauma, Darci está com 50% de sua visão, do olho direito, comprometida

Ele estava em sua casa, ao lado da filha e da esposa, Fabiana, filha de Darci, quando o celular tocou. Sabendo que as notícias não eram boas, saiu de perto da família, passando a conversar na cozinha. Mas a esposa desconfiou de algo. E veio ao seu encontro. “Meu marido estava suando. Estava com outra cor. Sentia que era alguma coisa relacionada ao meu pai”, revelou Fabiana.

Sabendo agora da informação e, para piorar, sem notícias do pai, Fabiana iniciou buscas próprias através do Google. Até aquele instante, tudo o que sabia era que o ELT apontava o avião na Fazenda Riozinho. Mas aonde ela ficava, Fabiana desconhecia. “Cliquei no Google e lá mostrou uma fazenda com o mesmo nome perto de Corumbá. Então liguei num hotel de lá e a mulher disse que havia acontecido um acidente sim. E que todos estavam vivos e bem. Mas como acreditar que todos estavam vivos numa queda de avião”, questionou ela.

Enquanto a família de Darci corria em busca de maiores informações, lá, os quatro amigos eram socorridos e levados até o hotel local. Eles estavam a cerca de 50 Km de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Dos quatro, apenas Darci mantinha ferimentos mais severos. O olho sangrava e, mais tarde, descobriria que se submeteria a uma cirurgia emergencial.

Distantes de um hospital, o jeito foi se virar até que o resgate chegasse. No quarto do hotel, Darci utilizou fraldas para conter o grande sangramento do olho. Além disso, mantinha fortes dores em quase todo o corpo. “Lembrei que tinha alguns remédios na mala. Então tomei um deles, contra a dor. E apaguei até o dia seguinte”, lembrou.

Resgate

No dia 16, às sete horas da manhã, um helicóptero militar pousou na região do acidente. Resgate a caminho. E foram levados até um hospital de Campo Grande. Lá, Darci recebeu a notícia de que o olho havia se rompido. Preocupados com a sua saúde, o genro e a filha saíram de Campo Mourão, de carro, à Campo Grande, onde o encontraram.

Com a gravidade do ferimento, a família preferiu levar Darci até Umuarama, onde tinham um médico oftalmologista já, a sua espera. Para isso, requisitaram um avião com UTI médica para o transporte. E conseguiram. A aeronave saiu de Curitiba mas, próximo a Campo Grande, acredite, teve que retornar. Isso porque o para-brisas havia trincado, em pleno voo. Agora, sem céu, sobrou a estrada.

Com dores e ainda abatido com tamanho susto, Darci adentrou ao carro da filha e, após ingerir, na marra, dois comprimidos de Lexotan, apagou, acordando apenas em Umuarama. Lá, passou por cirurgia e, dois dias depois, já estava em Campo Mourão. Passados mais dias, enfrentou outro procedimento. Desta vez no tornozelo.

Darci acredita muito em Deus. Revelou que, apesar do susto, agradeceu por estar vivo, podendo narrar sua história. Antes do acidente, pousou outras quatro vezes em pistas do Mato Grosso. Sempre com destino às pescarias. Nunca, na estrada, ou nos céus, passou por algum tipo de acidente, susto, ou seja lá o que mais. Esta foi a primeira e única vez nos seus quase 77 anos de vida. E muita vida.

Hoje, três meses após o trauma, Darci está com 50% de sua visão, do olho direito, comprometida. No entanto, uma segunda cirurgia, em algumas semanas, promete consertar o estrago. Quanto a fratura do tornozelo, esta já está quase zerada. Ele ainda caminha com alguma dificuldade. Mas é só uma questão de tempo. Diferente do avião, que foi completamente destruído. Ele o mantém guardado em uma das garagens da empresa. Uma espécie de recordação. E, ao mesmo tempo, uma celebração à vida. E quantas pessoas podem se dar ao luxo em celebrar após um acidente de avião?