O último ato de Luiz e Mara

Luiz é um sujeito aguerrido. Daqueles perspicazes. Sempre lutou por seus ideais. E, um a um, os alcançou. Trabalhador desde menino, jamais fugiu das batalhas. E honrou cada compromisso. Autêntico, conversador, inteligente, figurou à frente do Bar Progresso nos últimos 30 anos. Na verdade, 10.963 dias. A saga termina amanhã. Após cessar o movimento do almoço, as portas não mais abrirão. A missão foi cumprida. Aos fregueses adeptos das boas rodas de prosa, favor procurar um outro “Luiz”. Mas, será difícil encontrar. 

Você pode até não conhecê-lo. Mas, ao chegar ao bar, encontrará um baixinho, com a camiseta surrada com os dizeres “Lanchonete Progresso”. Ele usa um avental branco. Está de shorts. Tênis. E correndo pra lá e pra cá. Atencioso, passa de mesa em mesa. Antes da cerva acabar, outra já chega. E, a cada aproximação aos clientes, uma piada pronta. Luiz sempre está bem humorado. Uma de suas principais características. Possivelmente, a maior atração aos fregueses. E como é bom ser atendido com um sorriso. Luiz descobriu isso cedo. É da sua alma.

Obviamente, Luiz não obteve sucesso sozinho. A casa sempre cheia, especialmente, aos finais de semana, é resultado de um casamento harmonioso. Mara é quem o “suporta”. Enquanto o marido enfrenta a batalha da frente, ela atua nos bastidores. Fica na cozinha. E da todo o suporte das delícias ali servidas. Na verdade, o casal é um tipo de arroz e feijão. Sem um, o outro não existiria. 

Luiz começou a arregaçar as mangas ainda aos dez anos. Arrumava caixas de hortifrúti em uma empresa de Campo Mourão. Ficou lá, até os 15. Depois iniciou na Caixa Econômica Federal. Permaneceu até os seus 21. Ao sair, abriu o “boteco”. A Lanchonete Progresso. Nome sugestivo a uma família que conquistou tudo o que almejava. Com a lanchonete, criou a filha. Hoje, ela é uma cirurgiã dentista.  

Luiz e Mara tiveram apenas uma filha. No dito popular, o “consórcio” terminou. Mas, ainda criança, ela ajudava no bar. E sempre foi assim. Uma família unida em razão de um único objetivo: prosperar. Mas se tudo deu certo, porque então fechar as portas? Por um simples motivo: Luiz e Mara se aposentaram. Querem agora curtir a vida. Nos 30 anos de bar, foram poucas noites bem dormidas. Fechavam já pensando em reabrir. Três décadas almoçando em pé, atrás do balcão. Não tinham tempo para si. Agora, chegou a hora de parar.  

Histórias

Luiz prefere não mencionar nomes. Mas algumas histórias marcaram o local. Certa vez, num domingo de assados, chovia intensamente. Já eram quase duas da tarde. Luiz havia retirado as estufas e baixado as portas até a metade. Um cliente apareceu para apanhar a encomenda: um frango assado. Desceu do carro e, correndo sob a chuva, pisou na calçada. Além de molhada, estava encharcada com óleo dos assados. O primeiro passo, foi também o último. O sujeito levantou com as duas pernas ao ar. Caiu de costas. 

Envergonhado, levantou rapidinho. O objetivo era entrar e apanhar o “galináceo”. Mas não se abaixou o suficiente para passar pela porta. “Ele deu uma cabeçada e caiu de costas, de novo”, lembra Luiz. Em seguida, os funcionários o acudiram. Levaram uma toalha. Ajudaram a se levantar. “Aí ele falou pra mim: depois dessa eu mereço uma latinha de cerveja”. O resultado foi trágico. Como ele ainda estava molhado pela chuva, ao segurar a maçaneta da geladeira das bebidas, levou um choque de 220V. Caiu de costas, pela terceira vez. “Ele olhou pra mim, ainda no chão, e disse: hoje eu não sei se chego vivo em casa”. 

Num outro domingo, adentra ao bar um sujeito normal. Não estava bêbado. E acabara de estacionar a bicicleta. Luiz estava acompanhado de um compadre. Juntos, tomavam um cafezinho. O camarada se sentou e pediu um conhaque cheio. “Eu enchi o copo e dei pra ele. O cara virou num gole só. Do jeito que tomou, já caiu roncando”, disse Luiz. Então, com um quase cadáver ao chão do boteco, Luiz se preocupou. Primeiro viu que o rapaz respirava. Apenas dormia, profundamente. Mas já eram quase dez da manhã. O movimento iria começar. 

O compadre pegou o sujeito pelas pernas e, Luiz, pelos braços. A ideia era retirá-lo. Já, na calçada, tentaram acordá-lo. Sem chances. Mais preocupado ainda – os clientes iriam começar a chegar, Luiz então deu a ideia em levar até a esquina. Lá, o corpo repousou tranquilamente até acordar. A magrela foi junto. “Já coloquei ela virada pra baixo. Porque, na descida todo santo ajuda né”.