Os desafios das Santas Casas

São dois hospitais, distantes 80 quilômetros, regidos pela mesma missão, a filantropia. Igualmente, recebem recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas vivem realidades bastante diferentes. No entanto, se a Santa Casa de Campo Mourão mantém um déficit mensal de quase R$800 mil, a de Maringá, registra saldo positivo. Para tentar entender as diferenças de cada uma, a TRIBUNA conversou esta semana com José Pereira, superintendente administrativo da entidade maringaense.

Pereira é um sujeito tranquilo. Mas sério. Com uma explicação de fácil entendimento, foi muito pragmático: “Não é fácil administrar um hospital filantrópico. É importante ter uma gestão profissional. Enxugar gastos. Manter um processo de humanidade, de assistência. E acima de tudo, equilibrar a balança entre custos e arrecadação”, disse.

Hoje, a Santa Casa de Maringá tem 65% de seus recursos através do SUS. Outros 35% vem através de particulares e convênios. Somente o plano “Santa Casa Saúde”, uma operadora criada pela própria entidade, possui 43 mil usuários. Certamente, a fonte necessária para o equilíbrio das finanças. “Além do nosso convênio atendemos muitos outros, além de particulares que nos procuram”, explicou.

No caso de Campo Mourão, segundo dados do município, convênios e particulares não ultrapassam os 8% dos recursos. “O Ministério da Saúde sugere que um hospital como a Santa Casa tenha pelo menos 40% da arrecadação fora do SUS”, disse o prefeito Tauillo Tezelli. A entidade mourãoense atende alguns convênios. Mas não possui uma carteira com seu próprio plano.
Fundada em 1954, a Santa Casa de Maringá foi criada por um grupo de agricultores e empresários locais. Na época, a ideia era ter um hospital também voltado a atender trabalhadores rurais. Construída em madeira, vivia de recursos federais e doações. Mas as contas nunca fechavam, passando a ser habitual os déficits mensais.

A virada aconteceu em 1971 com o Bispo Dom Jaime Luiz Coelho. Cansados, com as contas no vermelho e sem a falta de uma gestão profissional, ele sugeriu passar a entidade às mãos de uma congregação religiosa, com sede na Alemanha. Ao baterem o martelo, as coisas começaram a mudar. Pelo menos, nas atitudes.

Então, ainda na década de 70, a Santa Casa de Maringá deixou a construção em madeira e voltou em alvenaria. A grana à edificação foi enviada pelo grupo religioso da Europa. Mesmo com déficits regulares, o equilíbrio financeiro veio após o ano 2000. Lá, a gestão entendeu que não existiam milagres. Então buscaram aumentar a arrecadação extra SUS. Com a criação do “Santa Casa Saúde”, de 2001 até 2020, a Santa Casa nunca mais teve saldos negativos. Ao contrário. Os superávits passaram a ser regulares, elevando o hospital a ser um dos mais conceituados do estado. Exceção das contas apenas nos anos de 2021 e 2022, muito em decorrência da pandemia.

“Todo o lucro da Santa Casa, ou seja, 100% do nosso superávit é voltado a treinamentos, benefícios aos funcionários, e a investimentos internos. É necessário que um hospital caminhe ao lado das novas tecnologias”, revelou Pereira. Hoje, além de manter um hospital moderno, a Santa Casa de Maringá é um, entre os 7% de quase sete mil hospitais brasileiros, a ter o Selo de Acreditação Hospitalar. Um certificado que atesta a eficácia e o comprometimento das unidades.
Hoje, são 1550 funcionários, além de outros 400 médicos, para atender 302 leitos. E um detalhe: a folha salarial não atrasa. E a fórmula é fácil de entender. Com dinheiro em caixa, não existem motivos para atrasos, seja de funcionários, ou de parceiros e insumos.

Na Santa Casa de Campo Mourão, a estrutura é menor. São 159 leitos e cerca de 600 funcionários. Mas neste caso, com déficits mensais, o atraso no pagamento aos médicos, infelizmente, não é raro. Existem informações de que alguns não recebem há meses. Um deles, inclusive, deixou o hospital pelas dificuldades em receber. De acordo com ele, a dívida tem mais de dois anos e é de valor considerável. Diante de todas as dificuldades, segundo levantado, a folha de funcionários, no entanto, – de quase R$2 milhões ao mês -, não tem tido atrasos.

Pereira explica que o grupo religioso da Alemanha não envia recursos. O dia a dia da unidade é mantido com a realidade brasileira. Mesmo assim, as contas são prestadas trimestralmente, com envio da transparência à sede da Europa. “Fazemos um trabalho correto, transparente e com autonomia. Hoje, nossa diretoria é composta por religiosos de Maringá”, explicou.
Assim como em Campo Mourão, a Santa Casa de Maringá detém várias “empresas” dentro do hospital. Pereira explica que é necessário administrar um restaurante (refeitório), uma lavanderia, um hotel (leitos), funcionários, terceirizados, além de um leque gigantesco de fornecedores. E, para toda a engrenagem girar, a palavra utilizada é uma só: “gestão”.

Além de todo o processo executado no hospital de Maringá, a diretoria ainda realiza pesquisas diárias com os pacientes. Há anos, segundo os dados, a satisfação é de 95%. Em Campo Mourão a Santa Casa não realiza nenhuma pesquisa. Lá, o que existe são urnas com formulários. Neles, as pessoas podem reclamar ou elogiar. De acordo com a instituição, em maio, 52% dos usuários disseram estar satisfeitos com os serviços.

Santa Casa de Campo Mourão em meados de 1956

A história da Santa Casa de Campo Mourão

A Santa Casa de Campo Mourão foi criada em 15 de janeiro de 1955. Disciplinada por estatuto, é uma associação civil, com personalidade jurídica de direito privado, de caráter beneficente e filantrópico. E sem fins lucrativos. Nas décadas de 50, 60, 70 e 80, atendeu em pelo menos três edificações.

Mas no final dos anos 80, mais precisamente, em abril de 1988, a atual diretoria definiu como meta a construção de um novo hospital. Agora, definitivo. O objetivo era garantir a qualidade e complexidade dos serviços médicos à toda região da Comcam.

À frente da instituição, o empresário e altruísta, Dilmar Daleffe, ao lado de um rol de vários companheiros de comunidade, lançaram em 29 de outubro de 1989 a pedra fundamental do que viria a ser o grande sonho regional.

Com doações de materiais de construção, do terreno, rifas e outras campanhas, a edificação teve início em abril de 1990. Então, diante do trabalho iniciado pela sociedade, o sonho começou a tomar corpo com a adesão de políticos da região, um deles, o então deputado federal Rubens Bueno. A partir de emendas parlamentares, o município também aderiu, garantindo uma contra partida de 20% dos recursos. No dia 27 de novembro de 2002, a Santa Casa era inaugurada, sendo apoiada por toda sociedade nos mais variados segmentos.

Hoje o Hospital Santa Casa oferece serviços médicos hospitalares em nível de grandes centros: em pediatria, ortopedia, maternidade, partos de alto risco, UTI adulto, UTI pediátrica, UTI Neonatal, centro cirúrgico que disponibiliza 09 salas cirúrgicas, internações clínicas, internações cirúrgicas, exames laboratoriais, apoio diagnóstico por imagem e farmácia. No entanto, mesmo com os sacrifícios do passado, o hospital vem travando uma luta desleal contra o equilíbrio financeiro. Aliás, praticamente, desde a sua fundação.

Nova presidente eleita recentemente, Mariceli Bronoski, tomou seu assento na última quinta feira (HOJE). Ela ainda não está a par da situação das finanças da instituição. No entanto, segundo ela, os dados financeiros serão analisados. “Precisamos ter a divisão exata dos custos do que é gasto com SUS e convênios. O que nesse momento, o controle da instituição não tem”, disse. Questionada se uma das metas é buscar a ampliação de mais recursos via convênios, revelou que, “antes de ter esse resultado e um controle eficiente, é prematuro fazer qualquer análise”.