Patrick venceu muitas batalhas contra o crack. Mas a guerra ainda não terminou

Há um ano e cinco meses Patrick está livre do crack. E nem sempre foi assim. Se drogou metade dos seus 34 anos. E, pelo vício, iniciou uma vasta carreira no crime. Roubou, traficou. Foi preso pelo menos cinco vezes. Na última, permaneceu sete anos. Mas, mesmo vivendo uma vida desregrada, doentia, ele sabia que aquilo, definitivamente, não era o que queria. Tentou se libertar do vício em três oportunidades. Fracassou em todas. Mas na quarta, conseguiu. Com a clemência dos freis franciscanos, seu passado continua no passado. Já o presente, se mantém firme, com o livramento e uma nova jornada: a missão em resgatar vidas.

Patrick de Oliveira acaba de trilhar um novo desafio: missionário. Seu objetivo é mostrar a outros, como ele, que as saídas existem. E estão próximas. Mas os ensinamentos não são fáceis. É difícil aos usuários do crack enxergar as saídas de emergência. A química é mais forte. E ela acaba levando suas vítimas, sempre, à escuridão.

A história de Patrick é um livro de tragédias. Nasceu em 1987, em Lages, Santa Catarina. A mãe, Ivonete, segundo ele, era mulher de programas. Logo ao nascer, foi “adotado” pela tia, Maria. Na verdade, a madrinha. E que, mais tarde, viria a se transformar na mãe, que nunca teve. “Jogado” no mundo, cresceu entre os muros de um orfanato. A mãe não conseguia sustentá-lo. “Minha mãe morava numa favela. Era muito pobre. Teve uma vida na prostituição”, revelou.

Menino inquieto, fugiu do orfanato por diversas vezes. Quando não ia a casa da tia, se abrigava nas asas da mãe. Aos dez anos, decidiu permanecer de vez com Ivonete. Foragido da entidade, foi acolhido na zona. E lá, era uma espécie de serviçal. “Eu acendia o cigarro para os clientes. Levava bebida. E, muitas vezes, cheguei a presenciar as cenas de sexo da minha própria mãe. Isso mexeu comigo. Não era fácil pra um menino aceitar aquilo”, disse.

Cansado daquele ambiente, fugiu. E ganhou as ruas. Usou maconha, passou a fumar cigarros e a beber. Mas ele era muito inquieto. Bastava cansar, e voltava ao orfanato. Quando tinha 14 anos, a mãe deixou a vida “fácil”. Ela estava se relacionando com um homem. O sujeito a tirou de lá, levando-a a sua casa. A turma do orfanato soube da boa notícia. Então, levaram Patrick ao seu convívio. Mas não prestou, não.

O companheiro de Ivonete bebia demais. Por vezes, o menino presenciou a mãe ser espancada. “Ele jogava na cara dela que ela era uma prostituta. E batia, sem dó”, disse. Numa das vezes, Patrick se revoltou e apanhou um facão. Um golpe certeiro no braço do sujeito foi o seu próprio limite. “Depois daquilo eu fui embora. Se ficasse, certamente mataria ele”, lembrou.

Menos de um ano depois, Patrick conheceu o pai biológico. Ambos estavam no enterro da avó. Ele foi apresentado a Edi. Começou ali uma empatia. Dias depois, Edi o retirou do orfanato, levando-o até Itajaí, onde morava. A convivência era boa. Pacífica. “Mas teve um dia que ele chegou e me maltratou. Disse que não era meu pai. Não entendi nada. Sabe de uma coisa, vou vazar daqui”, disse. E assim o fez. Apanhou as coisas e adotou as ruas.

As noites dormia na porta das igrejas. Se cobria com papelão. De dia conheceu quem não devia. Uma turma da pesada. Passou a usar o crack. Em seguida, pequenos furtos. A carreira no crime estava iniciando. Passados seis meses na marginalidade, foi retirado da cidade pelo pai. Vendo o estado do filho, o colocou num ônibus, rumo a Lages. Ali, na rodoviária de Itajaí, foi a última vez que Patrick viu o pai.

De volta ao orfanato, os muros da instituição não eram páreos a ele. Fugia sempre. Agora, à casa da tia. Maria sempre teve um carinho especial pelo menino. Dona de uma lanchonete, a mulher trabalhava dia e noite. Enquanto labutava, na casa dela, Patrick a roubava. “Eu comecei pegando R$5. Depois fui pra R$10, R$50. Tudo pra comprar crack”, disse. Vendo a falta da grana, a tia o mandava de volta ao orfanato. Apesar do amor ao sobrinho, ela sabia que se tratava de um problema. Que estava apenas começando.

Nas suas idas e vindas do orfanato, Patrick cometia pequenos furtos. Numa delas, foi pego. Como era menor, foi encaminhado pela justiça a fazer serviços comunitários em um hospital. Limpando o corredor, olhou para dentro de um quarto e avistou a própria mãe. Ela estava deitada, bastante debilitada. Sozinha. “Fui até ela. Mas não a via como minha mãe. Estava muito fraca. Nem abriu os olhos”, disse. Aquela foi a última vez que Patrick a viu. Ela morreu dias depois, aos 38 anos, vítima de cirrose. Embora ainda desconfie que se tratasse de HIV.

No dia 20 de março de 2005, Patrick completou 18 anos. Ainda no orfanato, ganhou um bolo de aniversário. Foi o seu primeiro bolo. E o que era um misto de felicidade, também foi a sua despedida. Cantado os parabéns a você, foi convidado a deixar os muros que tanto pulou. Agora, pra sempre. De certa forma, foi convidado a se retirar. No frigir dos ovos, expulso pela idade. Agora era com ele. As ruas eram a serventia da casa.

Com uma mão na frente e outra atrás, o caminho escolhido, mais uma vez, foi a casa de Maria. E é claro, ela aceitou. Mas, depois de ficar sete dias sumido, noiado pelas ruas, encontrou a porta trancada. Então pulou a janela. Um dos vizinhos viu e chamou a polícia. “Eu tinha ido até lá pra tomar um banho. Quando fui sair, já estava com um aparelho de DVD na mão. A polícia me pegou. E fiquei três meses em cana”, disse.

Patrick e os ensinamentos do crime

Ao inferno pela primeira vez, Patrick viu que as coisas eram mais sérias do que imaginava. E foi lá quando soube que o crime tinha regras. “Caiu um estuprador na cadeia. Pra mim era normal. Mas quando vi, os detentos iniciaram um linchamento. Em alguns minutos, o sujeito estava morto. Foi um choque. Nunca vou esquecer daquilo”, revelou. Patrick começava a aprender os “mandamentos” do crime.

Depois de deixar a cela, mais uma vez, rumou sob as asas da tia. Mas, desta vez, foi encaminhado a uma clínica para recuperação. Na entidade, fez uma verdadeira quizumba. De uma certa forma, foi o líder de uma “organização”, o que ele mesmo chamava de “Gueto”. Inquieto, como sempre, apanhava dinheiro dos internos e pulava três muros. Na rua, comprava doces, chocolates e cigarros. Virou um traficante, mas não de drogas. Também desamarrou internos. Fumou maconha nas dependências e fugiu, depois de 30 dias, junto a uma moça grávida. Tomou a liberdade e gritou pelo mundo doentio, que tanto gostava.

Já em 2006, aos 19 anos, cansado de ver a tia chorar por suas atitudes, decidiu abandonar tudo e seguir a própria vida. Antes, afanou R$450, e, após uma viagem de ônibus, chegou a Florianópolis. Lá, também conheceu quem não devia. Era como um imã, uma atração ao mal. E acabou como “olheiro” do tráfico. Agora, andando armado, colaborava para disseminar as drogas na ilha. “Eu acabei escravo da droga. Trabalhava apenas para usá-la. Mas, depois de um ano ali, senti um vazio dentro de mim. Estava com saudades da minha família”, disse. Então, devagar, deixou a arma sobre a mesa e deu adeus àquela vida.

De volta a Lages, Patrick pousou na casa de Maria, como sempre. Afinal, ali era o seu porto seguro. No começo, passou a ajudar na lanchonete. Mas, inquieto, buscou agora, grana na colheita de maçãs. Finalizada a jornada, se reuniu com alguns amigos. Entre rodas de bebidas, traçaram uma aventura: caminhar, quase 260 quilômetros até Blumenau. A ideia era se divertirem na conhecida OktoberFest.

Aventura que deu errada

Por quase uma semana, a pé, os quatro amigos colocaram as mochilas nas costas e partiram até Blumenau. No caminho foram parados pela polícia. Mas, nada de errado, continuaram. Num fim de semana, atracaram na cidade alemã. Lá, as coisas tinham tudo pra dar errado. E deram.

Ao chegarem ao centro da cidade, iniciaram a via crucis da bebida. Uma, duas, cinco, dez garrafas de aguardente. Já estavam dando vexame. Chega a polícia. A quizumba formada, entraram em luta com os policiais. Na confusão, três conseguiram fugir. Um foi pego. Mas bastou a Kombi da prefeitura sair as ruas para os outros três serem localizados. Pronto. Reunidos, os quatro ganharam passagens de volta a Lages. E voltaram ainda no mesmo dia, rindo, lembrando de toda a resenha.

Em Lages, Patrick continuou se desvirtuando dos caminhos corretos. Pego roubando, caiu em cana pela segunda vez. Também carregava drogas. Foram seis meses no inferno. Passado o tempo, decidiu deixar a cidade, mais uma vez. Já estava com vergonha da tia, embora, a verdadeira vergonha na cara, não carregasse.

O destino agora era Tubarão, ao sul de Santa Catarina. Com uma bicicleta sem freios, levou uma semana na estrada. Parava apenas para beber, usar o crack e dormir. Ao chegar à cidade, conseguiu vaga num albergue. Lá fez amizade com outro sujeito. Dizia ele que queria ir até Criciúma. Patrick aceitou o convite. E foram a pé. Sua magrela, havia doado a um outro albergado. “Ele tinha problemas para andar. Dei a magrela pra ele”, disse.

Mas, bastou iniciarem a caminhada e Patrick viu uma outra bicicleta, parada, sozinha. Ele não pensou duas vezes. A roubou. Com ela, a chegada até Criciúma seria menos dolorosa. Mas não demorou muito para a polícia os cercarem. Confessado o delito, foi em cana pela terceira vez. Outros três meses na cela.

O ladrão de carros

Preso, conheceu um sujeito de boa prosa. Logo, uma amizade os aproximou. Contava que era ladrão, profissional de carros. Os dois deixaram a cadeia quase ao mesmo tempo. E, quando saíram, o encontro foi inevitável. Juntos, decidiram roubar um Fusca. Com ele fizeram alguns “corres” – gíria para pequenos crimes.

Já, pela manhã, sem ter o que fazer com o fusquinha, o depenaram. Venderam as rodas, os bancos, os retrovisores, a bateria. Agora a pé, levaram um Gol. Com ele, foram até uma “boca”. Trocaram o rodado por rodas velhas. E com o troco, pegaram crack. Tudo ia bem, até a polícia aparecer. “Iniciamos uma fuga a toda velocidade. Mas veio uma curva e capotamos por umas três vezes”, disse. Horas depois, os dois estavam presos. Na quarta prisão, Patrick ficou um ano e oito meses.

Quando saiu, em 2011, continuou no crime. “Eu não conseguia aprender com os meus erros. Insistia em levar a vida no crime. Problema meu. Paguei por isso”, disse. Apenas um mês depois de deixar a cela, caiu novamente. E agora, a pena veio pesada. Sete anos de detenção. Com ele, a polícia encontrou 25 pedras de crack e outros R$160. A acusação: tráfico de drogas. Preso, continuou usando drogas, embora o crack, não. “Na cadeia não entra o crack”, revelou.

No cárcere a ideia em parar com a droga era repensada todos os dias. Mas ele não tinha incentivos pra que isso acontecesse. Então, em dezembro de 2017, teve a liberdade concedida. E continuou em Tubarão. Numa das noites, sob um viaduto, a roda do crack voou alta. Ele e outros chapas combinavam em assaltar um posto de combustíveis. Mas, como um sinal, algo aconteceu. Naquela noite, uma Kombi com freiras da Pastoral da Rua, surgiu no viaduto. Com medo, a turma correu. Patrick permaneceu. Munidas com marmitas, também ofereceram ajuda. Pediram que ele entrasse no veículo e saísse das ruas, que deixasse a droga. Ele não aceitou. No entanto, assim que foram embora, a galera da pesada se reuniu. Patrick, devagar, deixou o local e rumou até o endereço das irmãs. “Tenho certeza que foi um sinal. Era hora de virar gente”, disse. Ele então chegou à casa das freiras, ainda de madrugada e, na rua, dormiu. Pela manhã, foi avistado por elas.

Acolhido, foi encaminhado a uma casa para a recuperação de dependentes químicos. Era coordenada por freis franciscanos da Ordem, o Caminho. “Soube que era um sinal divino. Algo me tocou”, disse. Ao mesmo tempo em que fora atendido, a turma sob o viaduto, era presa. Os planos do assalto deram errado. Não prestou. Enquanto isso, Patrick começava o próprio plano: o de ser salvo.

No dia 20 de março de 2018, ao completar 31 anos, Patrick ganhou o seu segundo bolo de aniversário. Ele havia acabado de chegar ao abrigo dos freis, em Laguna, Santa Catarina. Estava infestado de esperanças. Um recomeço. Uma nova vida. Lá, permaneceu três meses sóbrio. Acreditando na sua recuperação, foi transferido à Corbélia, no Paraná, também no abrigo dos freis.

Passados outros três meses, foi vencido. Derrotado mais uma vez, caiu na tentação das drogas. Desacreditado em si mesmo, retornou às origens e buscou o colo da tia. Começava tudo de novo. Uma tortura sem fim. No entanto, não demorou muito para tentar retomar os rumos escolhidos. Por escolhas e vontades próprias, buscou ajuda, de novo, junto aos freis, em Laguna. Aceito na entidade, ficou 15 meses sem a química tóxica.

Acontece que uma guerra não se vence por inteira, de uma hora a outra. Em meio a tantas batalhas, Patrick fraquejou. Sóbrio, foi visitar a família no Natal de 2019. Mas, numa de suas saídas, foi vencido. “Eu voltei ao abrigo e menti aos freis que não havia usado. Menti a eles e, principalmente, a mim mesmo”, disse. Foi então que, revoltado com ele mesmo, fugiu. Nas ruas, a queda ao abismo foi imensa. Por alguns meses, se transformou num trapo humano.

“Teve um dia que um padre me viu na rua e, com dó, me levou até um outro lar. Fiquei lá por quatro meses, sóbrio”, lembrou. Já era julho de 2020, quando os freis souberam onde estava e foram até Patrick. Lá, as mãos foram estendidas, mais uma vez. “Desde fevereiro do ano passado, estou sem usar drogas. Agora, estou certo da minha missão nessa vida. Sei o que desejo. E quero voltar todo o bem que recebi a outras pessoas. Não sou melhor e nem pior que ninguém. Sou apenas diferente”, disse.

Hoje, ao lado dos freis em Campo Mourão, Patrick é a prova viva de que as pessoas podem mudar. Sua guerra ainda não foi vencida. Ainda trava batalhas. E certamente, elas serão impostas até o fim. “Acredito que seja como uma luta entre o bem e o mal. Estou deixando o mal”, diz. Até pouco tempo, ele mantinha em um dos braços, uma tatuagem representando os dois lados da guerra. Mas decidiu fazer outra sobre ela. Agora, a imagem de Nossa Senhora Aparecida aparece imponente, representando apenas o bem.

Patrick é um sujeito forte. Ainda arrasta o sotaque “catarina”. Estudou somente até a quinta série. Mas, distante do sonho sempre almejado, ser um jogador de futebol – ele passou na peneira para fazer testes junto ao Internacional, ainda menino -, conseguiu resgatar a própria família. Maria foi visitada há uma semana. Desta vez, ele não teve recaídas. A sua nova vida foi amplamente comemorada. Principalmente pela tia. Ou melhor, pela mãe de verdade, que sempre foi a ele. Ela continua de braços abertos. E torcendo pela sua completa recuperação.