Paulo dilacerou a própria vida com as drogas

No dia 22 de maio, um acidente na Perimetral Tancredo Neves, entre dois veículos, ocasionou a morte de uma mulher de 64 anos. Maria de Jesus Souza estava de carona, no banco de trás do Fiat Uno. Um encontro casual ou uma mera predestinação, fez com que ela entrasse no carro, minutos antes da colisão, sem conhecer o condutor, Paulo Cesar França, 32. Ele acabara de fumar crack. Tinha saído de uma “boca” e, antes mesmo de pegar ao volante, usou a droga. Os efeitos foram devastadores. Furou o sinal vermelho e foi atingido em cheio. Paulo e uma segunda mulher, que estava ao seu lado, pouco sofreram. Maria perdeu a vida. 

Quis o destino que Paulo encontrasse as duas, minutos depois de ter feito uso da química tóxica. Segundo ele, a que estava ao seu lado, era uma conhecida. A que morreu, não. Jamais havia visto. Estavam juntas quando pediram a carona. Sob o efeito do crack, dirigiu acreditando dar tempo de passar o semáforo. “Olhei para os lados e não vi nenhum carro. Então avancei”, relatou. Paulo foi preso. Furou o sinal e não tinha carteira. Ficou quatro dias em cana. E ainda irá responder por homicídio. Pode ir a júri. Sua cabeça está fervendo. Preocupado. E com razão. Ele sabe que, não fosse a droga, a tragédia poderia ter sido evitada. A reportagem localizou um irmão de Maria. Mas ele não retornou a ligação.    

Paulo quase sempre foi um viciado. Um dependente químico. Uma pessoa doente. Desde os 11 anos usa drogas. Começou na maconha. Depois cocaína. Finalizou com o crack. E para ter acesso a elas, iniciou uma sólida carreira no crime. Foi preso 30 vezes ainda menor. Já adulto, 14 “canas”. Ao todo, quase dez anos recluso. Paulo virou “Aladin”, um nome bastante conhecido no meio policial. “Dou muito trabalho aos policiais”, disse. Alega que o mundo crime é consequência direta do vício. Uma conta básica. Para ter a droga, é necessário comprá-la. 

Minutos antes da tragédia ter acontecido, Paulo estava em casa. A esposa e a mãe haviam ajudado a preparar uma mala. Era com as roupas dele. Perto das 18h daquele dia, o pastor Fernando Adriano iria passar na residência. O levaria ao “Instituto Esperança”. Um abrigo sem fins lucrativos voltado a reabilitar dependentes químicos. Paulo tinha decidido parar com o crack. Mas o desejo e o vício em fumar a última pedra, fizeram com que ele não escutasse os apelos das duas. “Naquele dia, elas não queriam que eu saísse. Pediram pra que ficasse esperando o pastor. Eu insisti em sair. Fui comprar a droga. Deu no que deu”, disse. Paulo resume a história assim: a mãe e a esposa simbolizando o bem, pediram pra que não saísse. A droga representando as trevas, fez com que não esperasse o pastor. Para ele, uma guerra espiritual. E que acabou vencida pelos demônios. Seus próprios demônios.

Paulo vem de uma família simples. Os pais, bons trabalhadores. Tiveram seis filhos. Mas se separaram no decorrer da vida. Até pouco tempo, a mãe, trabalhava num abatedouro da cidade. Foi demitida. O pai, teve problemas psicológicos. Foi interno num sanatório. Hoje é cuidado por um dos irmãos. Dos seis filhos, apenas Paulo optou pelo caminho errado. E ele está ciente disso. “Fiz coisas erradas. Roubei. Assaltei. Tudo pra comprar drogas. Isso acabou comigo”, afirmou. Paulo também perdeu o amor próprio. E o próprio amor, agora da mãe. Vendo os tropeços e erros do filho, preferiu ir embora de Campo Mourão. Permaneceu quase seis anos longe. Mas Paulo a encontrou em Santa Catarina. E lá causou mais estragos na vida dos dois.

Aos 32 anos, Paulo diz acreditar em Deus. Tem pouco estudo. Fez até a quinta série. Ele contou sua própria tragédia sentado num dos bancos do Instituto. Há um mês, não usa drogas. Mas o tratamento está apenas no começo. As batalhas diárias serão grandes. Paulo tem o corpo todo tatuado. Uma espécie de camuflagem colorida a um corpo doente pelo vício. Quase todas as “tatoos” feitas na cadeia.  Muitas delas em homenagem as três filhas. Uma delas, inclusive, já tem filho. Transformou o pai em avô ainda jovem. E elas, segundo Paulo, são a força para deixar o vício.

A carreira no crime, apesar de lucrativa, não foi tão bem sucedida. Ela sustentou o vício. Só. Roubava pra ficar chapado. Muitos crimes deram errado. Pagou o preço. Caiu em cana em 44 oportunidades. Num único dia foi preso duas vezes. Correndo da polícia, levou tiro na mão. Outras duas vezes, foi alvejado por concorrentes. Não morreu por pouco. Com o tempo, passou a ser conhecido apenas como “Aladin”. “Meus colegas me apelidaram assim. Diziam que eu era como o gênio da lâmpada. Onde eu passava, tudo sumia”. A fama corre solta na cidade. Muros do Lar Paraná ainda estampam grafites com seu nome. “Aladin está solto”. “Cuidado com Aladin”. Uma fama que ninguém gostaria de ter.

Naquele 22 de maio, não fossem os efeitos do crack, uma vida poderia ter sido poupada. “Aladin”, não só “sumiu” com a própria vida. “Sumiu” também com Maria. Os danos causados pelas drogas acabam amplificados por toda a sociedade. Não apenas os doentes sofrem. Mas todos a eles entrelaçados. E Paulo sabe disso. Hoje, mais um dia se passou. Mais um dia sem usar o crack. Mas as consequências permanecem.

Serviço

O Instituto Esperança é uma casa lar com o objetivo de tratar dependentes químicos de Campo Mourão. Foi criada a pouco tempo pela advogada Paloma Mendonça e o pastor Fernando Adriano. Sem fins lucrativos, não tem apoio de políticas públicas. Conta apenas com a doação da comunidade. Contato (44) 99733-3250.