Sargento Nunes. Um senhor pai de família
Dizem que um homem sem família não é nada. É como uma pipa em meio a um furacão. Nada. E essa não foi a escolha do Sargento aposentado José Nunes da Silva, 83. Ele trabalhou desde cedo. Passou por cinco epidemias. Casou. E criou os cinco filhos. Um pai de verdade. Foram tantos os exemplos que, um filho e uma neta, seguiram seus passos como militares. Pai mesmo não só educa. Mas estende os braços e mostra os caminhos. E ele está feliz com os resultados de sua prole.
Nunes, como estampava a antiga farda, nasceu em Murici, nas Alagoas. Aos dez anos subiu na carroceria de um caminhão pau de arara. O pai decidiu levar toda a família à São Paulo. Eram quase 40 pessoas amontoadas. Um percurso de 600 quilômetros até Salvador, em busca de uma vida melhor. Seguiram até São Paulo e, depois, fixaram residência em Bela Vista do Paraíso, próximo a Londrina. Lá, foi padeiro, trabalhou em banco e até nas Casas Pernambucanas.
Mas ele queria mais. Desejava trabalhar para o governo. Mais especificamente, às forças policiais. Então, em 1957, fez um concurso à Polícia Militar do Paraná. Passou. Cursou a Escola Militar da capital e iniciou a carreira. Passou por diversas cidades, como Pato Branco e Paranaguá. Mas em 1959, a vida começou a fazer sentido. Trabalhando em Santa Cecília do Pavão, no norte paranaense, conheceu Rosa. Paixão à primeira vista. Não teve dúvidas. Casou e com ela teve cinco filhos. Rosa, 78, está ao seu lado até hoje. Vivem juntos há 57 anos. Ela gosta do PT. Ele, do Bolsonaro. Existe amor maior que esse?
Em 1960, foi destacado para Terra Boa. Mais adiante, em 64, começava atuar sob o regime militar. Uma época conturbada. Lembra da vez que um vereador da cidade foi acusado de disseminar pensamentos comunistas. Veio a ordem de Curitiba para prender o cidadão. Nunes cumpriu a missão. Mesmo sendo amigo do suposto “esquerdista”. “Eu o detive. Levei preso. Mas disse ao Capitão que se tratava de um trabalhador. Um mero pai de família. Ele não sabia nem o que era comunismo”, revelou. O homem foi levado para interrogatório na capital. Depois de 15 dias retornou à Terra Boa. “Ele me procurou e agradeceu. Chorando. Disse que o Capitão tinha o isentado porque o defendi antes de viajar. Acabei salvando o homem”, lembra.
O sargento sempre atuou de forma humanizada. “Acredito que todo preso mereça uma segunda chance. Todos erramos”. Certa vez, numa diligência em Cruzeiro do Oeste, prendeu um bandido bastante perigoso. Era assaltante de fazendas. Na delegacia, enquanto lavrava sua detenção, o sujeito algemado, pediu cigarros. Nunes sacou dinheiro da própria carteira e pediu a um militar que comprasse. Ele se negou a comprar. “Tive que falar alto e exigir que fosse atrás. Não é porque estava preso que deixaria de ser uma pessoa”, enfatiza. Mais tarde o chefe de Nunes disse que o detento havia o elogiado pela atitude humanizada. E quem disse que não se pode haver gentilezas entre policiais e bandidos? Da forma lícita, é claro.
Como chefe da família, Nunes sempre aconselhou os filhos. A mais nova, Josvânia, 41, lembra de um pai afetuoso. Cordial. Correto. “Sempre nos deixou exemplos a seguir. Ele sempre foi muito honesto. Em tudo. E com todos”, garante. E, não fosse a trilha exemplar, o filho Jonas não teria sido um PM. Hoje aos 51 anos, ele já se aposentou por tempo de serviço. Mas buscou os mesmos caminhos percorridos pelo “Sargentinho”, apelido do pai em tempos antigos. Além dele, a neta Ana Paula Alessi, hoje com 26 anos, atua na corporação. Josvânia, a caçula, bem que tentou. Mas uma prova com barras, a derrubou dos quadros da PM. “Eu queria. Mas não consegui”, disse.
Ainda na década de 60, Nunes foi enviado à Mamborê. Por lá ficou quase 20 anos. Inclusive, o primeiro aparelho de televisão da pequena cidade foi dele. Foi ali que recebeu a missão de retirar os ossos de um antigo cemitério e levá-los à delegacia de Campo Mourão. Os restos mortais seriam de um médico alemão que ali viveu e morreu. Alguns dizem até hoje se tratar do nazista Joseph Mengele.
Conta Nunes que na década de 60, o trabalho como policial era muito difícil. Não havia um grande número de policiais. Não existiam computadores. Celulares. Então, cada um deles tinha que se desdobrar. Ele mesmo, além de PM, trabalhou grande parte do tempo como civil. Foi escrivão e até suplente de delegado em Juranda. Na época eram os chamados “calças curtas”.
A carreira terminou em 1984, em Juranda. Foi quando se aposentou. Deixou para trás uma infinidade de histórias que não se esquece até hoje. E faz questão de contar. Enquanto militar, viu muitas coisas. Certas e erradas. Tristes e alegres. Enfrentou bandidos. Participou de tiroteios. Mas jamais deixou de ser humano. Numa ocorrência, levou uma facada nas costas. É fã incontestável de Rui Barbosa e Getúlio Vargas. Mesmo não seguindo nenhuma religião, é também fã de Jesus Cristo. Afinal, é o Pai de todos. A quem decidiu seguir os passos.
Depois de aposentado, Nunes abriu um bar numa das esquinas do centro de Campo Mourão. Permaneceu com ele por longos 15 anos. Cansado, arrendou o negócio. Hoje, fica em casa. Curtindo a família e contando causos que vivenciou. E como ele gosta de falar. Do modo sereno como enfrenta os dias, certamente passará dos cem. José Nunes da Silva é, definitivamente, uma “figuraça”.