Sob os escombros do Loydi Hotel descansa a história de Oscar

Oscar era um pernambucano dos pés vermelhos. Chegou a Campo Mourão em 1980. E sempre residiu, até a sua morte em 2005, no Loydi Hotel. Possivelmente, foi um dos ambulantes mais conhecidos da cidade. Iniciou vendendo chaleiras. No fim, ganhou a população pela venda de um trio de tapetes, para fogão, pia e geladeira. Os produtos eram comercializados no próprio carrinho de carga. Embora tenha marcado parte da história da cidade, sua identidade estava, de certa forma, escondida sob os escombros da demolição do Loydi. Mas como uma surpresa, seus pertences continuam guardados, intactos, com os donos do hotel.

Oscar Venâncio da Silva nasceu em 5 de agosto de 1920 em Recife, Pernambuco. Ninguém sabe ao certo como e o porquê ele chegou a Campo Mourão. No entanto, segundo informações, teria deixado o Nordeste, ainda nos idos de 1960, para tentar a vida em São Paulo. Lá, se casou e teria tido um filho, morto em uma enchente. E, como consequência direta da tragédia, foi deixado pela companheira, rumando então ao interior do Paraná, no fim dos anos 70.

João Batista de Lima, último administrador do Loydi, diz que o conheceu ainda em meados dos anos 80. “Eu morava no hotel também. De manhã eu saía pra um lado, trabalhar. E ele pra outro. Mas passei a ser amigo dele mesmo a partir de 1999, quando assumi o hotel”. João conta que Oscar era um sujeito resguardado. Falava pouco sobre ele. Detentor de uma educação invejável, era conhecido pela dinâmica das vendas. “Ele nasceu pra isso. Vendia de tudo. Aprendi muito com ele. E ganhou bastante dinheiro”, lembrou.

Mas, sem motivos para guardar a grana, passou a gastar com baralho. Era viciado em cartas. Então, se transformou em um assíduo frequentador dos tunguetes da cidade. “Perdia todo o dinheiro ali. E quando ganhava, pagava bebida aos colegas de baralho, mesmo sem gostar de beber”, lembrou João.

Por vezes, João e Oscar saíam juntos à noite, para jantar. E foi numa dessas, em 2002, quando o amigo descobriu que o cliente não tinha documento de identidade. “Juntamos uns amigos e fomos falar com o superintendente da Polícia Civil. Demos declarações que o conhecíamos e a sua identidade saiu. Ele ficou muito feliz”, disse João. Com o RG em mãos, Oscar deu entrada à aposentadoria, que foi efetivada meses depois.

Maria Inês e João (foto) ficaram bastante amigos de Oscar

Maria Inês Loydi, esposa de João, gostava muito de Oscar, principalmente pela sua educação. Um verdadeiro cavalheiro. “Era atencioso. Não gostava de mentira. Era um cara sério, correto. E não gostava de pessoas que enganassem outras”, revelou ela.

Nas ruas da cidade, ainda nos anos 80, Oscar vendia chaleiras que apitavam. Na época, uma novidade. Ele vendia tudo o que chegava. Em seguida, passou a comercializar espumadeiras, conchas, colheres de pau, além de utensílios em alumínio. Somente nos anos 90 quando, após ganhar um carrinho, rodava Campo Mourão oferendo tapetes. “Ele fazia uma carga difícil de entender. Mas lá iam entre 70 e 80 quilos de tapetes. E o sujeito era bom de venda. Pra ele o trabalho era uma diversão”, lembrou João. De tão correto, Oscar fazia questão em pagar o mês do hotel sempre antecipadamente.

Oscar não era apenas o hóspede de João e Maria Inês, não. Os três ficaram bastante amigos. Tanto é que, algumas noites de Natal, passaram juntos, na residência do casal. “Ele era o nosso amigo. Ele não tinha ninguém na vida. Por isso o convidávamos”, lembrou Maria.

Oscar, à esquerda, passava a ceia de Natal com João e Maria

Mas em 2000, o destino começou a preparar a ida de Oscar. Com problemas na próstata, um câncer teve início. Então adoeceu. João o ajudava em tudo. Tirava o dinheiro da sua aposentadoria e, com ele, comprava seus medicamentos, frutas e alimentos. “O dinheiro nunca dava pra tudo. Eu e alguns amigos sempre completávamos o dinheiro para ele”.

Com o agravamento da doença, em julho de 2005, Oscar acabou hospitalizado. Maria não se esquece. “Fui visitar ele. E fiz o convite para que, após sair do hospital, fosse morar com a gente. Mas infelizmente, o tempo o levou antes”. Como não possuía herdeiros, todos os poucos pertences acabaram ficando com o casal. Que os guarda até hoje: o carrinho de carga, um relógio antigo da marca Orient, além de bijuterias, que Maria imaginou um dia serem de alto valor. “Não valem nada. Tudo imitação”, disse.

Maria se recorda que, um dia antes de morrer, Oscar pediu insistentemente pela presença de João. E ele foi, permanecendo ao seu lado por muitas horas. “Depois que ele morreu, no velório, chovia demais. Em frente ao caixão lembrei do velho chapéu preto que ele usava. Aliás, muitas pessoas que lá estavam me pediram o chapéu. Então fui até o quarto dele, no hotel, e o apanhei. Não dei a ninguém. O coloquei dentro do seu caixão. Os dois foram juntos”, disse João.

E, não fosse o casal comprar o terreno no cemitério, possivelmente, o amigo poderia ter sido enterrado como indigente, uma vez que não possuía família. “Arrumamos o túmulo e colocamos uma placa com o nome dele. Lá tem mais um lugar. Acho que será pra mim”, brincou João.

Maria Inês e João herdaram carrinho, relógio e bijuterias de Oscar

Oscar era um sujeito único. Bom de papo e coração quente, como todo bom nordestino, tinha uma impressionante lábia às vendas. Era respeitador. Dava exemplos de cidadania. E jamais deixou o hotel sem estar alinhado. “Aos domingos usava camisa de linho. Sempre foi vaidoso. E tinha os sapatos de bico fino bem lustrados. Além disso usava o chapéu. Uma marca registrada dele”, lembrou Maria.

Oscar era um cristão. De acordo com amigos, gostava de frequentar a igreja. Mas não conseguia ler a Bíblia. Era analfabeto. Mas isso não diminuía em nada o tamanho de sua fé. E consequentemente, a esperança em dias melhores. Definitivamente, tinha uma alegria em viver e trabalhar que o diferenciava dos demais humanos.