‘Maneco da Farmácia’, a bula era ele

Morrer é quando há um espaço a mais na mesa afastando as cadeiras para disfarçar, percebe-se o desconforto da ausência porque o quadro mais à esquerda e o aparador mais longe, sobretudo o

quadro mais à esquerda e o buraco do primeiro prego, em que a moldura não se fixou,à vista,

fala-se de maneira diferente esperando uma voz que não chega, come-se de maneira

diferente, deixando uma porção na travessa de que ninguém se serve, os cotovelos

vizinhos deixam de impedir os nossos e faz-nos falta que impeçam os nossos.

Antônio Lobo Antunes – A Morte pela Solidão

 

            Botica era como se chamava farmácia. Também antigamente era escrito pharmácia. Lembrança do Brasil ainda predominantemente rural, o farmacêutico prático ou de formação fazia   papel de médico, sobretudo nos longínquos e pequenos lugares, onde o hospital era a Drogaria.  

            Nascido em Guarapuava, seis de julho de 1938, – completaria 80 anos – aportou no Campo Mourão em 1955. Sem dúvida o Maneco da Farmácia sempre foi uma das figuras mais queridas e populares, origem do apelido autêntico, identidade profissional: 60 anos de dedicação laboriosa.

            Receita ele tinha, a prescrição familiar para com amigos e todos que o procuravam, devotava-lhes esmerada atenção humana, em cada gesto, ampolas de consideração. Tão importante quanto o Almanaque entregue entre final e início de ano, essencial como a balança para os fregueses se pesarem, no cenário a presença dele, esguia, sorridente, alinhada, pronto para atender, de guarda-pó ou jaleco, Maneco saudava a todos efusivamente.

            Drágeas não eram a venda de qualquer produto medicamentoso, ele didaticamente informava o paciente ou familiar como seguir cada orientação, conselhos sábios em ampolas.  

            Estava sempre de plantão, noites e noites, não tinha domingos ou feriados, de frio, chuva, no breu da vida na qual a esperança de um paciente era tão delicada que o socorro era iminente, seja a hora que fosse, o Maneco da Farmácia estava pronto, disposto. Foi comum nessas seis décadas, enfermos buscá-lo diretamente. O olhar clínico, vivência, estudo (sem exagero) era superior a muitos saberes científicos, sequer ensinados em faculdades de medicina. Era doutor,  ministrador,  calmaria e conforto.

            Iniciava e cultivava amizades com a característica maior da atenção eloquente, costume arraigado antes de ser profissional farmacêutico, advindo da época que foi cobrador de ônibus, frentista e balconista de loja nesta cidade.

            Último adeus, dia cinco, terça, 79 anos.

Fases de Fazer Frases

            Vida é miragem, viagem, passagem, paragem. 

Olhos, Vistos do Cotidiano

            Noites gélidas. Pessoas se recolhem/encolhem  cedo. Lua carece de um manto, das estrelas.  

Reminiscências em Preto e Branco – Obituário: LUIZA CATHARINA FERRI ALESSI

            O luto e a saudade escorrem nas velas de velar, marcam a vida que se findou. Ela partiu, assim como permanece. O legado inspirador, sólido, transmitido aos filhos, netos, demais familiares e amigos. Criou seus descendentes pelos exemplos do bem ser, bem-fazer, retidão, caráter. Dona Luiza, pioneira de Campo Mourão, veio de Tapera, Rio Grande do Sul, se afeiçoou a terra, no duplo sentido da palavra, solo fértil e lugar como Município.

            Nas atribulações, apreensões e desolação ela se fazia presente sem esperar que a chamassem, guiada pela fé, espírito da misericórdia e generosidade tão próprias dela. A prosa amiga do olhar no olhar dos olhos daqueles que careciam de amparo. A fé da dona Luiza era das orações, novenas, cultos. Bem além da reza e do terço em mãos, as mãos dela acolheram e cuidaram. Mãos realizadoras voltadas e devotadas aos enfermos da Santa Casa, quantos foram desinternados e não teriam uma roupa. A doação de peças passavam antes pelas mãos da senhora Luiza, que costurava, punha botão, lavava, perfumava para então entregá-las.

            Para citar um fato familiar inesquecível, comovente, por ser amiga da minha saudosa mãe Elza, dona Luiza tinha a rotina de visitá-la, vizinhas que foram, e posteriormente dados aos problemas da falta de saúde de minha mãe, dona Luiza esteve sempre presente e prestativa, a reafirmar a amizade que as unia familiarmente. A visita  era como uma janela aberta pela qual penetravam os raios solares e a brisa da manhã, renovação carismática. Quinta-feira, dia sete, 82 anos, és agora reminiscência inspiradora e saudade.

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Por José Eugênio Maciel | [email protected]