O elo do Ely

“Um adeus é a metade da morte. É uma despedida que dói, uma incerteza de um reencontro, é uma saudade permanente, é uma lembrança marcada para a vida”.
Hupomone Vilanova

“Eu nunca vi de perto o Ely. Para falar a verdade nem sei como era o rosto dele. Agora vou saber, da pior maneira”, disse-me um senhor, quando encostava a bicicleta e nela punha um cadeado. Eu, antes de adentrar no velório, olhei para aquele senhor que aparentava mais de 60 anos, expressão e roupas humildes, vi nele as características comuns de uma pessoa do povo, daqueles que acompanham os acontecimentos da cidade, tendo como hábito inarredável escutar o Ely Rodrigues. De fato o Ely praticamente não tinha vida social, embora convidado, tinha como rotina básica sair de casa para a rádio e dela regressar novamente para casa.

“O dia de hoje, na história”, um dos bordões mais conhecidos do radialista, informava sobre acontecimentos marcantes de cada data. Infelizmente o dia 25 de março passa a ser “o dia de hoje na história”, quando o Ely Rodrigues Daniel faleceu, rodeado de pessoas do povo após o infarto, no centro da cidade, enquanto profissionais da saúde tentavam reanimá-lo, mas o coração não mais respondia.

“Não vai perder a jardineira”, chamava a atenção do ouvinte para em seguida informar a hora. Ou para dar ênfase a determinada notícia, “dois pontos, um ponto em cima e outro ponto embaixo”.

A voz marcante, entonação que podia ser solenemente séria, assim como irônica ou humor. Aliás, Ely tinha uma facilidade para imitação, um de seus marcados traços de observador atento e piadista.

Ely estabeleceu com autenticidade e evidência um profundo e cotidiano elo recíproco, dele para com a comunidade mourãoense e regional, com um conteúdo característico singular, o da competência e independência, sobretudo nas entrevistas, sem receio de indagar o entrevistado, Rodrigues era a voz da sociedade.

A iniciativa de conhecer pessoalmente e documentar todos os municípios paranaenses teve grande repercussão, devido a página virtual dele, Ely foi formando uma enciclopédia do nosso Estado, a partir de cada município, tais como a origem do nome, história do lugar, atrativos, e dados socioeconômicos. Era imperdível a leitura.

Esmerado, gostava da profissão, farejava a notícia e tinha um primor nos textos, sempre dinâmicos e adequados para a radiodifusão. Ao longo de mais de três décadas se notabilizava pela credibilidade, tinha o respeito dos colegas de profissão.

Nos conhecíamos desde a juventude, recordo bem o início dele nos microfones das então emissoras rádio Humaitá e Colmeia.

Devido a amizade nossa participei nos anos 90 como colaborador do programa dele, tirando dúvidas dos ouvintes sobre a nossa língua portuguesa. E, coisa de amigo, Ely dizia, “se o professor Maciel falou, tá falado”.

A fazer parte da história do rádio e dos demais meios de comunicação, o legado do Ely é vasto e pode ser ilustrado com uma palavra, credibilidade.

Fases de Fazer Frases (I)
Cada dia que finda leva um pouco de cada um.

Fases de Fazer Frases (II)
O que somos além do que queremos ser?

Olhos, Vistos no Cotidiano
Penúltimo adeus é prenúncio.

Farpas e Ferpas
Não viver é não ver. Viver é vir.

Reminiscências em Preto e Branco – Sílvio, o professor
Como se tivesse a usar uma lupa e tendo como alvo o social, lecionava com esmero, despertava e estimulava o interesse de seus alunos, sobretudo a respeito da estrutura, dinâmica e papéis sociais, tudo em termos das relações humanas e seus agrupamentos. Sociólogo dedicado a leitura e reflexão, para alcançar a notoriedade profissional, percorreu um longo caminho, com determinação, incansável e arrojo.

Nos Colégios onde lecionou, como no Centro Estadual de Educação Básica, No Estadual e no SESI, o silêncio e o aplauso foram mesclados por parte dos estudantes, professores e funcionários, a dor sentida se espraiou, unindo a todos na tentativa de procurar consolo.

Tinha um semblante de moço, era de fato humilde, simples. De boa prosa, sempre dava importância a tudo que via, ouvia atentamente as pessoas.

Agora na memória familiar, da amizade e da profissão, é recordação que, além de não se apagar jamais, é legado de exemplo de bom filho, de irmão, de esposo, de espírito fraternal.

Sílvio César Coelho na paz viveu, em paz viveu e em paz rumou para o infinito. Como homenagem, preito de gratidão, ainda que a dor tome conta dos familiares e amigos, ficaram as lições de caráter, decência, fraternalmente partícipe, a ele os versos do Fernando Pessoa, abaixo transcrito.

“A morte chega cedo
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida
O amor foi começado,
o ideal não acabou.
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.
E tudo isto a morte risca para não estar certo
No caderno da morte
Que Deus deixou aberto”.
Fernando Pessoa – A morte chega cedo

José Eugênio Maciel | [email protected]