Quando a cidade acorda

“Na poça da lua, o vira-lata lambe a lua”
Millôr Fernandes

O primeiro passo às 5:30 da manhã é na rua de casa. A luz dos postes ainda acesas, logo irão se apagando na medida que meus olhos vão se abrindo e a percorrer outras vias. Casas e prédios ainda guardam o sono, descanso, a vida de tantas pessoas.    Irei de uma ponta da avenida a outra. Depois outra ponta e regressar por outra avenida. A escolha é aleatória. Quinta comecei na Avenida Manoel Mendes de Camargo para retornar pela Capitão Índio Bandeira.     

Não penso que logo mais elas estarão repletas de gente, carros, movimento. Penso no que vejo, sinto, o quase deserto, Campo Mourão fantasma, sendo eu e os demais que encontro como assombrações que não assustam. 

São desconhecidos pelos nomes, mas, conhecidos como aparecem e o que dão a entender que são. O ciclista segue pelas ruas de uniforme, é ele que varrerá vias, recolher o lixo, falo bom dia e ele responde. O da moto estará logo mais encerrando o expediente dele, entrega jornais, arremessa o periódico no jardim, garagem ou o põe para dentro através das portas. Bares e lanchonetes, como o do Chico ainda não abriram para o público, esquentam a água para o café, óleo para fritar pastéis, coxinhas. 

A circular traz, leva passageiros para o trabalho, é provável que um deles olhe para mim sem querer e me inveja, a preferir dormir mais um pouco a ter que caminhar. Perto dali ainda, observo a enfermeira rapidamente chegar ao carro, abrir a porta e sair. Suponho que terminara o plantão dela, iria merecidamente para o descanso. Quais e quantos ele atendeu? Pacientes que ao regressar de novo ao trabalho estarão lá? Terão voltado para casa? Ou fecharam os olhos para sempre. 

No posto de gasolina o homem joga água em toda a área. A moça certamente confere o caixa. Um senhor chega para abastecer, irá viajar? São poucas, mas significativas pessoas que servem como galos que anunciam mais um dia. 

Pássaros se espreguiçam, cantam. No silêncio sinto o ventinho frio, toca-me o rosto, dá tempo e com calma para ver a pequena e retorcida folha suavemente chegar ao chão após girar em torno de si mesma, balé. Desprendida da árvore, ficará ao pé dela, afofando a umidade da terra, ou será levada pelo vento, varrida na limpeza da cidade.     Sempre temos um destino a depender da gente ou do tempo. 

E como gosto de ler, prazer sem limites, vejo placas, são os letreiros a informar o nome dos estabelecimentos, ofertas. Leio as do trânsito que informam nomes de ruas, avenidas.

Contemplo nas imagens palpáveis que descortinam a cada passo, a cidade. Mas não é só. Não estando só, rememoro a cidade dos tempos de menino. Ela que me viu nascer, eu que não a vi nascer, mas crescer.

Observo detalhes e mesmo paro para pensar o que antes não me levaria a refletir, impossível assim se fosse na rotina diária com tudo a latejar. 

O então silêncio vai dando lugar ao som dos carros, ruídos das portas de casas se abrindo, lojas, do espremedor de sucos.

Chego em casa sem mais o vazio, a cidade engolida pelos seus habitantes nas casas e vias de gente.

Quem e o que encontrarei amanhã bem cedo? Só eu? Não, eu só, com alguns poucos nas primeiras horas.

Certo é ver a sempre linda despedida da lua, vai ela quando o sol já vai nascendo, nas vias que caminho, do que vejo e me vejo.

Fases de Fazer Frases
Vida leva tempo para ser e nada para se desfazer. 

Olhos, Vistos do Cotidiano
Fila dupla ainda é uma marca de muitos motoristas mourãoenses incivilizados.

Farpas e Ferpas
O último a saber é o primeiro ignorante?

Reminiscências em Preto e Branco
Velha xícara sem asa, voa na lembrança, tempo foi, café quente. 

José Eugênio Maciel | [email protected]