Como os jogos simulam o passado?
Antes tidos como produtos destinados a um público infantil, atualmente a indústria de jogos eletrônicos passou a incorporar questões históricas em seus enredos, se tornando uma mídia séria em mercado bilionário. Professores e pesquisadores de História percebem o potencial que o jogo tem para auxiliar o aprendizado histórico por meio da simulação lúdica.
Você controla o fora-da-lei Arthur Morgan, um dos líderes e membro da gangue Van Der Linde. A gangue é conhecida por roubar empresários, banqueiros e industrialistas no final do século 19 em um Estados Unidos que tem o seu processo de expansão industrial e urbana em pleno auge. No jogo Red Dead Redemption II, da Rockstar Games de 2018, o jogador pode presencia a morte do velho-oeste, que agora foi substituído pelas cidades urbanizadas, e também a dicotomia entre o antigo e o moderno, entre o selvagem e o civilizado, entre a lei e o banditismo. O jogador tem a liberdade de andar a pé ou a cavalo em regiões que simulam podendo encontrar a oeste os áridos desertos, as fronteiras ao norte com suas montanhas nevadas, e a região sul as suas plantações de tabaco e algodão. Cada região conta ainda conta com a sua fauna e flora característica.
O pesquisador Diogo Gouvea do Programa de Mestrado em História Pública da Universidade Estadual do Paraná tem dedicado seu tempo desde a sua graduação a estudar esse fenômeno histórico e cultural que são os jogos. A História Pública, programa que tem como tem centralidade prática de pesquisa estudar as diversas relações dos públicos, se apresenta para Diogo como uma oportunidade de compreender de que maneiras os jogadores interagem com o passado simulado nos jogos? Com que recursos materiais e linguísticos os jogos mobilizam o passado para sustentar seus enredos fictícios? Existem jogos com participações de historiadores em suas produções?
Para Diogo a primeira coisa a se considerar é que “Apesar de ainda existir esse essa visão um tanto quanto antiquada, a primeira coisa a se considerar é que os jogos não são mais voltados ao público infantil. Considerando como a indústria de jogos se movimentou em 2021, ela há muito já passou a indústria do cinema, e ainda depois da pandemia do coronavírus ela se tornou ainda maior do que as indústrias do Cinema e dos esportes somadas. Essa relevância econômica não veio à toa, os jogos são superproduções que envolvem diversos profissionais de variadas áreas das engenharias, publicidade, artes e claro, historiadores, já que se utiliza de panos de fundo da história para criar seus enredos.”.
A História com os jogos ou a História nos jogos?
Diogo afirma que é preciso ter cuidado ao se tratar os jogos eletrônicos como uma fonte de acesso ao passado já que, como são produtos do tempo presente, devem ser pensados a partir do seu tempo de produção, e não pelo passado que é representado em sua linguagem. Os jogos devem ser pensados pelos educadores como uma ferramenta para se pensar o passado a partir da mediação através da sua linguagem diversificada que podem ser usadas para problematizar questões relacionadas aos valores sociais, culturais, políticos e econômicos.
Outra potencialidade dos jogos é a de compreender como são capazes de formar nos jogadores uma consciência e cultura histórica pelas vias digitais, já que o ato de jogar não é feito somente no videogame, mas sim compartilhando experiências nas redes sociais, através de textos e vídeos. Diogo espera compreender como os jogos fazem parte dos processos modernos de formação de uma cultura histórica, que já não é mais pautada somente em livros com textos e fotografias de época distintas, mas através da interação digital com o passado simulado, de maneira livre e lúdica, muito característica da época em que vivemos.
A atual dimensão artística, cultural e econômica que os jogos eletrônicos possuem se torna cada vez mais nítida para os historiadores e professores que tomam crescente interesse pelo uso de jogos eletrônicos junto ao ensino de História. Apesar desse crescente engajamento, as pesquisas que estudam a disciplina da História junto dos jogos estão em um processo de legitimação, ainda mais se considerarmos o contexto brasileiro, que vem ganhando novos adeptos a cada ano e para os historiadores que se dedicam a essa problemática será cada vez mais difícil ignorar o papel didático dos jogos. Os jogos, assim como o cinema, vieram para ficar.