João Maria de Jesus, o monge da Água da Fonte, por Gilmar Cardoso
João Maria foi o nome imortalizado pela crença popular dado a três personagens históricos que percorreram o sul do Brasil nos meados dos séculos 19 e 20 e se tornaram famosos e cultuados por possuírem dons de profetizar acontecimentos futuros e curar os enfermos.
Os santos populares, à exemplo do conhecido e místico Padre Cícero do Juazeiro, o Padim Ciço Romão Batista, do Ceará; no caso dos monges Maria tinham o caráter de curandeirismo ou de messianismo e estão umbilicalmente ligados que confundem-nos ou dificultam separar seus feitos, vidas e trajetórias, além do que, incorporados a lenda e ao folclore passaram a ser historicamente unidos e tidos como uma espécie de trindade, numa comparação.
Batizado pelo povo como sendo santo ainda que sem canonização oficial – São João Maria – é comum encontrarmos na paisagem rural vários espaços públicos que preservam fontes e olhos d’água que teriam sido abençoados após o profeta ter acampado pelos arredores, inclusive, a fé credita a elas o poder de nunca secarem mesmo nos tempos de forte estiagem. Todos um dia já teremos avistado as tais águas das fontes, grutas, cavernas, lapas, cruzes, capelinhas ou imagens alusivas ao popular eremita.
Podemos afirmar se tratar de uma das mais marcantes e duradouras devoções populares surgidas nas Américas, a crença no Monge João Maria, que configura-se, inclusive, como um verdadeiro patrimônio cultural e imaterial das pessoas que têm nele um de seus principais ídolos sagrados e intercessores.
Desde a antiguidade as mazelas e dificuldades levam o povo de Deus a buscar auxílio no sobrenatural e, nesse caso, não foi diferente por ocasião do surgimento da devoção popular em São João Maria, no final do século XIX quando os pobres eram acometidos por pestes, fome e desesperança; contexto em que surgiram as figuras emblemáticas e carismáticas batizadas de Monges, andarilhos, benzedores e conselheiros a peregrinar por entre os povos.
Nas regiões centrais e orientais paranaenses e do Estado de Santa Catarina, além do sul de São Paulo e norte do Rio Grande do Sul, com repercussões na Argentina, é comum os turistas depararem-se com altares ou cruzeiros a demarcar espaços por onde o Monge tenha passado e as pessoas a ele recorridos para batizar, casar, curar ou dispensar bênçãos sobre os fiéis.
Os poderes milagrosos dos monges foram se difundindo rapidamente sob a alegação e fama de que curava os males físicos não somente com os tradicionais e presenciais benzimentos, mas também através das águas sagradas que brotavam das fontes, quer seja pelo banho, aspersão ou ingestão como remédio. Também é recorrente a menção às cruzes que eram erguidas pelas pessoas com estacas de madeiras verdes à delimitar e marcar o local exato como ponto das orações.
A crença no Monge João Maria remonta à diversos feitos e fatos históricos em todos os Estados com os quais possui relevância o culto à sua memória, com especial destaque para a famosa Guerra do Contestado, dentre outras manifestações camponesas; passando pelos Campos de Palmas e de Guarapuava, no Paraná; sem deixar de fazer menção e crédito ao Memorial do Monge João Maria de Jesus, na comunidade rural da Água da Fonte, no Município de Farol, conhecido e frequentado trajeto popularizado pela Rota da Fé.
A provável passagem do monge pela região da Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão – Comcam foi até tema de dissertação da Universidade Estadual do Paraná – Unespar, sob o título de – Memorial Água da Fonte: Religiosidade Popular e Devoção ao Monge João Maria de Jesus – narrativas e produção audiovisual; com pesquisa e coleta de dados sob a responsabilidade acadêmica Eva Simone de Oliveira em trabalho no programa de pós graduação em ensino de história no nível de mestrado profissional para obtenção do título de mestre.
Relata-nos o estudo científico que a cidade de Farol e o Memorial Água da Fonte são espaços de devoção e sacralidade, cujas narrativas se constituíram como objeto de estudo, objeto de ensino e objeto de produção audiovisual. A devoção popular a João Maria no referido município levou-nos a estudar a provável passagem e permanência por algum tempo no Memorial Água da Fonte, observando comportamentos e manifestações que fazem da localidade um local sagrado para o povo. Nesses relatos, o monge sempre era retratado como uma figura mística e mistérios.
A ideia de que João de Maria tenha passado por Farol, chegando a morar na localidade onde hoje se localiza o “Memorial Água da Fonte Profeta João Maria de Jesus” contribuiu para a sacralização deste espaço. E se as narrativas populares estão impregnadas de um imaginário comunitário marcado pelo contato com o sagrado e com milagres que atraem moradores da cidade e da região, a cura pela água da fonte, que brotava de uma pedra em forma de chaleira, antecede a passagem do monge pela região.
De acordo com relatos dos moradores, que corre de boca a boca, o monge João Maria de Jesus permaneceu nesta localidade, realizando curas, benzimentos e orações. Atualmente o lugar é um espaço de devoção ao monge e de turismo religioso, o qual recebe muitos visitantes e fieis que buscam a cura pela água e pelo barro.
A professora universitária Sinclair Pozza Casemiro, no trabalho intitulado Monge João Maria em Farol – PR: em busca de sentidos; reafirma o pressuposto historiográfico das três figuras históricas e as inúmeras referências populares: […] três monges teriam existido. Três formas aqueles que melhor marcaram a trajetória dos monges e conseguem reunir o sentido e unidade à história de um personagem envolto em misticismo popular. Ele, esse personagem teria agregado diferentes monges em períodos críticos da história e em diferentes regiões com variações de nomes, cujo o consenso se definiu na denominação de Monge João Maria. Podem ser citadas as variações: João Maria d`Agostini ou d`Agostinho, João Maria de Jesus, João Maria do Contestado, João Maria da Devoção Popular, João Maria de Deus, São João de Maria, Bom Jesus, Santo dos Pobres, José Maria, José Maria do Santo Agostinho, Monge da Lapa, Monge do Paraná. Na região da COMCAM os depoimentos citaram João Maria e João Maria de Agostinho (CASEMIRO, 2010, p. 13).
Registre-se, ainda que, de acordo com o Paraná Turismo são quarenta e nove municípios paranaenses envolvidos com a história do monge, que indubitavelmente constitui-se com esta fama e apelo em um dos maiores ícones da história paranaense e figura como elemento catalizador do discurso turístico; enquanto setor que compreende atividades que movimentam de forma significativa a cultura e a economia de determinado país, emergindo em transformações que colaboram para o desenvolvimento local. Fonte geradora de empregabilidade, movimentando vários setores da economia, como o hoteleiro e o alimentício, além de estimular o consumo de artigos religiosos e artesanais, a influência do turismo religioso no desenvolvimento das cidades, impacta na conjuntura local, ao passo que amplia as possibilidades de novos mercados e criação de novos empregos, movimentando de forma significativa a economia e contribuindo na produção do espaço urbano.
A memória e a identidade estão preservadas. O turismo religioso como alavanca e geração de emprego e renda apresenta-se como alternativa e opção viável e exemplar a unir preservação ambiental e sustentabilidade.
Concluo com a bela Oração ao Monge São João Maria, descrita no blog do educador Euclides Riquetti: “ Cruzes espalhadas nos morros/As fontes benzidas das águas/Gemidos pedindo socorro/Corações cheios de mágoas/O velho do cajado e do gorro/Pés descalços e mãos calejadas/São João Maria do bom povo/Abençoe minhas simples palavras./ E, ntre anjos e arcanjos/Nas imensidões de um além/Perdoa até mesmo os tiranos/Paz para eles também/São João Maria, Homem Santo/Homem que lutou pelo bem/Que reine a harmonia em todo o canto/E que Deus nos diga amém!”
GILMAR CARDOSO, advogado, poeta, membro do Centro de Letras do Paraná e da Academia Mourãoense de Letras.