Terraplanismo administrativo e a desconfiança das licitações e leilões

Assim como o crescente número de adeptos da ideia de que a Terra é plana [1], resultados da Pesquisa de Confiança, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2023) [2] revelam o aumento do ceticismo entre os cidadãos dos países membros em relação à capacidade dos governos de gerenciar desafios políticos complexos, como integridade das compras públicas. Parte da desconfiança se dá pelo viés de confirmação quando exceções – como a queda de um avião ou casos de fraudes e corrupção no funcionalismo público – são tidas, equivocadamente, como regra.

A verdade é que os processos de contratação pública em licitações – desde a compra da merenda escolar, leilões, até grandes empreitas – devem ser estruturados sobre pilares robustos de transparência, legalidade, governança e ética. Essas etapas são meticulosamente desenhadas e executadas para garantir a isonomia, a competitividade e a correta aplicação do dinheiro público. Como isso é possível? Primeiramente, pela legalidade: agentes públicos não devem ignorar responsabilização nas esferas cível 💴, administrativa (como a perda da função pública) 💼 e criminal 👮🏻♀️. Em seguida, pela segregação de funções: diferentes servidores, com responsabilidades distintas, atuam em fases separadas do processo. O setor inicial, que precisa de bens ou serviços para resolver um problema coletivo, não é o mesmo que orça, que licita, que fiscaliza ou que paga. Isso minimiza drasticamente a chance de manipulação em entidades bem estruturadas e possibilita o controle em cadeia, já que os agentes precisam validar os atos anteriores.

A participação social é cada vez mais incentivada, com a sociedade civil e os próprios licitantes podendo acompanhar e fiscalizar cada etapa, principalmente em processos eletrônicos, que já é regra na administração pública. Órgãos de controle interno, Tribunais de Contas (como o TCE/PR), o Ministério Público e entidades privadas como Observatórios Sociais e a imprensa atuam constantemente para garantir a legalidade e a conformidade dos atos do poder público. Além disso, a publicidade de documentos, os prazos e procedimentos definidos em lei possibilitam que qualquer cidadão pode ter acesso irrestrito às informações.

É importante ressaltar que os casos de irregularidades e corrupção são identificados e levados ao conhecimento das autoridades competentes, que devem instaurar o devido processo para apuração e responsabilização, quando comprovada a conduta.

Será a força conjunta da governança, do profissionalismo ético do corpo técnico e do controle social que desmistificará o terraplanismo administrativo e a ideia de que a administração pública opera em um mundo de segredos e interesses ocultos, como uma “redoma de vidro”. Esse sistema de freios e contrapesos não só garante a integridade dos processos de contratação, mas também contribui para o aperfeiçoamento contínuo do serviço público, assegurando que os recursos sejam aplicados de forma justa e eficiente para o interesse público.

[1] Bolsonaristas e lulistas empatam no apoio a crença de que a Terra é plana segundo Datafolha. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2024/04/bolsonaristas-e-lulistas-empatam-no-apoio-a-crenca-de-terra-plana-segundo-datafolha.shtml >. Acesso em 11/06/2025.

[2] Indicadores quantitativos da OCDE e o Brasil: Governança Pública, 2023. Disponível em < https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/16174/10/Indicadores_quantitativos_OCDE_Brasil_v3_Pub_Preliminar.pdf >. Acesso em 11/06/2025.

Rafael Fonseca de Souza, leiloeiro do Município de Campo Mourão, advogado (OAB/PR nº. 102004)