Bibliotecas Cidadãs deixam prédios para abrigar Assistência Social, Educação e até vereadores

Em 2003, um projeto criado pelo então Senador Roberto Requião, pretendia levar leitura e conhecimento à população de todos os 399 municípios do Paraná. Posto em prática, um ano depois, a primeira unidade foi inaugurada em Carambeí, nos Campos Gerais. E, de lá pra cá, cerca de 300 “Bibliotecas Cidadãs” foram entregues, com investimentos de quase R$ 100 milhões. Mas hoje, no entanto, alguns municípios beneficiados da região de Campo Mourão, não têm levado o projeto como deveriam, ao pé da letra.

A ideia inicial era que municípios recebessem dinheiro público, através de financiamento e, consequentemente, construíssem um prédio com cerca de 150 metros quadrados. Nele, além da biblioteca – com dois mil títulos -, haveria um telecentro, salão comunitário, espaço cívico e de recreação. A bem da verdade, os prefeitos contemplados realmente construíram as edificações. Mas hoje, os mesmos estão servindo a outras finalidades.

Em Janiópolis, por exemplo, o imóvel construído em 2011 à Biblioteca Cidadã serve hoje à Câmara Legislativa. De uma certa maneira, saíram os livros, entraram vereadores. De acordo com o prefeito Ismael José Dezanoski, quando edificada, a Biblioteca Cidadã ficava perto de uma escola. Mas a escola acabou sendo transferida de local, sendo unificada à uma outra unidade de educação. “Os alunos queriam frequentar a biblioteca. Mas a partir da mudança, ela ficou distante deles. Então mudamos a biblioteca, agora junto à Secretaria de Educação, ficando mais acessível aos estudantes”, explicou.

A biblioteca de Janiópolis, agora junto à secretaria de Educação, quadruplicou o acervo de títulos. Se antes eram dois mil livros, agora são oito

Segundo o prefeito, o projeto continua existindo normalmente. “A existência desta biblioteca é muito importante para o município. Principalmente pelo telecentro, que ajuda os alunos em suas pesquisas”, disse ele. A reportagem esteve no local e verificou que a ideia inicial continua existindo, embora com espaço menor.

Lá, junto ao imóvel da Educação, duas pequenas salas abrigam a biblioteca – hoje com oito mil títulos -, e o telecentro – com computadores – do arco da velha. Mas, distante do projeto, faltam os espaços idealizados no programa. Mesmo assim, tudo está bem organizado. De acordo com os coordenadores do local, cerca de dez alunos visitam o espaço, mensalmente.

Iretama

Em Iretama, o projeto continua a existir. Mas há cinco meses, o prédio vem dando lugar à secretaria de educação. “Estamos com a prefeitura em reformas. Então tivemos que realocar a Educação no prédio da Biblioteca Cidadã”, disse o prefeito Same Saab. Segundo ele, as obras do Paço Municipal deveriam durar três meses, mas já somam cinco. “Estou conversando com o responsável pela obra todo dia. Ele está atrasado com a reforma”, explicou.

De acordo com Saab, o projeto é indispensável à formação dos estudantes, que conseguem conhecimento a partir da leitura. “Não existe ninguém que goste de leitura mais do que eu”, revelou. Ao final da entrevista, o prefeito declamou o verso “Vou-me embora pra Pasárgada”, do poeta Manoel Bandeira. Same também destacou que, apesar do prédio da biblioteca estar acolhendo a secretaria de educação, o acesso aos livros continua normal.

Araruna

Já em Araruna, o prédio construído à Biblioteca Cidadã, ainda em 2011, agora serve ao Centro de Assistência Social. “Após dez anos, o município teve o direito em fazer do imóvel um bem público a qualquer departamento. Comunicamos inclusive ao governo sobre a mudança. Mas nunca deixamos de atender o projeto. Ele continua existindo na Casa da Cultura”, explicou o prefeito Leandro Cezar Oliveira.

A TRIBUNA visitou a Casa da Cultura de Araruna e pode verificar que a Biblioteca Cidadã está lá. Mas se antes ocupava um imóvel de 150 metros quadrados, hoje se resume a algumas estantes contendo livros, numa pequena sala. De tão pequena, nem mesmo o mobiliário e os computadores couberam. Mas o prefeito tem uma explicação ao “aperto”.

Em Araruna, o prédio da biblioteca se transformou em Assistência Social

De acordo com ele, apesar da Biblioteca Cidadã ter deixado seu local de “nascimento”, ainda em 2022, este ano ela ganhará uma nova casa. E somente à ela. “Deveremos entregar em 2024 um novo prédio à biblioteca. Será edificada na praça central, ao lado da Casa da Cultura”, garantiu ele. Tanto o mobiliário como os computadores do projeto estão guardados à espera da nova casa.

Com a transferência da biblioteca à Casa da Cultura de Araruna, já há quase dois anos, o número de alunos que a procuram teve uma queda significativa, informou uma das coordenadoras. De acordo com ela, hoje apenas cerca de 60 estudantes visitam o espaço, mensalmente.

Apesar de estar bem menor que o projeto inicial, o acesso aos livros continua funcionando em Araruna

Campo Mourão reforma Biblioteca Cidadã

A Biblioteca Cidadã de Campo Mourão foi inaugurada em outubro de 2011 e recebeu o nome do pioneiro Professor Ephigênio José Carneiro. Localizada no Jardim Primavera, ela nunca parou de atender a população e sempre esteve no mesmo imóvel.

De acordo com o secretário de Cultura, Roberto Cardoso, a unidade teve o seu potencial de atendimento ampliada, principalmente, em relação ao seu acervo literário. “Todo o acervo está disponível para a comunidade. Assim como ações de dinamização e acesso a leitura. Além disso, ainda levamos aulas de música e dança gratuitas à população”, disse.

Envolvendo a ideia do projeto inicial, a unidade de Campo Mourão também disponibiliza computadores, com o acesso à linguagem digital. “Até fecharmos para a reforma, nosso fluxo por semana era em torno de 300 frequentadores. Para nós, trata-se de um bom atendimento, em se tratando de um espaço cultural em um bairro”, ressaltou.

Para Cardoso, a importância da Biblioteca Cidadã no bairro é levar cultura, sem precisar vir até o centro da cidade, às pessoas que ali residem. Segundo ele, as obras de reforma estão estimadas em R$ 150 mil, dinheiro vindo dos cofres do município. A reforma deve ser concluída nos próximos dias.

Requião, o ‘pai’ do projeto

Agora ex-senador, Requião se mostrou insatisfeito com as mudanças do projeto por parte de alguns municípios. “Isso é uma decadência cultural. Uma involução intelectual desses gestores”, afirmou. Segundo ele, o hábito da leitura é fundamental para as novas gerações, que precisam de educação. “Minha vida política foi edificada pelos livros”, revelou.

As Bibliotecas Cidadãs fizeram parte do plano de governo da eleição do senador Roberto Requião em 2002. Eleito, colocou o projeto em prática. As primeiras unidades foram inauguradas a partir de 2004. O objetivo era que os 399 municípios do Paraná tivessem pelo menos uma sala de leitura com bom acervo de livros. Em oito anos como Senador, Requião inaugurou 200 unidades.

Recém desfiliado do Partido dos Trabalhadores (PT), a quem revelou que somente foi usado, Requião se filiou agora em abril ao Partido da Mobilização Nacional (PMN). E lançou pré candidatura à prefeitura de Curitiba. “Preciso saber como minha imagem está. Será que o povo quer alguém que construiu mais de 300 bibliotecas no Paraná”?, questionou.