Dirley, o caçador de cobras

Até a última semana, a casa 350, da Avenida das Indústrias, em Mandaguari – 130 Km de Campo Mourão, era a mais protegida da cidade. Continha mais de 150 cobras. A maioria, cascavéis. Ladrão ali, definitivamente, não se criava. Mas uma operação promovida por autoridades ambientais, acabou com tudo. E retiraram todos os animais. O responsável pelos bichos, era Dirley Bortolanza. Um sujeito simples demais para tamanha coragem. Mantinha os animais não por hobby. Ou para fins comerciais. Ele os mandava ao Instituto Butantã, em São Paulo. Queria colaborar à produção do soro antiofídico. E assim fazia desde os seus 30 e poucos anos. Mas os fiscais levaram tudo. Ficaram apenas os ratos. O alimento das serpentes. 

Quem escuta o nome Bortolanza, chega até a se assustar. Nome forte. Mafioso. Mas no caso do italiano Dirley, não é bem assim. Aos 62 anos de idade, é um cara normal. De bem com a vida. Franzino. Corajoso. Sempre de bom humor. No dia da operação, levantou as mãos e perguntou aos policiais e fiscais se queriam prendê-lo. “Disse que, se fosse preso, queria permanecer numa cela junto às cobras. Mas ninguém me levou”, lembrou. 

Para ele, a operação ocasionou danos à sua imagem. Hoje, muita gente acha que Dirley é um bandido. Um mal feitor às cobras. Um comerciante de animais peçonhentos. E a realidade, não é bem assim. Ele explica que, há quase 20 dias, autoridades ligaram. Tinham visto uma reportagem dele com os animais. “Me prontifiquei a ir até lá e levar as cobras. No mesmo dia. Não quiseram. Falaram que viriam apanhá-las. Depois de 15 dias, fizeram um estardalhaço”, disse. A fama, que já era grande na cidade, alcançou agora o país todo. Segundo ele, alguns veículos de comunicação, distorceram os fatos.

Dirley nunca teve medo de cobras. Já, aos dois anos, enquanto o pai trabalhava no cemitério da cidade, encontrou uma serpente. E a pegou pelo rabo. Surgiu mostrando o bicho. Temeroso, o pai mandou que a jogasse. Depois disso, não parou mais. Até os 17 anos, guardava os animais em caixas de sapato. Escondidas sob a própria cama. Com o tempo, moradores passaram a chamá-lo para retirar cobras de dentro dos quintais. Era fácil demais para ele. 

Passado o tempo, agora quem o requisitava eram os bombeiros da cidade. Quando a chamada envolvia cobras, lá estava Dirley a caminho. “Teve até uma vez que apanhei quatro no quintal de uma mesma casa. Na volta, tive que ir as segurando sobre o caminhão dos bombeiros. Eles ficaram com medo que fossem dentro da cabine”, lembra sorrindo. Dirley conta que as cobras em sua casa não eram novidade. Há muito tempo. Inúmeras reportagens mostraram o fato. Teve até a vez que apareceu no programa do Rodrigo Faro, na Rede Record. Ele não entende porquê tamanha operação. “Eu nunca escondi o que fazia. Pegava as cobras quando era chamado. As mantinha em casa. Dava comida. Quando me era pedido, as entregava às autoridades da cidade. E elas eram enviadas à São Paulo”, explica.

Dirley Bortolanza é casado com Lucimar, 48. Juntos, tem um filho. Os dois, filho e esposa, acabaram se acostumando com as manias do pai. Moram em uma casa de alvenaria bastante simples. O imóvel não é pequeno. Mas foi dividido para acomodar as “visitas”. E elas eram muitas. Em dezembro, havia mais de 200 cobras. Ele entregou algumas dezenas às autoridades. Foram enviadas ao Instituto Butantã. 

De família italiana, Dirley conta que os pais são gaúchos. Nos anos 50 se conheceram em Guarapuava. E lá, casaram. Mudaram a Mandaguari no mesmo dia do “casório”. Gomercindo, o pai, era escultor em pedra sabão. No norte paranaense, começou a esculpir objetos ao cemitério. Eram cruzes, pequenas estátuas, letras. Mais tarde teve a ideia de montar uma funerária. Uniu o útil ao agradável. Vendia o pacote completo. O pai já morreu, vítima de câncer. A mãe, Elma Barzotto, aos 90 anos, continua viva. Ao todo foram 10 filhos. Dirley é o do meio. Hoje, ao lado dos irmãos, administra uma marmoraria. E assim vão levando a vida.    

Dirley acredita que a cidade mantém tantas cobras devido ao grande número de reservas florestais. São muitas matas ao entorno. Além disso, o município conta com duas cavernas. E elas são repletas de cobras. “Ninguém tem coragem de entrar lá. São muitas cobras que habitam o local. Sei porque já dormi lá dentro”, conta ele. Até hoje, acredita que já capturou mais de duas mil cobras. Foi mordido – não picado – apenas uma única vez. Por uma cobra não venenosa. Ele aprendeu como lidar com os bichos. E os macetes, são inúmeros.  

Quando é chamado para colaborar na retirada de um bicho, ele já sabe o que fazer. Tem experiência. Ainda no telefone, pede para que a pessoa apanhe uma vassoura e a pressione sobre o animal. Sem fazer força. Tapando apenas a sua cabeça. Sem enxergar, a cobra não se mexe, diz. Depois disso, vai até o local e a captura. Antes levava caixas de madeira para abriga-las. Com o tempo, percebeu que um simples saco plástico resolvia. 

Certa vez, estava com seis caixas plásticas no porta malas e banco de trás do seu carro. Cada uma continha oito animais. Ele estacionou o veículo no centro. E saiu com um amigo. Sem saber, bandidos quebraram o vidro e levaram o automóvel. Num bairro mais retirado, decidiram abrir as caixas. Foi correria na certa. O medo foi tanto que o carro ficou abandonado. Depois, devolvido a Dirley. 

Na metade da casa da família, estão os quartos, banheiro, sala, cozinha e um pequeno escritório. Noutra parte, isolada de tudo, ficavam as cobras. Permaneciam soltas em um dos cômodos. Tinha até uma banheira com água. Diariamente, Dirley dava comida. Ele mantinha ratos no imóvel. Muitos deles, ganhava da própria comunidade. Com o operação, as cobras desapareceram. Ficaram os ratos. “Pedi pra que levassem também. Mas deixaram tudo aqui”, disse. Perplexo com tamanha dimensão que o fato se tornou, Dirley diz que não mudará sua conduta. “Vou continuar ajudando a população. Quando alguém precisar, irei para capturar as cobras”, afirmou. Ele não foi autuado e nem preso.

Crente em Deus, o sujeito não para de sorrir. Conta toda a história sempre com bom humor. Trata-se de um cara bem Informado. Na década de 80, fez o curso de Economia e Processamentos de Dados. Não terminou nenhum dos dois. Ele também é ator e escritor. Conheceu o teatro ainda criança. Se apaixonou. Até hoje, encena uma peça com amigos da cidade: “3 pistoleiros fora de ordem”. Com a pandemia, os ensaios passaram a acontecer na metade de sua casa. Ao lado das cobras.

Ao contrário dos mafiosos, Bortolanza jamais bebeu. Ele fumava. Mas parou há tempos. Leva uma vida sóbria. Convive harmoniosamente com a esposa e o filho. Trabalha. E captura suas cobras. Nada anormal. A não ser a parte das serpentes. Com a funerária do pai, ele decidiu construir seu próprio caixão. Foi construído há 37 anos. Com madeira Santa Bárbara. E é ali, que pretende ser enterrado. O móvel está bem no meio da metade da casa – das cobras. Enquanto não tem serventia, vai sendo usado nos ensaios do teatro. E Dirley é mesmo uma figuraça. Daquelas raras de se encontrar. Dias desses pediu a um amigo para tirar uma foto da família. Até aí tudo normal. Difícil foi tirar a fotografia da família, no café da manhã, com cerca de 15 cascavéis sobre a mesa.        

Outro lado 

“O órgão ambiental reconhece o auxílio prestado pelo cidadão, mas reforça que a atividade de resgate não pode ser realizada sem a devida autorização, tampouco a manutenção de animais silvestres em cativeiro”, ressalta a bióloga e chefe do setor de Fauna do Instituto Água e Terra, Paula Vidolin. Cobras peçonhentas são as que têm capacidade de inocular veneno e representam risco em acidentes pela picada. O veneno ocasiona diversos sintomas e pode matar caso não haja tratamento adequado. 

O morador de Mandaguari fez a entrega voluntária das cobras. Sua intenção não era praticar maus-tratos. “Quando acontece a entrega voluntária o cidadão não é enquadrado administrativa e nem criminalmente”, explica o capitão da 3ª Companhia da Polícia Ambiental da região, Luciano José Buski. “A ação contou com a presença de um médico veterinário que constatou que a saúde dos animais estava em ótimas condições”, reforça.

“Visando a segurança do cidadão, de sua família e das cobras, os técnicos fizeram as devidas orientações para que não haja mais ações deste tipo”, disse o chefe regional do Instituto Água e Terra de Maringá, Antonio Carlos Moreto. Os animais foram enviados ao Biotério do Laboratório de Taxonomia Animal da Secretaria Estadual de Saúde, em Curitiba.