‘Ele é a minha vida. Minha paixão. E meu pesadelo’

Em 29 de março, viaturas da Polícia Civil estacionaram numa rua bastante calma de Juranda, onde nem cães latem. Lá, numa das residências, detiveram um homem de 44 anos, barbudo, olhos claros, cabelos longos e que utilizava uma bengala para se locomover. O sujeito em questão havia, segundo a própria polícia, enviado mensagens incitando crimes à vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris. Levado à delegacia de Ubiratã, prestou depoimento. E a seguir, acabou preso. A ele, havia um mandado de prisão por um suposto furto, cometido anos antes. Mas afinal, quem é ele?

Ele é filho de Reinaldo Volpato, um sujeito descolado, esclarecido e que, aos seus 74 anos, o resume assim: “Ele é a minha vida. Minha paixão. Meu pesadelo”. Reinaldo conta que nada sabe sobre as tais mensagens enviadas. “Isso nada quer dizer. Não tem sentido nenhum. Meu filho não consegue responder por seus atos. Trata-se de uma pessoa com esquizofrenia. Ele é bastante educado, mas nunca violento”, afirmou. Segundo ele, o filho mantinha uma vida extremamente normal até beirar os 15 anos. Época em que fazia amizades, praticava a arte de desenhos e andava de bicicleta.

E foi com ela que a vida se transformou. Em 1994, um acidente mudou tudo. Sobre a magrela, o menino foi atingido em cheio por outro ciclista, que vinha a quase 70 km/h, numa descida. “Ele permaneceu 31 dias na UTI. A pancada foi tão forte que os ossos do rosto quebraram todos. O impacto também ocasionou um inchaço no cérebro. Foi quando o médico me olhou e disse: dificilmente, ele voltará a ser a mesma pessoa”, lembrou.

Recuperado e vivo, o filho passou a ter um comportamento diferente. Definitivamente, não era mais o garoto de antes. Mesmo assim, terminou o segundo grau, em São Paulo, onde vivia com Reinaldo, a esposa, Lidia Maria e outros dois irmãos. No entanto, os rumos o levariam a descer vários degraus, desta vez, em direção à escuridão.

O pai revela que, ainda em sua juventude, o filho descobriu o álcool e as drogas. E a decadência moral foi inevitável. Acabou adotado pela cracolândia, permanecendo ali por um ano. Também foi nesta mesma época em que o pai começou a observar o filho falando consigo mesmo. Para Reinaldo, havia alguma coisa a mais que o mundo das drogas. Possivelmente, os resultados do que o médico dissera, anos antes.

O pai

Reinaldo nasceu e foi criado na zona rural de Juranda. Vindo de uma família de bons trabalhadores, jamais arregou ao sol quente ou dias de intenso frio. Mas atordoado e intoxicado por tanto veneno da lavoura, nos anos 70, decidiu hastear a bandeira da liberdade. E, aos 20 anos, emprestou 500 Cruzeiros de um vizinho. E sumiu para São Paulo.

Chegou à capital paulista com uma mão na frente e outra atrás. A grana foi usada no tratamento de desintoxicação. “Minha vida lá foi muito sofrida. Morei de favor com uma família que me acolheu. Muitas vezes comia restos de feiras. A bem da verdade, comi o pão que o diabo amassou”, disse. No entanto, como olhar para trás era proibido, estufou o peito e encarou a cidade grande. E venceu.

E foi na capital quando conheceu e se apaixonou pela esposa, Lidia Maria, mãe de seu filho. Agora casado, trabalhou e muito. Durante 25 anos teve dois empregos, que lhe renderam hoje uma boa aposentadoria. Dinheiro esse, que mantém o filho distante 812 km, em Juranda. Reinaldo mora em Carapicuiba.

Em 2010, Reinaldo se separou da mulher. O fim da relação levou a ex-companheira e o filho de volta às suas origens: Juranda. E lá, as coisas só pioraram. “Meu filho passou a ter pequenas ocorrências policiais. Foi suspeito de um furto. Gritava na rua, chegando até a apanhar algumas vezes. As falas dele já eram desconexas”, disse.

O ápice da “desorientação” do filho aconteceu há alguns anos, após ter se separado da esposa, com quem ficou casado apenas cinco meses: ele ateou fogo à casa do sogro. E por este motivo, o Ministério Público solicitou um laudo psiquiátrico, de sanidade mental.

A TRIBUNA teve acesso ao laudo, realizado em 2022, que confirma ter um discurso pouco coeso, delirante e paranoide. “Diz que está sendo perseguido pela maçonaria e que teria auxílio dos Estados Unidos para poder legalizar a maconha. Diz que já foi violentado e teve duas filhas que foram sequestradas e que não sabe do paradeiro. Relata que tem que lutar contra as novelas e jornais, pois estaria sendo roubado por eles. Mistura temas como guerra, televisão, personalidades. Ausência de juízo crítico”. Baseado no exame realizado e a história pregressa, conclui que apresenta história clínica psiquiátrica, condizente com um quadro de pessoa portadora de esquizofrenia.

A reportagem não teve acesso às supostas mensagens enviadas à vice-presidente dos Estados Unidos. De acordo com o delegado de Ubiratã, André Dzindzik, o caso corre em sigilo. Reinaldo também confirmou não saber o que o filho teria enviado. “Não sei o que, pra quem e o que foi mandado. Mas sei de uma coisa: isso é besteira. O que meu filho precisa é de uma clínica psiquiátrica. Com duração de um ano. Já temos o direito de um tratamento por seis meses. Mas eu não concordo, é pouco tempo. E eu imploro para que o estado me ajude”, afirmou.


Filho vive num universo paralelo

O filho de Reinaldo vive sozinho desde 2021, em Juranda, depois que a mãe morreu vítima de um infarto. Desde então, Reinaldo deixa São Paulo e percorre mais de 800 km, uma vez ao mês, para o acompanhar. “Há 28 anos meu filho é também meu pesadelo”, disse.

Aos 44 anos, divorciado, o homem passa o dia e as noites em casa, deitado sobre a cama, quase fechado em seu quarto. Sai apenas para ir ao mercadinho próximo. Ou, quando muito, fumar os seus dois maços de cigarro diários, na área da frente ou aos fundos da residência.

Ele também perdeu a visão de um dos olhos, em 1997, num acidente de carro. O impacto foi tão violento que, também passou a ter problemas no quadril. Até hoje, se locomove com uma bengala. Enquanto criança, sempre estudou em bons colégios particulares, onde os professores o apontavam como um indivíduo com inteligência rara.

“Hoje eu não vivo mais. Eu vegeto. Me preocupo demais com ele”, diz o pai. Reinaldo se recorda que o internou por 16 vezes em clínicas de recuperação. Uma delas aconteceu na cidade de Piedade, nome bastante sugestivo a quem já perdeu as esperanças.


Polícia envia nota sobre o caso

Nesta data, 01 de março de 2024, a Polícia Civil do Estado do Paraná, exercendo seu papel constitucional de repressão ao crime, deu fiel cumprimento ao mandado de prisão expedido pela 1ª Vara Criminal de Carapicuíba, estado de São Paulo, em virtude da prática do crime de furto.

O mandado de prisão foi compartilhado com a Autoridade Policial de Ubiratã por meio do Laboratório de Operações Cibernéticas, integrado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, com sede em Brasília, porque se investigava uma mensagem redigida em meados do mês de fevereiro deste ano, direcionada à vice-presidente dos EUA, exigindo a morte dos servidores públicos de Ubiratã.

O FBI – Federal Bureau Investigation –, Polícia Judiciária com atribuição em todo território nacional dos EUA, prontamente encaminhou o conteúdo interceptado ao Brasil, através do instrumento de cooperação internacional, para as providências pertinentes.

Iniciada a investigação preliminar, o suposto autor das mensagens foi rapidamente identificado, constando em aberto um mandado de prisão em seu desfavor. O autor foi preso na cidade de Juranda e entregue ao sistema penal. O acusado foi levado até a cadeia de Assis Chateaubriand e posto em liberdade na tarde de 06 de março, última quarta-feira.