‘Seo’ Domingos se preparava para morar sobre um morro, mas o rio chegou antes

“Seo” Domingos tem 73 anos. Mora em Muçum, no Rio Grande do Sul, há bastante tempo. Tempo o suficiente para passar por quatro situações de emergência. Quatro enchentes. Quatro lamentações. A última havia acontecido em setembro, no ano passado. Ele ainda contava os prejuízos quando viu as águas de agora, destruírem sua casa. Se antes o rio havia levado apenas os pertences, desta vez, conseguiu destruir a residência. Perdeu tudo.

Ele já estava ciente de que as tragédias voltariam a acontecer. Por isso começou a construir outra casa, agora, bem alta, sobre um morro em que apontou com a mão. Mas mesmo obcecado pela mudança, não teve tempo de escapar da fúria da natureza. Na semana passada, ele foi visitado pelo grupo de estudantes de Campo Mourão. Eles passavam pela rua quando o viram em frente ao que sobrou do imóvel. Estava com botas, roupa limpa, buscando na lama que o rio trouxe, as próprias lembranças, que a água decidiu deixar.

‘Seo’ Domingos foi visitado pelo grupo de estudantes de Campo Mourão

Mesmo com os olhos tristes, ele ainda conseguiu sorrir. Talvez uma das características do povo gaúcho, que não se entrega. Domingos é valente. Um sobrevivente. Viúvo, perdeu a esposa há quatro anos. Mora com o filho. Os dois estão bem e motivados a desaparecer dali. Vida agora somente sobre o morro. Para ele, as águas nunca mais pararão de subir. “Quem ficar aqui vai continuar sofrendo. É uma vida ruim”, disse. Antes de irem embora, Domingos recebeu um abraço de todos os estudantes. Palavras de conforto. Esperanças ao seu coração.

A exemplo da sabedoria de “seo” Domingos, há 20 anos, próximo a Erechim, um senhor italiano de 90 anos, ao ver galhos lá no alto, enroscados nas forquilhas das árvores disse: “O rio sempre volta para buscar esses galhos”.

Muçum, com quatro mil habitantes, fica a 115 quilômetros de Porto Alegre. E foi atingida pela cheia do Rio Taquari pela terceira vez em menos de um ano. Os acadêmicos mourãoenses de medicina relatam que a pequena população não suporta mais o drama vivenciado. Grande parte já deixou a cidade, ou o que restou dela. Foi um dos municípios mais afetados pela enchente. Ainda existem pessoas desaparecidas ali.