A luta de Mabel chegou ao fim

Maria Belén Calzolari sempre pretendeu ser atriz. Desde criança, a arte já corria nas veias. E o tempo, ditou os caminhos. Nascida em Córdoba, na Argentina, viu os pais se separarem ainda criança. Mas, aos cinco anos, veio com a mãe ao Brasil. Fixaram residência em Campo Mourão, onde tinham parentes. Menina de forte personalidade, não nasceu em berço de ouro. O jeito então, foi se virar. Arrumou as malas e rumou pra cidade grande. Estudou. Batalhou. Provou talento. Chegou a Globo. Mas o percurso foi interrompido ao descobrir uma doença rara, Aracnoidite Adesiva. Mas hoje, tudo acabou. Após uma parada cardíaca, teve morte cerebral. 

Maria também era conhecida como Mabel. Tinha apenas 21. Muito pouco pra quem já carregava uma pesada cruz. Um fardo cruel demais. Principalmente, a uma garota que passava a maior parte do tempo a sorrir. Mesmo na cama do hospital. Seu drama vinha sendo compartilhado com a mãe, Silvinha e com amigos, atores e atrizes, que fez no Rio de Janeiro. Uma vaquinha foi criada para ajudar. Ela não possuía plano de saúde. Famosos também pediam ajuda ao seu caso. 

A luta travada era para não ter sequelas, principalmente, que a deixassem numa cadeira de rodas. De dezembro para cá, foram nove cirurgias na coluna. Na última semana, teve convulsões. Passou a não reconhecer mais as pessoas próximas. Na sexta, sofreu uma parada respiratória. Foi intubada. O estado de saúde se agravou. Depois disso, uma parada cardíaca, por 12 minutos. Ontem, médicos constataram inchaço no cérebro. A resposta veio hoje: ela não suportou.   

A doença de Mabel é conhecida como Aracnoidite Adesiva. Ou seja, uma condição em que a membrana que circunda os nervos da medula espinhal, incha, causando muitas dores. Pode ser causada por infecção, lesão ou compressão crônica da medula. Não existe cura. Dados indicam se tratar de um problema raro, um em um milhão de pessoas. E pode levar a perda dos movimentos. Paralisia ou, até, tetraplegia. A este repórter, Mabel contou que em janeiro de 2020, fez a primeira cirurgia. Outras duas aconteceram em uma semana, em dezembro.  

O seu caso continuava sendo estudado no hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro, onde estava internada. Ela não andava e tornou-se totalmente dependente da ajuda de outras pessoas. Silvia, a mãe, deixou Campo Mourão para ficar ao seu lado. Cabeleireira de profissão, não podia trabalhar por conta da filha. Sem grana, eram ajudadas em uma campanha por amigas.

O problema foi descoberto ainda no final de 2019, após o parto. No Rio, Mabel conheceu e passou a namorar um ator, João. Eles ficaram “grávidos”. Da relação, nasceu Nicolas. “Estava pronta para um parto natural. Mas não consegui a dilatação. Então fiz a cesárea. E, por conta da raqui, desenvolvi a doença”, explicou. Dias depois, já começava a sentir dores. Ela contou que foi a alguns médicos, mas nada constatavam. Um dia ela esqueceu uma bolsa de gelo sobre uma das pernas. Esqueceu porque não sentia o ardor do gelo. Somente mais tarde foi diagnosticada com a Aracnoidite. Desde então, o drama da menina linda, carismática e, sorridente, só aumentava.

Campo Mourão

Mabel nasceu em Córdoba, na Argentina. Mas foi criada mesmo em Campo Mourão. Chegou aos cinco, com a mãe brasileira, Silvinha. Ela havia se separado do companheiro, argentino, voltando as terras vermelhas do Paraná. De família simples e sem recursos, jamais teve grana para bancar escola particular. Mesmo assim, conseguiu bolsas de estudo, passando a cursar aulas privadas. Sempre liderou a turma em projetos culturais. Era uma espécie de “nerd” voltada as artes. Tanto é que, ainda aos 15, fez seu primeiro profissional de teatro. 

Somente no último ano, ainda em Campo Mourão, frequentou o Colégio Estadual. E foi lá quando revolucionou o complexo. Vendo o teatro abandonado, conversou com a direção e uma professora de artes. Aceitaram o desafio. A menina juntou amigos e iniciaram uma peça musical. Na ocasião, Mabel fazia o cover de Ariana Grande. 

Ao mesmo tempo em que iniciava o dom artístico, foi convidada a participar de concursos de beleza. Na cidade foi miss infantil em 2010. Aos 17, conquistou o segundo lugar no Miss Teen Paraná. Mabel sempre foi de uma beleza ímpar. Virou modelo e herdou dos pais traços da fisionomia latina. A bem da verdade, uma atriz que poderia encenar filmes de Pedro Almodóvar. 

Com o conhecimento adquirido, passou a ter muitos contatos. E, vendo a necessidade de tornar-se uma verdadeira atriz, arrumou as malas e partiu pra cidade grande. Sempre sem grana, ganhou uma bolsa de estudos na Escola de Atores Brasil, em Ribeirão Preto. Ali estudou e aperfeiçoou-se. Certo dia, o diretor a levou para conhecer o Projac, da Globo, no Rio. E por ali ficou uma semana. Foi convidada a figurar a novela “Orgulho e Paixão”. “Eu observava tudo. Via o movimento das câmeras. Conversava com a equipe. Tirava dúvidas com outros atores. Queria aprender”, disse. 

Passada a semana de experiências no Rio, retornou a Ribeirão. Mas o desejo era permanecer na Cidade Maravilhosa. Afinal, era ali onde as coisas aconteciam. Sobretudo, na sua profissão. “Então decidi voltar ao Rio. Não tinha dinheiro. Um amigo me emprestou R$100. Era para a passagem de ônibus. Lá cheguei com fome. Sem ter onde morar. Sem grana. Sem cartão de crédito. Sem nada”, disse.

A gana para vencer era proporcionalmente do mesmo tamanho da sua coragem. Mabel omitiu da mãe que estava a mercê no Rio. “Para ela, eu tinha onde morar. Estava com dinheiro. Estava tudo certo. Mas não falei a verdade. Não queria preocupá-la”, lembrou. De volta às figurações, conheceu uma colega, também argentina. A moça estendeu a mão, e aceitou repartir o teto com Mabel. As coisas pareciam caminhar bem. 

“Um dia o diretor perguntou se eu era atriz. Disse que sim. Pediu pra eu ler um texto. Li. Ele gostou. Começava ali, naquele momento, a ganhar meu espaço”, disse Mabel. E foi no mesmo elenco em que conheceu João, o pai de Nicolas. Mas o destino revela segredos maiores que a alma humana. Ela não imaginava que, além de ganhar o maior presente da vida – o filho -, também ganharia um problema desafiador a sua vida: uma doença incurável. Nicolas, com quase dois anos, está na companhia do pai.      

A menina de sorriso fácil, mesmo na cama de hospital, era tomada por esperança, reflexo de uma personalidade perspicaz. Como sempre fez, decidiu desafiar o próprio drama. E encarava o problema de frente. Como tinha que ser. Fugir da luta, era algo que, definitivamente, jamais esteve em seus planos. Mabel já era uma estrela terrena. Agora, virou uma estrelinha brilhante no céu.